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Estado de Minas OPINI�O SEM MEDO

Bolsonarismo de um lado, negritude pobre de outro e um chor�o no meio

A chamada elite brasileira, em sua ampla maioria, n�o passa de um ajuntamento brega, inculto e insens�vel


03/05/2022 09:06 - atualizado 03/05/2022 09:44

bairro pobre e bairro rico divididos por abismo


Se h� algo frequente, que sempre observo nas manifesta��es bolsonaristas, muito mais do que as camisas da sele��o brasileira de futebol e a costumeira viol�ncia contra a imprensa, � a total aus�ncia do ‘Brasil real’. Sim, reparem: s� h� brancos, de meia-idade ou superior, bem-vestidos, �culos escuros e cabeleiras loiras (mal-tingidas) por todos os lados, barrigas e rugas vistosas, e uma profunda mistura de ignor�ncia, breguice e �ndole fascist�ide.

Neste �ltimo domingo, dia primeiro de maio, sa� para almo�ar, sem me dar conta de que era Dia do Trabalho - ou do Trabalhador. Curiosamente, me deparei com dezenas de senhores e senhoras trajando a ‘amarelinha’ e pensei: tem jogo do Brasil hoje? Mas logo me lembrei de que haveria manifesta��o em defesa do criminoso Daniel Silveira, o futuro ex-deputado bolsonarista, que deseja o fim da democracia, em nome da… democracia!

- Leia:  Na liberdade de express�o bolsonarista, beijo gay n�o pode, AI-5, tudo bem

Ap�s a comilan�a, minha esposa quis tomar sorvete, e l� fomos a uma badalada sorveteria do bairro mais nobre - Ops!, perd�o, nobreza � outra coisa -, digo, mais caro de BH. Pois bem, havia gente saindo pelo ladr�o, e enquanto ela esperava na fila, sentei-me em um banquinho no fundo da loja, de onde era poss�vel assistir �quele intermin�vel e ruidoso ‘vai e vem’, torcendo para aquele inferno terminar o quanto antes.

De repente, eis que surge � minha frente uma funcion�ria da sorveteria. Negra, meia-idade, com um uniforme completo (inclusive touca de cabelo) e m�scara, em meio a toda aquela branquitude rica, barulhenta, verde-amarela e, claro!, sem m�scara, que emporcalhava as mesas e o ch�o que a mo�a limpava. Na boa, era a representa��o moderna, ‘ipsis litteris', dos tempos de Casa Grande e Senzala.

Seguinte: t� cagando e andando para r�tulos pol�ticos! Esquerda, direita, centro… acho tudo uma besteira sem fim. Minhas quest�es filos�ficas e sentimentais s�o sempre movidas por minha extrema sensibilidade - talvez compaix�o - �s quest�es humanit�rias. N�o d� para n�o sofrer, mesmo que resignado perante nossa conhecida desigualdade social e ciente de que o mundo � mesmo cruel, diante de uma cena daquelas.

De um lado, um monte de brancos ricos, preocupados com Daniel Silveira. De outro, uma poss�vel m�e (preta e pobre) que jamais poder� levar seu filho para tomar sorvete naquele lugar - afinal, uma casquinha custa R$ 25, equivalente a 2% do sal�rio m�nimo - trabalhando em um domingo, em vez de estar, como quase todos ali, desfrutando o dia com sua fam�lia. Aten��o: ningu�m precisa me ensinar como a banda toca, ok?

Os mais ligeiros ir�o dizer: ‘ora, Ricardo, � assim no mundo todo, inclusive pa�ses ricos’. Bem, nos pa�ses ricos - e nem t�o ricos assim; apenas mais desenvolvidos que a pocilga do Brasil - essa mesma mo�a poder�, eventualmente, no domingo em que n�o for trabalhar, levar o filho a uma boa sorveteria, sim, pois al�m do maior poder de compra, ter� a seu lado uma sociedade muito menos preconceituosa.

Morei por seis meses em Nova York no ano passado, e ningu�m pode me dizer que a Big Apple � Oslo ou Estocolmo. Ao contr�rio. Est� muito mais para S�o Paulo e muito menos para Helsinque. Por l�, negros e brancos, pobres e ricos, americanos e imigrantes dividem os mesmos espa�os, sem que um ou outro fa�a caras e bocas pela presen�a de quem aparenta ser financeiramente inferior. Por l�, dinheiro n�o tem cor, sexo ou religi�o.

N�o me canso de dizer como o ‘grosso’ de nossa elite � porco! Sim, s�o nossas elites econ�micas, pol�ticas, culturais, empresariais, enfim, os brancos ricos, poderosos, com conhecimento suficiente para compreender nossos problemas e dinheiro suficiente para minor�-los, os maiores - talvez �nicos - respons�veis por sermos este po�o de mis�ria, desigualdade, viol�ncia e preconceito social que somos. Com ou sem camisa da sele��o.

A cena da sorveteria � a express�o da nossa pobreza moral, intelectual e �tica. At� hoje n�o sei se chorei de dor ou de raiva. Ser chor�o n�o me torna melhor do que ningu�m, � claro, mas seguramente me faz um pouco, um tiquinho que seja, mais humano que aquela gente verde e amarela risonha, mais atenta a um ministro do STF (branco, rico e poderoso, que n�o produz nada) do que � gentil mo�a (preta, pobre e trabalhadora) que limpa as suas mesas porcas. E isso, meus caros e minhas caras, porque era Primeiro de Maio, hein! 

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