
Assistimos ao julgamento da inelegibilidade do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e muitas declara��es foram publicadas nas diversas m�dias. Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deram seus pareceres e votos justificando os motivos pelos quais chegaram ao resultado da inelegibilidade do ex-presidente. Decis�o fundamentada na reforma constitucional sobre a quest�o eleitoral, quando sancionada a Lei da Ficha Limpa.
O acesso ao fundamento jur�dico da decis�o tomada e todo o julgamento est�o dispon�veis, e qualquer cidad�o pode acompanh�-lo na �ntegra pelo YouTube, caso se interesse em saber sobre o voto de cada um dos ministros.
Acompanhei o voto da ministra C�rmem L�cia e uma cita��o dela me chamou a aten��o. Segundo ela, sua decis�o foi pautada no Artigo 22, Incisos 14 e 16, da Lei Complementar de 64, com as altera��es realizadas pela Lei da Ficha Limpa e, desde ent�o, � um dever a ser cumprido.
A mat�ria julgada investiga o abuso de poder no exerc�cio da fun��o p�blica. N�o entrarei em detalhes, posto que h� informa��es dispon�veis. Vou me ater apenas a uma cita��o da ministra que ressoou nos meus ouvidos porque lidamos com a mat�ria na psican�lise e � isso que nos interessa.
Al�m dos ataques ao Judici�rio, sem o qual n�o h� democracia, a ministra aponta a propaganda eleitoral il�cita e cita o jurista Carnelutti no que ele chama de “consci�ncia de perverter”, que se aplica a abuso de poder num processo civil, mas que serve � mat�ria ali questionada: “A consci�ncia de saber que n�o tem raz�o e ainda assim expor como se tivesse, sabendo que n�o a tem”. Assim, se perverte a confiabilidade no processo judicial e tamb�m no processo democr�tico e pol�tico.
Esta consci�ncia de perverter divulgada nos canais oficiais indevidamente, segundo a ministra, solapa e desqualifica a confiabilidade no sistema eleitoral brasileiro, cuja gravidade foi demonstrada.
Esta cita��o de Carnelutti nos interessa n�o apenas no que diz respeito a esse processo exatamente, mas por nos alertar que este tipo de consci�ncia de perverter tem uso muito mais abrangente e corriqueiro do que supomos, por�m, � banalizado. Embora grav�ssimo, faz-se uso desta denega��o sem saber que a faz.
Jacques Lacan trabalhava com o discurso e o inconsciente considerando-o estruturado como uma linguagem. Uma linguagem nem sempre linear ou claramente racionaliz�vel, podendo ser enigm�tica. Falamos por alus�es, met�foras, atrav�s de sonhos em imagens de significado condensado e deslocado a ser interpretado.
Dizia que algo se encobre no advento da fala, pela interposi��o do imagin�rio e pela exist�ncia do inconsciente de quem fala: o que se diga, fica escondido por traz do que se diz, no que se ouve.
Conhecendo o funcionamento do psiquismo humano, podemos perceber que existem aqueles que negam, aqueles que denegam e os que desconhecem. Os que negam se defendem de uma verdade intoler�vel e insuport�vel. Os que desconhecem est�o fora da realidade. E os que denegam s�o os que, mesmo sabendo que est�o fora da lei, que seu comportamento � antissocial, assim mesmo o realizam sabendo. A esses chamamos perversos, n�o no sentido de maldade, mas no sentido c�nico do termo.
Digo: sentido de perverter verdades estabelecidas, extrapolando os limites do pudor aos quais n�s, que nos mantemos dentro dos limites necess�rios ao coletivo, nos detemos. Mas n�o podemos esquecer que, nos �ltimos anos no Brasil, a extrema-direita – recha�ada e ou reprimida na p�s-ditadura – ganhou for�a e ressurgiu admitindo valores que julg�vamos superados e que se chocam com o sistema democr�tico.
Diferen�as existem e nunca ser�o extintas, por�m a desobedi�ncia � lei pode ser um grande retrocesso para a sociedade, pois � ela que garante que o mais forte n�o usar� meios il�citos contra o mais fraco. Caso concord�ssemos com isso, admitir�amos que todos os meios se justificariam para se atingir os fins. E como h� quem aprecie tais m�todos, nem todos ficaram felizes com a aplica��o da lei.