
T�m ou desenvolvem maturidade para perceber os puxa-sacos e os conspiradores que alimentam divis�es internas em nome de interesses pr�prios. � muito comum o homo conspiratus de pal�cio que usa o ouvido est�pido de governantes imaturos.
Ao mesmo tempo, t�m ou desenvolvem jogo de cintura para torear os aliados descontentes com as decis�es amargas da primeira hora e a aproxima��o com advers�rios de que vai precisar. Em nome da estabilidade determinante a seu projeto de longo prazo.
Tudo o que n�o fazem � trair. Lealdade, como na m�fia, � a primeira condi��o de ampliar apoio, obedi�ncia e sucesso na pol�tica. Voc� ser� tolerado se roubar ou matar, mas n�o se trair.
Em 2009, ao final do seu segundo mandato, Luiz In�cio Lula da Silva tinha conquistado quase todos os segmentos de poder do pa�s, todos os movimentos relevantes de press�o na sociedade, a maior parte das faixas geogr�ficas e et�rias de alto potencial eleitoral.
Tinha apoio e paix�o das principais lideran�as do Centr�o, da elite empresarial, dos banqueiros, dos sindicatos, da universidade, do funcionalismo p�blico, das igrejas cat�licas e protestantes, do mundo art�stico, dos movimentos de mulheres, lgbts, negros e �ndios.
Tinha comprado a paix�o de velhos com aposentadoria compuls�ria aos 65 anos, sem terem contribu�do. De pobres, com o Bolsa Fam�lia. De jovens, com o Enem e o financiamento da universidade (o Sisu). De donas de casa, com o Minha Casa Minha Vida. At� de segmentos menos votados, como o dos pescadores, na farra do Aux�lio Defeso.
E do Nordeste inteiro. Numa viagem a S�o Jos� do Serid�, no meio da caatinga do RN, ouvi de um prefeito que Lula havia debelado definitivamente a fome, a mis�ria e os saques at� ent�o recorrentes antes de seus governos e os de Dilma Rousseff.
Dos cerca de uns 3 mil habitantes adultos, por volta de 1.500 recebiam sal�rio da prefeitura, 600 do Estado, 300 do governo federal em aposentadorias e outros 300 de Bolsa Fam�lia. Alguns empreendimentos privados — latic�nio, abatedouro e uma f�brica de camisetas de multinacional — ocupavam os restantes.
Tudo por via de dinheiro p�blico, na boca do caixa, no contracheque ou em subs�dios dos bancos p�blicos e do bom BNDES. Quebraria o pa�s ou criaria as condi��es para quebrar, mas cravou seu nome definitivamente no cora��o dos nordestinos.
S� n�o tinha dominado — totalmente — a imprensa tradicional, implicante como conv�m. Mas tinha criado sua pr�pria base de comunica��o. Blogs alugados (tamb�m com dinheiro p�blico), muita verba para ve�culos de imprensa menores pelo interior e a milit�ncia furibunda da guerrilha virtual que antecederia a de Bolsonaro, nas condi��es tecnol�gicas da �poca.
Tinha reduzido a p� qualquer tipo de oposi��o, n�o apenas pol�tica, mas em qualquer estamento. N�o por acaso chegou ao fim de seus dois governos com mais de 80% de aprova��o e bala na agulha para fazer o sucessor que quisesse.
Como ningu�m � perfeito e, como as ferraris, tamb�m d� defeito, cometeu o erro de que viria a se arrepender para o resto da vida: a elei��o de uma sucessora inexperiente que produziu a sequ�ncia de desastres que o levariam � guilhotina da Lava Jato.
Jair Bolsonaro, al�m de n�o ter ou tentar desenvolver empatia, fez tudo ao contr�rio. Em poucos meses, emprenhado pelo ouvido por uma fam�lia de assanhados por espa�o, n�o teve maturidade e jogo de cintura para afast�-los e manter aliados, cooptar advers�rios, aparar arestas.
Mais que isso, por vaidade, mesquinharia e picuinha palaciana que n�o soube discernir, fritou os primeiros companheiros de jornada (Gustavo Bebiano, Santos Cruz, Joyce Hasselmann e tantos outros), os auxiliares mais t�cnicos (Rego Barros, Joaquim Levy e tantos outros) e os ministros mais populares (Lu�s Mandetta e Sergio Moro).
