
Na passagem para 2021, entrarei na Nova Era com a forte inten��o de cumprir o meu prop�sito de vida, minha meta dourada, meu Golden Goal. Diferentemente das promessas de ano novo, essa n�o ser� ignorada j� no segundo dia de janeiro. Nem adianta tentar esquecer o combinado. Desde que descobri o meu grande objetivo no �ltimo retiro espiritual do M�xico, venho recebendo discretos bilhetinhos do Cosmos.
Digo isso porque acabou de acontecer comigo agora, em tempo real, enquanto ditava cr�nica no gravador do celular. Quase sou atropelada por um casal de canarinhos, de cor amarelo-ouro, que me alertam sobre a meta dourada. Ao me desviar dos dois, levanto a cabe�a e dou de cara com um port�o, do outro lado da rua, pintado de amarelo bem vibrante. N�o � um tom comum de se ver na fachada de uma casa.
Ok, entendido o recado. Respiro fundo e sigo minha caminhada matinal pelo bairro, de m�scara, alternando entre os passeios menos cheios de gente. S� se descobre o caminho caminhando. O primeiro passo � se reconhecer como uma buscadora. Ter vontade de alcan�ar algo maior. Ent�o, vem o desafio de tra�ar a sua meta dourada, pedindo ajuda a uma tutora ou consultando o seu mestre interior. “O que voc� quer?”, � a pergunta recorrente nos consult�rios dos psicanalistas.
No meu caso, o ponto de partida � o desejo de ajudar as pessoas a descobrirem os seus reais desejos, aqueles que nenhum dinheiro pode comprar. Nesse momento, abro par�nteses para dar passagem a uma borboleta amarela e alaranjada, numa combina��o improv�vel na natureza. Interpreto como um aviso. Vamos unir nossa meta amarela � cor laranja da Nova Era, que dar� lugar � for�a do �tero, � flexibilidade, diplomacia e jogo de cintura das mulheres.
Sigo andando, distra�da. Ao atravessar a avenida, vejo uma pequena �rvore com tr�s hibiscos. A flor, que costuma ser cor-de-rosa, desta vez � amarela. Eu juro. Para que eu n�o tenha d�vidas em rela��o � meta dourada, o canteiro embaixo do p� de hibisco est� enfeitado com margaridas. Nem vou falar a cor, para que n�o pensem que estou inventando.
Nem s� da natureza v�m os sinais. Outro dia, ouvi o conselho da pediatra Filomena Camilo do Vale, a querida Dra. Fil�. Na entrevista ao canal do YouTube Ch� Com Leveza, a m�dica recomendou rezar o ter�o, conversar com Deus, pedir conselhos. “� preciso dobrar os joelhos, porque eles te levam onde os p�s n�o alcan�am“, ensina.
Sensibilizada, fiz o que a Fil� pediu. Respirei fundo e perguntei a Deus se eu estava no caminho certo, pedi para que ele me mostrasse a verdade. Naquela noite, eu estava dentro do hospital, acompanhando uma pessoa querida. Naquele mesmo momento, o m�dico entrou no quarto pedindo para conferir os exames de sa�de. A papelada havia sido guardada em uma pasta de pl�stico, dessas que se ganha em congressos, com propagandas. Na parte de baixo, meio escondida, havia a inscri��o: “Eu acredito. E voc�?”.
Parece m�gica. Talvez seja mesmo, mas os truques s� existem para quem acredita neles ou est� disposto a participar do espet�culo. Os exemplos s�o v�rios. Vou me lembrando de alguns deles enquanto fa�o o trajeto de volta, a p�. O mais significativo aconteceu durante a organiza��o radical da casa, logo no in�cio da pandemia. Ao destralhar o quarto da bagun�a, lotado de brinquedos que os meninos j� n�o usam, livros e cadernos da escola e at� uma poltrona de amamenta��o, abriu-se um espa�o para o home office.
Ao decorar o novo escrit�rio, escolhi uma estante amarela, que estava em promo��o devido � cor diferentona. Era a �ltima do estoque. Estava ali, reservada, me esperando chegar na loja. No improviso, surgia o meu Canto Amarelinho, antes mesmo de eu saber da exist�ncia da meta dourada. � curioso pensar que ela j� era presente, embora eu ainda n�o conseguisse visualizar o todo. Agora, minha mesa de trabalho est� decorada com post its do mesmo tom, com alertas diversos sobre a Golden Goal.
Ao remexer nas caixas da mem�ria, no alto dos arm�rios, localizei um texto que escrevi na �poca da Faculdade de Comunica��o Social, quase 30 anos atr�s. Vejam que incr�vel: “No meio de tantos carros, polui��o e gente sem tempo, havia um jornalista � procura de mat�ria. Foi quando ele descobriu a flor amarela. E escreveu sobre ela, perfume e cor. E veio gente de todo canto acreditar no encanto da flor que era bela. E ela virou canteiro, que virou planta��o, que virou ponta de esperan�a na confus�o da cidade. O mundo tornou-se menos cinza. E brotou alegria no cora��o das gentes sem tempo. A folha do jornal havia virado semente".
J� quase chegando, vejo que a �rvore da esquina tornou a florir. � uma pena que n�o d� para publicar as provas aqui na coluna. Na verdade, nem daria para fotografar os meus achados, pois o celular est� sendo usado como gravador. Aprendi a t�cnica com o saudoso Angelo Machado, autor de livros infantis e pe�as teatrais divertid�ssimas. Na �poca, levei meus meninos para conhecerem o autor das hist�rias de que eles gostavam, como O dilema do bicho-pau, al�m da sua famosa cole��o de lib�lulas.
Durante a excurs�o pela casa dele, na regi�o da Pampulha, o professor me contou sobre o seu processo de cria��o liter�ria. Andava pela casa com sua muleta e um gravador port�til onde anotava as ideias de textos, antes que elas fugissem da mem�ria. Com seu jeito engra�ado, ele confessou que as melhores ideias vinham quando estava tomando banho, relaxado na banheira. No c�modo seguinte, fomos apresentados a uma parte de sua famosa cole��o de lib�lulas e tamb�m ao esp�cime que serviu de inspira��o para o livro O borboleta At�ria. A autora, L�cia Machado de Almeida, era tia do professor Angelo Machado.
Gratid�o ao legado deixado pelo bi�logo e professor da UFMG, entre livros, lib�lulas e l�dicas pe�as de teatro, a exemplo da Como sobreviver a festas e recep��es com bufett escasso. Gra�as a ele, estou ditando essa cr�nica no meu celular, falando sozinha pelas ruas mais desertas do bairro. Sigo trope�ando em borboletas, hibiscos mutantes e outras setas amarelas, indicativas de uma nova trajet�ria da vida.
* Sandra Kiefer assina esta coluna quinzenalmente