Vou mexer em vespeiro; e isso poder� me custar caras e antigas amizades

H� duas formas de lidar com a estupidez humana: combatendo-a ou ignorando-a. E h� tamb�m duas formas de viver: protagonista ou espectador. Optei pelas primeiras op��es e n�o me arrependo, ainda que d� um trabalho danado e me cause alguma tristeza �s vezes.

H� grandes e queridos amigos que s�o pais e m�es de crian�as especiais; pais e m�es de gays e l�sbicas; pais e m�es de pardos e negros; pais e m�es de judeus e mu�ulmanos; pais e m�es de gordinhos, vesgos, baixinhos, dentu�os, enfim, pais e m�es de… filhos! 

S�o pessoas que ‘fogem’ - e n�o porque querem ou porque escolheram, mas porque simplesmente nasceram ou s�o assim - aos padr�es ditos ‘normais’ de apar�ncia f�sica e, digamos, de comportamento social. E muitas j� sofrem bastante apenas por isso.

� simplesmente inaceit�vel, a meu ver ao menos - e para minha profunda decep��o -, o comportamento de alguns destes pais e m�es em rela��o ao caso de  homofobia expl�cita protagonizado pelo ex-jogador de v�lei do Minas T�nis Clube, Maur�cio Souza. 

Ali�s, o atleta homof�bico � apenas a ponta de um iceberg de obscurantismo, intoler�ncia e profunda ignor�ncia - sem falar, � claro, em preconceito e discrimina��o - que emergiu ap�s a ascens�o de alguns l�deres pol�ticos ultra-radicais de extrema direita.

A treta agora � com o filho do Superman, uma personagem de fic��o, vejam s�! A canalha � t�o ordinariamente preconceituosa que n�o tolera nem diversidade imagin�ria. Para essa gente cretina, gay � um bicho que tem de viver mudo e, de prefer�ncia, escondido.

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� claro que nenhum deles tem este ‘problema’ em casa ou na fam�lia. Como t�m muita sorte, seus problemas s�o mais aceit�veis, mais palat�veis, como filhos malandros, assediadores, violentos, delinquentes, irrespons�veis, etc. Pecadilhos que n�o s�o t�o ‘perigosos’.

Sim, porque gays e l�sbicas representam um enorme perigo �s suas inocentes crian�as, que ir�o se tornar homossexuais porque ver�o beijos e abra�os entre pessoas do mesmo sexo. Na boa, essa gente tem um conflito sexual muito mal resolvido. Haja Freud!!

Nos lares perfeitos dos perfeitos n�o entram diferen�as e diferentes. N�o entram ‘pecadores’ e ‘corruptores de menores’, ainda que muitos sejam corruptos e n�o passem um �nico dia sem cometer ‘pecados’. Ali�s, se Deus est� por eles, quem estar� contra eles, n�o � mesmo?

Uma coisa � o tal ‘preconceito estrutural’, adquirido nos tempos bizarros dos nossos pais e av�s. Tempos em que a mulher n�o trabalhava nem votava, por exemplo. Ou que casar virgem era simplesmente pr�-condi��o (do contr�rio, a ‘meretriz’ ficaria para titia).

Eu mesmo, ali�s, me pego, quando com muita raiva de algu�m, pensando coisas absolutamente asquerosas, como: macaco, aleijado, bicha nojenta, etc. Mas uma coisa � eu pensar, me auto censurar pela estupidez e jamais verbalizar tais pensamentos.

Outra, bem diferente, � fazer absoluta quest�o de externar essas merdas todas e ainda me orgulhar disso, como muitos, infelizmente, andam fazendo por a�, em nome de uma suposta liberdade de opini�o e de express�o, e em nome de direitos individuais. Ou de Cristo!

Sou judeu, e durante minha inf�ncia tive de conviver com preconceitos e idiotices do tipo: ‘ele matou Jesus. Ele n�o toma banho no s�bado. Ele esconde dinheiro sob o travesseiro. Ele n�o acredita em Deus’. Posso lhes garantir: isso n�o � nada bom para uma crian�a.

