Uma mulher � frente de seu tempo. Mais que isso: quebrou barreiras e derrubou preconceitos como poucas. Pensem o que era ser mulher, preta, algumas d�cadas atr�s e conquistar um lugar de destaque na m�dia! Desbravadora, corajosa, com garra, alcan�ou altos patamares e grande respeitabilidade. � considerada um dos maiores s�mbolos do jornalismo brasileiro, a primeira rep�rter a realizar mat�rias ao vivo e em cores na televis�o brasileira. N�o � pouco.
Quando falo que ela quebrou preconceitos n�o me refiro apenas � cor de sua pele. Sim, teve, sem d�vida, de encarar o racismo e o fez bravamente. Barrada no Jockey Clube do Rio por causa da cor, no dia seguinte voltou com o namorado poderoso, marcando seu territ�rio e j� avisando que n�o estava para brincadeira.
Conquistou seu territ�rio nas TVs do Brasil no cora��o dos brasileiros e brasileiras. Inovou o telejornalismo, profiss�o que amava, construindo uma hist�ria singular.
Quem n�o conhece Gl�ria Maria? Particularmente eram boas as viagens da rep�rter. Aventuras muitas vezes arriscadas e perigosas, pulou de noite na �gua gelada, andou quil�metros relatando e arfando pelo esfor�o para chegar l�, onde chegou, no topo.
Acompanhamos inumer�veis momentos de sua vida profissional. No “Fant�stico”, elegante, bela e vaidosa. Para ela o tempo n�o passava: sempre com uma carinha simp�tica e marota, intelig�ncia no olhar e um sorriso que enfeitava o recado.
Mas interessa aqui tecer um coment�rio, n�o sobre sua vida e seus muitos amores, dentre eles duas filhas adotadas; mas sobre o desejo. Quem sabe seguir seu desejo vai mais longe. N�o estou falando de fazer o que quer, o que d� vontade. Falo de um desejo, coisa maior. Rumo tra�ado.
Sempre ressaltamos que, para a psican�lise, a quest�o do desejo � central. � a cura, digamos. Uma vez que o sujeito sabe pelo menos alguma coisa sobre seu desejo – porque, sendo este inconsciente, n�o se pode saber dele todo –, tem seu norte bem delineado no horizonte e para l� caminha sem vacilo, passo firme.
N�o que a vida seja sem problemas, isto n�o se pode admitir ou conceber. Seria aliena��o pura. Mas quem sabe sobre seu desejo vai com a certeza do que faz e isto � motivo de contentamento. A vida toma outro sentido e sabor quando as pessoas t�m a coragem necess�ria para realizar desejos.
Um amigo tem esta capacidade enorme de fazer as coisas que deseja. E sempre lhe repito, na brincadeira, claro: Quando eu crescer quero ficar igual a voc�. Uma brincadeira s�ria. E as pessoas que se levam a s�rio precisam superar inibi��es para chegar onde precisam.
E, al�m disso, a covardia moral diante do desejo se traduz pela palavra temida e indesejada que a representa: depress�o. A depress�o n�o � sen�o o que acomete as pessoas que n�o t�m coragem de bancar seu desejo, acreditando que podem abrir m�o dele e releg�-lo ao �ltimo plano, sem consequ�ncias. Abrir m�o do desejo pelo outro, ou por qualquer motivo, � assinar acordo com a tristeza.
A vida sem desejo n�o tem sentido. E, por outro lado, a vida com desejo traz brilho no olhar, calor no cora��o e alegria de viver. Ent�o por este motivo acredito que Gl�ria partiu, se n�o feliz, bastante realizada, pois sua vida foi bela e um exemplo para muitos.
Ent�o, como n�o render nossas homenagens a esta mulher porreta que ela era? Por isto o que me vem na sua despedida � um Gl�ria, adeus! Deixar� saudades nos que a admiraram e invejas naqueles que n�o puderam fazer como ela.