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Estado de Minas DIVERSIDADE

Sororidade e a constru��o de uma rela��o de parceria e apoio entre mulheres

''Existem termos fundamentais que comp�em o vocabul�rio de determinados assuntos e, em certos momentos, passam a figurar com mais frequ�ncia nas conversas''


20/07/2021 09:23

''A construção de uma relação de parceria e apoio entre mulheres percorreu caminhos bem mais tortuosos, de lutas e muitas resistências''(foto: Freepik)
''A constru��o de uma rela��o de parceria e apoio entre mulheres percorreu caminhos bem mais tortuosos, de lutas e muitas resist�ncias'' (foto: Freepik)

Existem alguns termos fundamentais que comp�em o vocabul�rio de determinados assuntos e, em certos momentos, passam a figurar com mais frequ�ncia nas conversas. No caso do feminismo, s�o palavras tais como empoderamento, equidade, interseccionalidade e sororidade. Esta �ltima, sobre a qual vou me deter nesse texto, figura entre os conceitos de base do pensamento feminista, mas tamb�m um dos menos (bem) conhecidos, em suas leituras apressadas e, por vezes, equivocadas. 

A palavra sororidade – que tem uma pron�ncia e uma circula��o pouco usual na l�ngua portuguesa – tem sua origem no latim “s�ror”, que significa “irm�”. Seu correlato bem mais conhecido – ora, veja s� - � o termo fraternidade, que nasce do prefixo latino “frater”, e significa “irm�o”.

Dessa rela��o de cumplicidade e parceria entre homens – irm�os, brothers - conhecemos muito. Ela sempre foi constitutiva da nossa sociedade, festejada e incentivada. “Homens s�o mais confi�veis, sempre se apoiam”, essa n�o � uma frase incomum de ser ouvida. A constru��o de uma rela��o de parceria e apoio entre mulheres percorreu caminhos bem mais tortuosos, de lutas e muitas resist�ncias.

Em uma pesquisa r�pida na internet, acharemos algumas defini��es de sororidade, que podem ser agrupadas numa ideia de uma irmandade poss�vel entre mulheres; uma rela��o de uni�o, de amizade, de empatia, de respeito e de afeto entre mulheres. � a partir desse sentimento transformado em a��o que se formam redes e alian�as capazes de mover espa�os pol�ticos, culturais, cotidianos, pessoais, econ�micos, midi�ticos.

N�s bem sabemos como nosso processo de socializa��o sempre foi marcado pela inferioriza��o constante dos nossos feitos, pensamentos e exist�ncias. Uma das faces mais cru�is da sociedade patriarcal � a cria��o de mecanismos, por vezes muito bem camuflados na estrutura, que colocam as mulheres a competirem entre si. 

O mito da rivalidade feminina se ancora em modelos muito replicados de comportamento: nas telenovelas, a vil� que tenta roubar o mocinho da mocinha; nos filmes hollywoodianos, a assistente obstinada que tenta atrapalhar a vida de sua colega novata; na cria��o familiar, a prepara��o f�sica e emocional para a maior das batalhas, o bom casamento.

Eu poderia continuar desfiando aqui uma s�rie de lugares comuns da cultura pop, do mundo acad�mico, das rela��es afetivas, da ind�stria do casamento, mas creio que sabemos cada um deles de cor. Estamos sempre lutando contra n�s mesmas por vagas que parecem muito escassas.

O pensamento sexista � o que nos faz julgar, punir e odiar outras mulheres, j� nos diria bell hooks (presen�a ass�dua dessa coluna). Homens foram educados para se apoiarem, para se protegerem, para se acobertarem, inclusive. As mulheres foram ensinadas a fazerem justamente o caminho oposto.

A nossa educa��o sempre foi a do conflito com outras meninas, a da disputa violenta pelos melhores empregos, relacionamentos, filhos. Aprendemos desde muito cedo o �dio por n�s mesmas, pelos nossos corpos e pelos nossos desejos. 

Quebrar a nossa alian�a � um compromisso e um projeto da sociedade patriarcal. “Toda solidariedade pol�tica entre mulheres sempre enfraquece o sexismo e prepara o caminho para derrubar o patriarcado” (bell hooks). Por isso a sororidade � t�o amea�adora; ela aponta para um futuro poss�vel e para novas formas de nos relacionarmos, menos violentas e mais afetivas. 

Mas para que isso, de fato, ocorra tamb�m temos que entender melhor esse termo e para onde ele aponta, para que n�o peguemos o caminho f�cil de achar que para sacudir essa estrutura basta que gostemos muito umas das outras. Ou pior, que acreditemos numa for�a interna feminina, numa ess�ncia que nos ligaria de forma natural.

O risco de acreditarmos na sororidade como esse sentimento que emana da ideia de feminilidade, � nos descolarmos do sentido pol�tico e de resist�ncia que o termo carrega.

Quando a bell hooks nos fala de como o movimento feminista revestiu a sororidade de uma ideia de solidariedade pol�tica, ela est� nos dizendo que n�o existem sa�das individuais, e sim coletivas. A uni�o entre mulheres s� move a realidade a partir da percep��o dos sofrimentos de todas elas, atentando-nos aqui aos recortes de ra�a e classe.

“Enquanto mulheres usarem poder de classe e ra�a para dominar outras mulheres, a sororidade feminista n�o poder� existir por completo”, ela nos lembra. 

Uma ideia que aparece frequentemente � a de que a sororidade diz respeito a defender todo e qualquer posicionamento de toda e qualquer mulher, sejam eles quais forem. E, obviamente, isso n�o faz sentido algum. Eu n�o preciso concordar automaticamente com as opini�es de todas as mulheres ao meu redor; eu posso discordar de um posicionamento pol�tico de outra mulher; eu posso n�o gostar de um livro que uma autora escreveu.

N�o � sobre esse sentimento t�o facilmente capitaliz�vel do endosso esvaziado; � sobre criar uma alian�a resistente que nos devolva a confian�a em n�s mesmas, pavimentando caminhos mais seguros para uma caminhada coletiva. � sobre nos fortalecer enquanto grupo, apertar nossos la�os para que possamos romper com comportamentos que nos s�o impostos e pr�-determinados. 

Entender a sororidade como instrumento poderoso de transforma��o passa por abandonarmos posturas que h� muito se fizeram parte corrente do nosso cotidiano. A ideia de uma inveja de feminina que n�o permite que construamos rela��es t�o verdadeiras como pretensamente s�o as rela��es masculinas � um mecanismo bem sucedido de controle.

A cada vez que culpabilizamos uma mulher pelo ass�dio sofrido, que questionamos o maternar de outras mulheres, que eliminamos corpos gordos nos nossos ide�rios de beleza, que reiteramos os estere�tipos hiperssexualizados das mulheres negras, estamos contribuindo para preservar uma estrutura de mundo que nos despreza e nos violenta. 

A sororidade � uma arma poderosa, sem d�vida. Mas ela depende de um senso profundo de coletividade. E esse � um desafio imenso numa realidade em que as conquistas individuais criam uma ilus�o de liberdade e onde nos sobrepomos umas �s outras, reproduzindo os mecanismos de domina��o sob os quais vivemos.


*Silvia Michelle A. Bastos Barbosa (professora universit�ria nos cursos de Comunica��o, Artes e Educa��o)

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