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Estado de Minas OPINI�O

De costas para a realidade

"Na televis�o, a pol�tica � cada vez mais uma das muitas formas de entretenimento"


28/08/2023 04:00 - atualizado 28/08/2023 07:17
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Vista do prédio do Congresso em Brasília em 14 de abril de 2020
"Nas televis�es, uma parte do tempo se gasta em fr�volos debates sobre mudan�as ministeriais" (foto: Sergio Lima/AFP)
Um dos poetas mais celebrados do s�culo 20, T. S. Eliot, disse num verso que “o g�nero humano n�o suporta tanta realidade”. Ele escreveu isto em 1943, numa Europa que estava sendo devastada pela guerra, ainda sem esperan�a de vencer. Suas palavras descrevem perfeitamente as disposi��es do homem de hoje, especialmente na chamada cultura ocidental, a nossa cultura, queiramos ou n�o.

Eu relembro esses versos para melhor entender um aspecto para mim intrigante do debate pol�tico que se observa neste momento no Brasil, tal como mediado pelos meios de comunica��o, em especial a televis�o. Nesses tempos de vida menos presencial, quem se sente menos � vontade com as esquisitices das redes sociais acaba recorrendo com mais frequ�ncia aos canais informativos de televis�o, para tomar conhecimento da vida p�blica e dos movimentos da pol�tica.

Infelizmente, por mais tempo que dedicamos a este mister, menos conhecemos do Brasil real e mais somos apresentados a um pa�s de fantasia. Na televis�o a pol�tica � cada vez mais uma das muitas formas de entretenimento.

Por mais otimistas que sejamos, � imposs�vel n�o reconhecer que o Brasil � um lugar muito problem�tico. H� mais de 40 anos somos um pa�s de crescimento baixo e muito irregular. Al�m disso, somos um dos pa�ses mais desiguais de todo o mundo e esta desigualdade n�o tem se atenuado com o passar do tempo.

As pol�ticas p�blicas compensat�rias t�m evitado cat�strofes humanit�rias, mas ter 140 milh�es de brasileiros, numa popula��o pouco acima de 200 milh�es, sobrevivendo exclusivamente de transfer�ncias de renda do governo, � um sinal contundente de que somos uma sociedade que fracassou.

Todo este tempo sem crescer trouxe grandes sequelas. Nossa infraestrutura est� sendo consumida pelo tempo e pelo uso e n�o h� investimentos para refaz�-la ou restaur�-la. A nossa ind�stria est� encolhendo. Os sistemas de sa�de e educa��o est�o sempre sub financiados e quase toda a popula��o depende deles. O transporte p�blico nas grandes cidades n�o � ruim, � uma maldade. As favelas est�o engolindo as cidades e faltam habita��o decente e saneamento.

Quem v� o notici�rio pol�tico, no entanto, n�o toma conhecimento de nada disto, o que nos faz lembrar de outros versos, agora de um poeta nosso, o Chico Buarque: “A dor da gente n�o sai no jornal”.

Nas televis�es, uma parte do tempo se gasta em fr�volos debates sobre mudan�as ministeriais, num governo que mal come�ou, pois apenas na semana passada foi aprovado o chamado arcabou�o fiscal, sem o qual o governo apenas funciona, mas n�o governa de fato. Num conjunto de 37 minist�rios especula-se sobre a cria��o de mais alguns.

H� novos ministros escolhidos, de cujos curr�culos pouco se sabe. Seus minist�rios ser�o escolhidos depois. Certamente s�o homens polivalentes. Em outra boa parte do tempo as televis�es cuidam das agruras do ex-presidente e seu entorno, por causa de j�ias, presentes e outras travessuras. � preciso manter acesos os antagonismos, pois � s� disto que � feita a pol�tica. Os problemas reais do pa�s podem ser deixados para depois, sempre haver� tempo para isto.

Enquanto isto, o presidente, enfadado desses problemas, ocupa o resto do tempo dos notici�rios com suas aventuras internacionais, preocupado que est� em jogar o peso geopol�tico do Brasil na cria��o de uma nova ordem internacional polic�ntrica, ao lado da China, da R�ssia, e agora tamb�m do Ir� e da Ar�bia Saudita, em contraposi��o ao poder colonialista dos pa�ses ocidentais.

Quer tentar tamb�m a cria��o de uma nova moeda de reserva internacional, para libertar o mundo da domina��o do d�lar. O mundo vive a feliz converg�ncia de um l�der sem problemas para resolver em seu pa�s e um mundo carente de solu��es redentoras. Tudo isto oferece �s televis�es um bom estoque de coisas prazerosas.

Enquanto os brasileiros estiverem distra�dos com esses enredos ficcionais, vamos viver em paz, embora sufocados sob o peso cada vez maior dos problemas que escolhemos ignorar. A grande d�vida � saber se na vida real, como nas fic��es de baixa qualidade, o final ser� tamb�m feliz.

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