
Podemos dizer que a l�ngua anda. Produz filhotes, novidades, g�rias, outras palavras para dizer a mesma coisa, modismos. A l�ngua acompanha a vida, � reinventada pelas sucessivas gera��es, criatividade pr�pria ao ser falante e suas express�es. A l�ngua � viva. Ela nos permite construir la�os, uma vida social.
De repente, surge um jeito novo de falar que contagia, � disseminado e assumido, tornando-se comum. �s vezes, s�o �timas express�es e outras, nem tanto. Cada gera��o, sucessivamente, cria costumes e express�es que ficam antigas e caem em desuso.
Nas palavras de Haroldo de Campos, o povo � o inventa l�nguas na mal�cia da mestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso tanteando... o povo � o melhor art�fice do seu martelo galopado no crivo do imposs�vel no vivo do invi�vel...
Ler isto nos lembra a hist�ria de nossa gera��o em que us�vamos o termo bacana, significando joia e acompanhado do ded�o pra cima, que barato, massa. O mau gosto, barango, por fora. Gente era bicho. Depois, valeu. Pode crer.
O mundo mudou, o Brasil americanizou-se e hoje paquera � crush. Deu ruim, bugou; zoar, trolar; palavras que vieram dos internautas e j� s�o absorvidas pelo l�xico corrente.
As meninas quando est�o se sentindo bem dizem que est�o plenas. Esta palavra reflete bem nosso tempo e a busca da felicidade, da completude, malgrado ser a psican�lise avessa � �nsia humana de fazer um com o outro, com os objetos de consumo, evitando a qualquer custo saber sobre a verdade da divis�o. Nunca seremos plenos, somos meio-dizer, meias verdades. Oculta- se de n�s parte do nosso ser.
Na trag�dia de S�focles, o rei �dipo evitou, at� enquanto p�de, saber sua verdade: matou o pai e casou com a m�e. Pagou pelo erro de seu pai Laio, que quebrando as regras de hospitalidade na sua fam�lia adotiva raptou o irm�o. A consequ�ncia foi a maldi��o, lan�ada pelo pai adotivo, de que seria castigado e toda a sua descend�ncia. De fato, nem todos os desejos nos levam ao que � bom. Melhor ser� viver sem a bolsa do que morrer por ela.
Negar limites e a castra��o � tentar o melhor e encontrar o desastre, j� que eles s�o extremamente importantes, condi��o sine quae non para assegurar a normalidade, a conveni�ncia e a conviv�ncia. E, por �ltimo, todo aquele que desagrada, incomoda e frustra, � t�xico.
Somos uma sociedade intoxicada? Sim, intoxicados pelo dinheiro, consumismo, alimentos processados, derivados do petr�leo, narcisismo, culto ao corpo e outros excessos. Tornamos nosso mundo irrespir�vel, pand�mico. O ar que respiramos � contagioso. A esp�cie humana em sua �nsia dominadora e predat�ria, com seu desejo de desafiar os limites, construiu a civiliza��o para prote��o m�tua, mas n�o soube administrar seu feito e perdeu o rumo, desandou.
T�xico, no dicion�rio, quer dizer o que faz mal ao organismo, o que envenena. E como dizia, a l�ngua viva se apropriou do termo adjetivando-o: pessoas s�o t�xicas. Ser�? A sociedade t�xica, envenenada por desmedidas. O homem predador desnaturado, sem instinto, o que faz dele um errante. Os animais, instintivos, vivem na natureza sem devast�-la.
O homem n�o se contenta com o poss�vel, o necess�rio. Ele quer tudo, muito e mais ainda. Acumula dinheiro com a mis�ria do outro, se droga para suportar e fugir da ang�stia existencial, inerente � finitude da vida, se esquece da comunidade global. Da Terra m�e. Por isso, caiu na linguagem corrente atribuir o termo toxidade a tudo que n�o � bom. N�o sei se cabe tratar as pessoas individualmente como t�xicas. Mas elas podem ser perversas, invejosas e, por que n�o, venenosas? Envenenam a si e a n�s com palavras. Diz o poeta: “A l�ngua � o a�oite do ar”.