Winston Churchill, com a sua insuper�vel precis�o no uso das palavras, disse certa vez que a democracia � o pior regime de governo, � exce��o de todos os demais que existem ou j� existiram. Isso foi em 1947, logo ap�s o fim da Segunda Guerra Mundial, quando ele foi decisivo na luta que custou milh�es de vidas para salvar o destino da liberdade humana contra o nazismo e o fascismo.
Gra�as �s derrotas dos regimes totalit�rios na Europa Ocidental, a pr�pria ditadura que ainda vigorava no Brasil foi derrubada e minha gera��o cresceu e se tornou adulta num ambiente democr�tico, imaginando que a democracia nunca mais seria vencida, pois homens uma vez livres nunca mais aceitariam viver sem liberdade.
Embora a democracia fosse ent�o um experimento recente na longa hist�ria humana e mesmo sabendo que quase metade do mundo ainda vivia sob o jugo da ditadura sovi�tica, sonh�vamos que em pouco tempo a democracia seria o regime de toda a humanidade e para sempre. De fato, embora n�o t�o depressa como imaginamos, os regimes socialistas na R�ssia e na Europa Oriental acabaram desabando por si mesmos, sem a necessidade de um �nico tiro. Mesmo entre n�s a democracia foi interrompida em 1964, sob falsos pretextos, mas terminou 20 anos depois do mesmo modo, sem luta ou resist�ncia, ruindo sob o peso das promessas que n�o cumpriu e dos sofrimentos que causou.
A democracia foi ferida muitas vezes e em muitos lugares com o apoio das pr�prias popula��es, movidas pela ilus�o de que, com o fechamento do Parlamento e dos tribunais, o l�der � capaz de resolver sem embara�os e com mais urg�ncia os problemas do povo. Os ritos da elabora��o democr�tica das leis e do Estado de direito podem parecer exasperantes para quem tem pressa de ver prevalecer sua vis�o particular do mundo ou seus interesses, e de castigar as pessoas sem julgamento. Mas sem eles, a maioria da popula��o n�o tem como defender-se da injusti�a ou da for�a.
Um not�vel pol�tico conservador ingl�s do s�culo 19, Lord Acton enunciou uma verdade definitiva: todo o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Todo homem, ou grupo de homens, quando exerce o poder sem as limita��es do Poder Legislativo e sem o controle do Poder Judici�rio, fatalmente abusa do seu poder e o exerce em seu benef�cio ou de seu grupo. Esta � uma verdade que atravessa a vida da humanidade atrav�s dos s�culos e dos mil�nios e viver� para sempre.
Tudo isto vem � mente em raz�o das manifesta��es de 7 de setembro em Bras�lia e em S�o Paulo. Manifesta��es fazem parte da vida nas democracias, mas desta vez ocorreu algo que n�o fazia parte de nosso repert�rio pol�tico e tem a ver com os prop�sitos e as inten��es dos manifestantes. Aquelas multid�es estavam reunidas com a esperan�a de que a democracia brasileira morresse at� o fim daquele dia. Tr�s exemplos bastam para confirmar esta suposi��o.
Mensagens trocadas, no fim da tarde, em um grupo de WhatsApp que reunia mais de uma centena de grandes propriet�rios rurais, presentes �s manifesta��es, expressaram a frustra��o e amargura de quase todos, porque o movimento n�o tivera efeito pr�tico, o Supremo e o Senado n�o foram invadidos e tudo continuaria na mesma. Eles esperavam a��o, n�o apenas palavras.
Um competente advogado de S�o Paulo, frequente em grandes julgamentos no Supremo, foi � manifesta��o na Avenida Paulista, vestido com as cores da bandeira, e � noite, em v�rias mensagens revelou sua alegria pelo fato de que o presidente havia conseguido unir o povo contra o Supremo e seus ministros. Para ele as coisas nunca mais seriam as mesmas.
Finalmente, um amigo, comerciante no interior de Minas, lamentou-se desapontado com o recuo do presidente: o homem n�o firmou! N�o sei o que ser� agora!
A grande maioria do Brasil ficou em casa, mas alguns milhares foram �s ruas pedindo para o Brasil ser governado pelo poder absoluto. Deveriam saber que a democracia � o �nico regime que garante a liberdade e mais triste do que perder a liberdade � perder a vontade de ser livre.