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Estado de Minas DIVERSEM

O feminismo como forma de estar no mundo

''O feminismo s� ser�, de fato, revolucion�rio, quando se tornar um movimento de massa''


06/07/2021 04:00 - atualizado 05/07/2021 14:55

"Quem me guiou nessa caminhada da forma mais luminosa foi a bell hooks, escritora e te�rica feminista estadunidense" (foto: Reprodu��o)

Sempre que me apresento nos espa�os acad�micos e profissionais pelos quais circulo, uso a mesma defini��o: mulher, educadora e feminista. Essas tr�s palavras me representam, hoje, mais do que qualquer coisa. Mas elas n�o nasceram junto comigo; elas se constru�ram por meio das escolhas que pude fazer, das coisas que pude aprender, dos espa�os que ocupei e dos quais eu vim, das dores pelas quais passei, das d�vidas que me nortearam, dos livros que li e dos que deixei de ler. 

A constru��o de g�nero � uma constru��o social, mais uma dentre tantas. Sou uma mulher e performo meu papel com algum grau de conforto. Branca, heterossexual, classe m�dia, casada. Nada at� aqui balan�a as estruturas da realidade. Mas tem alguns estremecimentos que n�o tardam em chegar. Para mim, chegaram pela palavra. Pelos livros, mais precisamente. A Simone de Beauvoir (autora bastante citada quando falamos de feminismo) tem uma frase bem famosa, que � repetida � exaust�o: “ningu�m nasce mulher. Torna-se”.

� uma frase matreira, que fica ecoando na nossa cabe�a at� a gente entender. E ela nos ajuda a decifrar o in�cio desse par�grafo: quando digo que g�nero � uma constru��o social, estou dizendo que ser mulher � desempenhar um papel constru�do dentro da sociedade, cultural e historicamente localizado.

Eu me torno mulher, nesse tempo e nesse mundo, quando correspondo �s expectativas de comportamento, de apar�ncia, de sentimento que foram delimitadas – por uma estrutura de base patriarcal – para mim. � como se eu te dissesse que existe uma ess�ncia feminina que explica todas as caracter�sticas que nos s�o atribu�das: sensibilidade, cuidado, fragilidade, um qu� de histeria, gostar de rosa e de homens, fatalmente.  

Mas isso tudo n�o parece um pouco absurdo? N�o � desconfort�vel pensar que vivemos uma realidade que nos submete ao desempenho de determinados pap�is e comportamentos de maneira compuls�ria e, tantas vezes, violenta? 

O feminismo entrou na minha vida como forma de me ajudar a ligar todas essas pontas soltas. E quem me guiou nessa caminhada da forma mais luminosa foi a bell hooks, escritora e te�rica feminista estadunidense, que trago aqui para nos ajudar a entender um pouco mais do tema. 

Em seu livro “O feminismo � para todo mundo: pol�ticas arrebatadoras”, hooks nos conta das rea��es que provocava quando se apresentava como cr�tica cultural e feminista. A parte de ser uma cr�tica de cultura, que escrevia sobre filmes e programas de tv, sempre causava grande admira��o. Mas quando chegava na parte de ser feminista, a coisa mudava de figura. As pessoas j� davam de ombros, desdenhando e falando que era um assunto de “mulheres bravas que odiavam homens”.

''Entender do que estamos falando quando falamos de feminismo � fundamental para que possamos nos aliar �s pautas mais do que urgentes que se colocam em nosso tempo"



E � muito prov�vel que algu�m que esteja lendo essa coluna nesse momento, d� de ombros junto e pense coisa parecida. Mas seguindo os passos da bell, vou puxar minha cadeira e te chamar pra sentar um pouquinho mais aqui comigo, para eu te contar. 

O feminismo n�o � anti-homem, tampouco � um movimento puramente raivoso e de mulheres bravas – embora eu ache que ‘estar brava’ � um direito inalien�vel que temos. “O feminismo � um movimento para acabar com sexismo, explora��o sexista e opress�o” (bell hooks). O que isso quer dizer: nossa luta � contra um sistema que se sustenta numa l�gica de preconceito de g�nero, dentro da qual as mulheres s�o as mais afetadas. Mulheres e homens foram socializados, desde sempre, dentro dessa l�gica sexista. Mas os homens (enquanto grupo) se beneficiaram obviamente bem mais do controle e do poder que essa estrutura d�.

O que nos joga de novo l� naquela hist�ria dos pap�is de g�nero: o que � pr�prio do comportamento dos homens – ser forte, prover, nunca chorar – e o que � pr�prio das mulheres – cuidar, ouvir, servir. 

O feminismo luta pelo fim da explora��o sexista e, consequentemente, das violentas formas de opress�o associadas a ela. O desenho de uma inferioridade feminina causou e causa toda uma s�rie de viol�ncias hist�ricas e cotidianas. Ser feminista n�o � somente sobre a busca por liberdade e direitos, mas sobre a busca por uma sociedade mais justa para todo mundo. 

� fundamental entendermos que vivemos num sistema patriarcal (o machismo institucionalizado, tornado norma), capitalista e de supremacia branca. Isso nos afeta de uma maneira muito dura, nos atravessa, pauta nossas falas, orienta nossas escolhas, rouba nossos sentidos. O feminismo � uma forma de estar no mundo, de pensar sobre ele, de senti-lo. Mas, sobretudo, o feminismo � e deve ser uma forma de a��o. 

Isso significa dizer, por exemplo, da busca por melhores condi��es de trabalho e acesso a benef�cios como licen�a-maternidade ampliada, sal�rios iguais, seguran�a; da busca obstinada pela garantia dos direitos reprodutivos e escolhas sobre o pr�prio corpo; do compromisso fiel �s pautas anticapitalistas e antirracistas. 

N�o existe apenas um caminho para o feminismo, bell hooks j� dizia. Mas existem caminhos perigosos, que nos distanciam do que � inegoci�vel no movimento: ser feminista � um ato pol�tico, n�o � um estilo de vida. � um compromisso com a perman�ncia de uma escolha que precisa se renovar e se repensar todos os dias, seja nas mudan�as cotidianas, nos nossos espa�os dom�sticos, na maneira como conduzimos nossas rela��es afetivas; seja nas a��es mais amplas, de ocupa��o de cargos p�blicos em �mbitos decis�rios e da luta pela dissolu��o da estrutura capitalista e patriarcal que impede que todas as mulheres possam usufruir das conquistas que, individualmente, em algum momento possam ter nos libertado. 

Tento, aqui, atender ao apelo da bell hooks e cumprir o dever de casa que ela nos d�: espalhar, discutir, reverberar o livro e os temas que ela traz. O feminismo s� ser�, de fato, revolucion�rio, quando se tornar um movimento de massa. Um movimento pra todo mundo.

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