
"Aqui era um lugar sossegado, mas desde que os seguran�as da fazenda come�aram a entrar nas nossas comunidades e controlar nossos movimentos, n�o conseguimos mais dormir. Aqui, eles n�o respeitam ningu�m", diz Sabino Batista Gomes, olhando com preocupa��o a entrada da comunidade de Cacimbinha, a cada passagem de ve�culo.
O munic�pio de Formosa est� localizado na chamada regi�o do Matopiba, duas vezes maior que a Alemanha, abrangendo os estados do Maranh�o, Tocantins, Piau� e Bahia.
O Matopiba � quase totalmente parte do Cerrado e � a zona do pa�s onde a expans�o das atividades agr�colas, em particular as monoculturas de soja, algod�o e milho, principalmente transg�nicas, bem como a pecu�ria, recebe mais apoio.
Tradicionalmente encorajada pelas autoridades, pode se intensificar ainda mais sob o �mpeto do governo de Jair Bolsonaro, que apoia o lobby agr�cola.
Em cinco anos, a produ��o de cereais e oleaginosas nos quatro estados aumentou 79,7% e hoje representa 10,6% da safra nacional.

Planta��es a perder de vista
Mas este avan�o acontece ao custo do desmatamento maci�o e provoca cada vez mais conflitos com comunidades tradicionais que vivem do artesanato, da colheita de frutas, da planta��o da mandioca e de feij�o e cria��o de bois, que pastam livremente.
Em Formosa, a fazenda do Estrondo, inaugurada em 1978, inicialmente queria comprar as terras dessas fam�lias. Diante da recusa, trabalhadores rurais passaram a fazer medi��es usando GPS e come�aram a instalar cercas.
"Alguns dos nossos animais desapareceram, outros foram feridos. Temos que recuar cada vez mais para dentro do vale", explica Batista Gomes, mostrando as fal�sias que se elevam � dist�ncia.
No topo, n�o resta mais nada de vegeta��o nativa. As palmeiras, �rvores frut�feras e vegeta��o rasa deram lugar a planta��es que se estendem at� onde os olhos podem ver.
A fazenda se estende a opera oficialmente em 305.000 ha, uma superf�cie maior que Luxemburgo, mas de acordo com o Instituto Nacional de Coloniza��o e Reforma Agr�ria (Incra), Estrondo � o resultado "da apropria��o ilegal de 444.000 hectares" de terras.

Tentativas de intimida��o
Uma liminar de manuten��o de posse de 2017 garante a posse de 43.000 hectares �s comunidades tradicionais do vale. De acordo com essa decis�o, nenhuma interven��o pode ser feita em suas terras, sob pena de multa.
"Para a gente, era uma vit�ria, mas a fazenda n�o respeita a justi�a", lamenta Batista Gomes.
Estrondo considera essa �rea como sua "reserva legal", definida pelo C�digo Florestal Brasileiro como um lote de 20% da propriedade onde a vegeta��o nativa deve ser preservada, o que implica a sa�da dos habitantes rurais.
As comunidades denunciam a constru��o de guaritas cercadas de valas, onde os guardas controlam as identidades dos habitantes e impedem sua passagem � noite, bem como intimida��es, �s vezes violentas.
Em janeiro, um dos moradores, que queria recuperar seus bois, foi baleado no p�.
"Um juiz s�rio faria o controle da liminar, mas o juiz de Formosa ignorou e tentou reduzir a abrang�ncia da liminar para 9.000 ha, o que foi rejeitado pelo tribunal de justi�a da Bahia. Pode durar anos at� a senten�a final e por enquanto, a situa��o est� piorando", preocupa-se Mauricio Correia, da Associa��o dos Defensores dos Trabalhadores Rurais do Estado da Bahia, que acompanha as comunidades.
Procurados pela AFP, os advogados das empresas propriet�rias da fazenda Estrondo dizem que o Judici�rio n�o determinou a retirada das guaritas e que apesar da redu��o, segundo eles em vigor, do territ�rio pertencente �s comunidades, a explora��o n�o invade os 43.000 hectares solicitados pelas fam�lias, "para evitar, como prova de boa vontade, [...] tens�es in�teis at� a decis�o judicial final".
A outra preocupa��o dos habitantes diz respeito � diminui��o dos recursos h�dricos, o que seria, segundo um estudo do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos H�dricos (Inema), o resultado da derrubada das �rvores do Cerrado nos planaltos e a abertura de po�os para irriga��o das planta��es de Estrondo.
Entre 2007 e 2014, de acordo com um relat�rio do Greenpeace divulgado na ter�a-feira, quase dois ter�os da expans�o agr�cola no Matopiba foram �s custas da vegeta��o nativa. A �rea dedicada � soja triplicou entre 2000 e 2014, de 1 milh�o para 3,4 milh�es de hectares.
Para Martin Mayr, coordenador da ag�ncia 10envolvimento, uma associa��o que apoia essas fam�lias rurais, o tempo est� se esgotando: "Desde a sua chegada, as comunidades preservaram o Cerrado, do qual dependem para viver. Se forem expulsas daqui, a vegeta��o pode muito bem desaparecer".