
Os mercados e seus habituais defensores acabam de despejar uma nova onda de press�es em prol do ajuste fiscal da Uni�o, com o velho discurso de que a falta de solu��o nos trar� a hiperinfla��o de volta, etc. O que mais aparece � a defesa de dois pontos: 1) da observ�ncia ao teto de gastos, herdado do governo anterior, cujo total n�o poderia crescer acima da infla��o, e 2) do encerramento, em 31 de dezembro, do pagamento da renda emergencial ligada � pandemia, para tirar do ar a mais nova press�o relevante que surgiu sobre os gastos. Nessa mesma linha, hoje tamb�m se irmanam o ministro da Fazenda e o presidente da C�mara, habituais defensores de teses caras aos mercados financeiros, mesmo tendo divergido abertamente em rela��o a outros aspectos da ordem do dia.
Do seu lado, a c�pula do governo, tendo sentido o gostinho do aumento de popularidade devido ao novo benef�cio concedido, gostaria at� de eternizar a emerg�ncia em um Bolsa-Fam�lia ampliado a partir de 1º de janeiro, o que poderia assegurar sua reelei��o. S� que, com poucas armas nas m�os, os respons�veis pela economia n�o conseguiram convencer o governo a financiar a nova despesa com redu��o de outras na �rea assistencial, nem via solu��es esdr�xulas como a de redirecionar parte do dinheiro previsto no or�amento de 2021 para o pagamento de precat�rios.
Agindo como um Dom Quixote tupiniquim, o ministro da Economia continua insistindo na defesa de sua agenda inicial de reformas, que inclui uma reforma administrativa e um ataque confuso � rigidez or�ament�ria (os tr�s Ds: desindexa��o, desobriga��o e desvincula��o), defendendo ainda alguma vers�o de reforma tribut�ria. Tudo isso a princ�pio praticamente imposs�vel de aprovar, especialmente no bojo de uma pandemia como a atual.
Caminhamos, assim, para um ep�logo complicado, pois tenderemos a acabar com o aux�lio emergencial sem a pandemia ter data de encerramento claramente definida. Fazer isso � dizer para os informais: primeiro tiramos metade do que d�vamos para combater um mal que ainda est� a�, e agora vamos tirar o resto. Enquanto isso, apesar das amea�as dos mercados e de algumas autoridades, a infla��o e as taxas de juros continuam baixas e em n�veis in�ditos, e o BC, apesar das reclama��es de sua dire��o, vai financiando tranquilamente suas necessidades via redu��o dos prazos dos t�tulos, algo de que, no fundo, ningu�m reclama. (Pois, como bem mostrou o insuspeito Andr� Lara Resende, em seu brilhante artigo de 16/5 na Folha de S.Paulo, os ganhos financeiros aos intermediadores continuam assegurados.)
Por que, ent�o, com respaldo na onda mundial, n�o prorrogamos o estado emergencial at� meados do ano que vem, mantendo a renda emergencial por mais seis meses, at� melhor avaliar a situa��o relacionada com vacinas e decr�scimo dos novos casos e �bitos?
J� o cumprimento puro e simples do teto � uma ideia desprovida de boa l�gica, pois o que na pr�tica se fez foi levar o Executivo a dizer aos poderes da Rep�blica: aprovamos, meio na marra em um momento supercr�tico (impeachment), uma emenda constitucional obrigando voc�s todos, Deus sabe como, a ajustar os gastos totais do or�amento ao baixo crescimento da m�dia dos pre�os. Agora, dir� o Executivo, teremos de achar um jeito de cumprir o imposs�vel, pois os demais poderes (ou seja, os chamados poderes aut�nomos) t�m autonomia administrativa e financeira conferida pela mesma Constitui��o, e, portanto, podem usar o conflito legislativo para n�o cumprir o teto na sua pr�pria gest�o, nem no julgamento de casos com ele relacionados.
Al�m disso, o item dos gastos que mais subiram nos �ltimos tempos foi a incomprim�vel Previd�ncia, especialmente a dos servidores p�blicos, algo que aconteceu por ter sido o segundo pilar b�sico que foi turbinado para cima nas mudan�as constitucionais de 1988 (o primeiro sendo a citada autonomia) e que acaba de ter sido objeto de uma penosa, importante, por�m insuficiente, reforma.
No mais, h� o crescimento relevante dos gastos financiados com vincula��es de receitas, expl�citas ou impl�citas, como em sa�de e educa��o, na Uni�o, mais seguran�a, nos estados, cuja contra��o � obviamente motivo de intensa guerra pol�tica quando se tenta materializ�-la.
Para fechar, vem o achatamento dos investimentos em infraestrutura, principal subproduto do teto. Como fazer mais disso quando j� foram praticamente zerados? Algu�m sabia que sem investir o pa�s n�o voltar� a crescer? Assim, o �ltimo grande dano dessa sucess�o de pol�ticas erradas, que muitos se recusam a enxergar, � a tend�ncia � zeragem do investimento e do crescimento do PIB que decorrem disso tanto via setor p�blico, como no privado, que a �rea p�blica trata como se fosse inimigo e n�o como parceiro indispens�vel. A sa�da � criar fundos de pens�o com um aporte parrudo de ativos no p�blico e adotar a solu��o peruana de o setor privado trocar impostos por obras, conforme tenho enfatizado, que viabiliza investimentos sem violar o teto. E, no final, jogar fora o vi�s ante privado.
Vejo o pa�s diante de um impasse com pontos em comum com o que se formou �s v�speras do Plano Real, mais uma vez relacionado com a quest�o fiscal. L� atr�s, era a hiperinfla��o que campeava e h� muito havia a press�o sempre verbalizada pelos porta-vozes dos mercados financeiros, que diziam: “se os pol�ticos n�o aprovarem rapidamente algum ajuste fiscal cavalar, a hiperinfla��o explodir� o pa�s com ou sem congelamento...” O impasse residia obviamente na resist�ncia pol�tica a fazer o ajuste fiscal, que imporia perdas expressivas em um momento t�o delicado como aquele, em que as classes menos favorecidas eram as mais atingidas.
Tinha sa�do do governo h� pouco tempo, e sendo procurado � �poca por um senador da base governamental, hoje falecido, ouvi a seguinte pergunta: “Segundo o ministro da Fazenda, a equipe econ�mica que est� a� disse que n�o far� outro plano de combate � infla��o sem um forte sinal de mudan�a na �rea fiscal. D� para voc� sugerir algo?”. Era o mesmo tipo de press�o vociferada pelos representantes dos mercados financeiros que chegava ao ambiente pol�tico.
Quanto ao impasse, ele residia obviamente na resist�ncia pol�tica ao ajuste, especialmente em um momento t�o delicado como aquele, em que a hiperinfla��o campeava e as classes menos favorecidas eram as mais atingidas. Hoje, o impasse se manifesta na dificuldade de fazer a transi��o para uma fase de estabiliza��o e eventual queda da raz�o d�vida p�blica/PIB.