Adultos sabem se defender, mas crian�as, n�o. S�o v�timas ocultas dessa batalha campal medieval que os defensores do ‘impoliticamente’ correto disputam contra a parcela da sociedade que insiste em manter - e se manter! - o pacto social, e viver de forma civilizada.

Crian�as e adolescentes crescem com problemas muito s�rios por causa disso, como baixa autoestima, inseguran�a, fobias e toda sorte de perturba��es emocionais e ps�quicas, quando n�o t�o raro assim, no limite do desespero extremo, n�o se matam.

H� cretinos que se dizem chocados com o aumento de casos de suic�dio de quem ‘ficou em casa’ na pandemia, mas jamais se preocuparam com o  suic�dio diuturno, e n�o ocasional, de quem � discriminado e escorra�ado todos os dias, muitas vezes dentro do pr�prio lar.

Sim; repito: dentro do pr�prio lar! Ou n�o foi um not�rio ‘pai’ (Jair Bolsonaro), que disse que  prefere ver o filho morto em um acidente de carro a v�-lo por a� com um bigodudo? Ali�s, filho ‘rachador’ t� valendo, n�? Feio � filho ‘viado’. FIlha ‘sapat�o’. Tem de ser muito escroto, viu? 

Particularmente, n�o dou muita bola � religi�o. N�o aceito esse papo de ‘pagar depois que morre’. Tamb�m cago e ando para rinhas ideol�gicas e o escambau. Minha preocupa��o � outra. � terrena, real. Preocupo-me com pessoas que n�o t�m outra op��o a ser quem s�o.

Essas pessoas: homossexuais, pretos, judeus, pobres, deficientes, aid�ticos, seja l� qual for a minoria a que pertencem, sofrem duas vezes: pelo que s�o e pelo que dizem e fazem com elas. Hitler matou milh�es apenas porque eram diferentes do padr�o que ele gostava de ver.

Voc� pode - e tem todo o direito - de n�o querer ver beijo gay. Pode - e tem todo o direito - de n�o gostar de preto e de judeu. Pode - e tem todo o direito - de n�o conviver com pobres e deficientes. Mas n�o pode nem tem o direito de ofend�-los, agredi-los ou discrimin�-los.

Liberdade de express�o n�o � liberdade para ofender ou diminuir algu�m, ou um grupo, por caracter�sticas f�sicas, sociais e comportamentais. Muito menos para pregar o �dio e o preconceito contra. Isso tem nome: crime! E, como tal, deve ser enfrentado e combatido.  

N�o sei como esses cretinos e cretinas, que aplaudem e apoiam homof�bicos, racistas, nazistas, higienistas, intolerantes e covardes de qualquer esp�cie, conseguem se olhar no espelho, olhar nos olhos dos pais e dos filhos, e n�o se sentirem um lixo, que � o que s�o. 

Talvez eu perca queridos e velhos amigos por causa do que estou escrevendo. At� porque foi o comportamento abjeto de alguns, nas redes sociais, que me motivou a isso. E talvez n�o. Mas se perder, melhor assim, j� que � fato n�o pertencermos mais � mesma tribo.

Tenho uma filha de 15 anos. Sua sexualidade est� em constru��o e ter� o destino que tiver de ter. N�o ser�o os beijos do Superman-pai na mulher-maravilha, ou os do Superman-filho no namorado, que far�o dela uma hetero ou uma homossexual.

E assim como sua sexualidade, seu car�ter tamb�m est� em constru��o. Nisso eu posso - e devo! - interferir (diferente de intervir). E ser� ensinando a ela os princ�pios b�sicos da civiliza��o. Ali�s, me admira tantos ‘crist�os’ agirem de encontro � sua aclamada religi�o. 

N�o sei se minha filha viver� em um mundo melhor. Mas n�o me furtarei ao bom combate para isso. Se vai adiantar, s� os anos vindouros dir�o. Mas ela ter� a certeza de que, se n�o adiantou, ao menos seu pai tentou. E muito! Para mim, j� � um alento e tanto. Fui.