Caso cl�ssico de seu modus operandi tocado a rancor e mesquinharia, mesmo com companheiros fi�is, � o de Jana�na Paschoal. Candidata muito superior a Marcos Pontes e mais vot�vel ao Senado por S�o Paulo, foi trucidada por ele e sua milit�ncia adestrada por n�o lamber-lhe as botas, apesar de apoi�-lo com honestidade.
(Veja-se em contraponto o que fez Lula. Conversou e ficou rouco de tanto ouvir para congregar todos os partidos de esquerda e chegar a uma solu��o salom�nica que viabilizasse a melhor solu��o conciliadora, em Fernando Haddad para o governo e M�rcio Fran�a para o Senado. Creio que, se pudesse, faria o contr�rio. M�rcio teria menos rejei��o ao governo.)
Na ingenuidade de montar um minist�rio t�cnico, Bolsonaro brigou inicialmente com o Congresso. Para alimentar sua base fan�tica, fustigou o Judici�rio e a imprensa. Para cutucar os artistas e a ind�stria cultural, atacou ou ignorou �cones nacionais em momentos definidores (Fernanda Montenegro, Anitta, Tarc�sio Meira em sua morte).
Para arredondar, comprou briga com lideran�as nacionais e mundiais do meio ambiente e, em especial, do mundo cient�fico, em meio ao consenso mundial de combate � pandemia. Conseguiu ser contra vacinas e m�scaras, de que todos dependiam por quest�o de vida.
Al�m de produzir encrenca, n�o teve a sagacidade de l�der para correr atr�s de grupos, faixas ou segmentos do eleitorado em que era rejeitado ou rejeitou desde o in�cio: pobres, mulheres, negros, lgbts, artistas, funcion�rios p�blicos…
Se � mais f�cil entender o sucesso de Lula pela exce��o de um �nico segmento que n�o conquistou totalmente (a grande imprensa), compreender o fiasco de Bolsonaro passa por procurar a exce��o dos poucos que n�o desagradou: o empresariado, na cidade ou no campo, os evang�licos e os militares.
Salvou-o de maior desastre e o mant�m vivo, como ocorre em todo governo, mesmo capenga, o Centr�o. Que cooptou s� depois de ano e cinco meses de governo, ao acordar para o risco real de ser cassado ao cabo de v�rias brigas, tentativas e quebras de acordos de apaziguamento com os demais poderes.
Pois � essa figura que vem, a menos de 60 dias da elei��o, tentando tirar o atraso em pelo menos duas estrat�gias tardias vis�veis. Criar bondades para os diferentes p�blicos que desprezou (mulheres e pobres, em primeiro lugar) e minimizar a imagem de encrenqueiro que afasta os dois.
Problema � que, como economia n�o d� resultado em curto prazo, empatia n�o se desenvolve em 60 dias e muito menos em quem tem agressividade e conflito como esp�cie de DNA, n�o quer ou n�o percebe que seja necess�rio. Como n�o percebeu em tr�s anos e meio de encrenca.
Salvo ainda que o empenho por mudar de cara em curto prazo costuma ter efeito contr�rio, al�m de alta carga de rid�culo. Nada menos Bolsonaro que o anti Bolsonaro na pele dele mesmo. Pode correr o risco de perder at� parte dos 30% da popula��o que gosta do seu modo encrenqueiro de ser.
A milit�ncia do "mas"
Em�lio Zurita, apresentador do P�nico da Jovem Pan, mistura de entrevista jornal�stica e humor, listou sete manchetes recentes para denunciar como a grande imprensa se utiliza de contraponto negativo (antecedido da cl�ssica adversativa "mas") para desqualificar as conquistas do governo Bolsonaro:
- “Brasil melhora acesso a escola, mas ainda precisa superar desigualdade, aponta OCDE”,
- “Desemprego recua para 9,3% em junho, mas n�mero de informais � recorde, aponta IBGE”,
- “Ita� eleva PIB para 2% em 2022, mas alerta para desafio fiscal relevante”;
- “Emprego surpreende em maio, mas d�vidas persistem”,
- “Brasil tem menor taxa de homic�dios em uma d�cada, mas est� entre os dez pa�ses mais violentos”,
- “Brasil volta ao 6º lugar em investimentos no mundo, mas retomada � parcial”.
Ao comentar o trecho que bombou nas redes bolsonaristas, o professora Pablo Ortellado justificou em O Globo que os editores assim procedem para n�o dar muni��o aos apoiadores do presidente.
Depois de admitir a pr�tica tradicional nas reda��es de colocar contrapontos para abarcar os diferentes lados da not�cia, ressalva que:
— Na atual circunst�ncia, por�m, essa pr�tica me parece ter um outro motivo bastante compreens�vel. Muitos jornalistas consideram hoje grande irresponsabilidade dar uma manchete que possa ser usada como escada para o bolsonarismo, que est� corroendo e degradando as institui��es democr�ticas. Assim, para dar a not�cia e n�o se deixar ser usado, inclui-se j� na manchete um contraponto.
Tudo bem, mas n�o reclamem de serem acusados, n�o s� por bolsonaristas, de censura ou milit�ncia, que � onde os jornalistas caem quando se arrogam a controlar a repercuss�o do que publicam e proteger a inviolabilidade de seus t�tulos.
Como fez, na mesma semana e n�o por acaso, Vera Magalh�es, o alvo preferencial da mais recente temporada de viol�ncia contra o jornalismo profissional, liderada por Jair Bolsonaro:
— Algo est� muito errado com a democracia quando jornalista vira assunto ou, pior, personagem de uma campanha eleitoral.
N�o viram � toa, a se ver na lista de manchetes de Zurita, mas n�o s�. Conv�m ouvir o outro lado.
Falta-lhes tamb�m a humildade de admitir que n�o est�o acima de cr�ticas e que a nobre institui��o a que pertencem, como as demais do nosso prec�rio sistema democr�tico, tamb�m passa por um processo indiscut�vel de degenera��o. N�o s� econ�mica.
Talvez fosse o caso de dizer que algo pode estar muito errado tamb�m com o jornalismo quando seus profissionais viram pauta.
Jovem Pan e Fox News
N�o � totalmente aleat�rio que tenham sa�do pelo menos duas extensas reportagens sobre o caso Jovem Pan, o mais recente e impressionante fen�meno de sucesso empresarial de comunica��o atrelado � onda do bolsonarismo.
Em curto espa�o de tempo, uma emissora de r�dio obscura e provinciana de S�o Paulo ganhou musculatura nacional e virou l�der de audi�ncia disparado nos segmentos de not�cia em r�dio, TV a cabo e internet. Sua audi�ncia em canais de not�cia no Youtube � humilhante para as outras.
Como nas escorregadas de Ortellado e Vera, � dif�cil passar despercebida certa arrog�ncia de tratar o caso de nariz tapado, como exotismo de uma fac��o fan�tica e ignorante que s� se informa por ela e pelo WhatsApp. Fora algumas maldades, como simplificar a impressionante plataforma de cursos Brasil Paralelo como "produtora de v�deo de direita".
Falta humildade para admitir que a velha imprensa a que pertencem n�o contempla grande parte da sociedade que vem h� muito tempo se sentindo n�o atendida por ela. Se levar em considera��o o apoio fiel de Bolsonaro nas pesquisas, algo como um ter�o.
Fen�meno semelhante e j� cl�ssico nos Estados Unidos deu na Fox News, criada em 1996 por Rupert Murdoch e a genialidade de Roger Ailes, que viria a cair em desgra�a por acusa��es de ass�dio sexual, 20 anos depois.
Como havia percebido Olavo de Carvalho aqui, l� nos 90, ele convenceu o empres�rio de que havia uma grande maioria do pa�s, conservadora, que n�o se sentia representada — ou at� o contr�rio disso, afrontada — pela relativiza��o moral do jornalismo liberal progressista, maioria do mainstream midi�tico.
Em pouco tempo e sobretudo a partir da cobertura nacionalista, patri�tica e at� um tanto xen�foba dos ataques de 11 de setembro, em 2001, fez todas as emissoras de not�cias do pa�s comerem poeira. At� hoje.
Muito longe da Fox News, que acalentou mas tamb�m contrariou Donald Trump, a Jovem Pan n�o � ve�culo que se recomende para quem busca isen��o ou pelo menos tentativa de.
Seu carro-chefe, Os Pingos nos Is, � uma chapa branca desavergonhada. Dif�cil afastar a impress�o de que seus tr�s �nicos jornalistas cr�ticos ao governo, no restante das 24 horas de programa��o (Amanda Klein � irritantemente �tima), n�o estejam ali para cumprir cota e vender o marketing, pouco convincente, de que pratica o contraponto.
Mas, como dizem as manchetes, deveria ser percebida como algo mais do que produto de fanatismo. Por um quest�o de respeito a si mesmos e ao ter�o da sociedade n�o deve ser visto como imbecil.