
“O carnaval por ess�ncia � uma festa pag� e teoricamente propicia a sensa��o de vale-tudo, de inexist�ncia de limites, portanto, � pegar e usar. Para que exista uma tentativa de preven��o ao ass�dio � necess�rio que a mulher reaja frente a situa��es de constrangimento, seja no dia a dia ou no carnaval, quando a autocensura se extingue e o prazer se sobrep�e acima de qualquer coisa”, diz a psic�loga Sueli Castillo. Por isso, continua a especialista, a import�ncia de movimentos contra o ass�dio, a viol�ncia, o abuso em rela��o � mulher.
"O ass�dio sexual � origin�rio de uma sociedade machista, patriarcal, uma constru��o social em que as mulheres t�m seu corpo violado, abusado, culpabilizado e silenciado de uma maneira impune e quase normatizada"
Sueli Castillo, psic�loga
“Tamb�m a mulher precisa vencer o medo e a vergonha, denunciar e n�o se submeter em nome de nada a situa��es em que ser� a �nica prejudicada, tanto no aspecto psicol�gico quanto f�sico”, orienta. Sueli cita pesquisa realizada em 2018 que d� conta de que, no pa�s, uma em cada tr�s brasileiras adultas (29%) declara j� ter sofrido ass�dio sexual, sendo 25% ass�dio verbal, e 3% f�sico, al�m das que enfrentaram ambas as circunst�ncias. O ass�dio no trabalho tamb�m foi relatado por 15% das brasileiras, incluindo as formas de ass�dio f�sico (2%) e verbal (11%).
A psic�loga ensina que o perfil do abusador continua o mesmo ao transcorrer do tempo: machista, que desvaloriza a mulher, que a v� como um objeto de uso e descarte e que, quando em um relacionamento conjugal, tem que vigi�-la, prend�-la; afinal, faz parte do seu "patrim�nio". � ainda inseguro quanto a si mesmo, e culpa a mulher por lhe provocar suas taras sexuais. “O ass�dio sexual � origin�rio de uma sociedade machista, patriarcal, uma constru��o social em que as mulheres t�m seu corpo violado, abusado, culpabilizado e silenciado de uma maneira impune e quase normatizada.”
Diariamente, mulheres s�o obrigadas a lidar com intimida��es, olhares, coment�rios de car�ter obsceno, toques indesejados e importuna��es de teor sexual que s�o 'justificados ' e 'entendidos' pelo senso comum como elogios, brincadeiras ou caracter�sticas imut�veis da vida em sociedade. “� o famoso '� assim mesmo, menina'. Mas nada disso � normal e tampouco aceit�vel”, alerta Sueli. E � algo que acontece desde cedo. Ainda na inf�ncia, acrescenta a psic�loga, a sociedade imp�e aos indiv�duos atitudes machistas em rela��o �s mulheres, como se elas fossem objetos sexuais configurados para a satisfa��o do homem. Dessa maneira, a mulher fica sujeita a julgamentos e viol�ncia s� pelo fato de ser mulher.
“O constrangimento come�a desde o 'senta igual a mocinha' at� o 'voc� n�o pode usar essa roupa, � vulgar', 'depois � estuprada e n�o sabe por qu�'. O fato de usar uma vestimenta, qualquer que seja, n�o justifica ass�dio. O �nico culpado do ass�dio ou estupro � o assediador ou estuprador.”
Fica criada uma cultura do estupro em que o ato � naturalizado devido a problemas sociais sobre g�nero e sexualidade. “Mulheres n�o 't�m que se dar ao respeito', o respeito � delas por direito. A cultura do estupro est� intrinsecamente associada � maneira como os homens s�o educados em fam�lia e pela sociedade. Qualquer ato sexual sem o consentimento de ambas as partes � estupro e � crime. N�o existe justificativa e o estuprador tem que ser punido de acordo com a lei”, diz Sueli. De acordo com o F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica, a cada 11 minutos uma mulher � estuprada no Brasil, pontua a psic�loga.
Palavra de Especialista
Sueli Castillo, psic�loga
Ataque �s mulheres
"O ass�dio remete � origem do ser humano na Terra. O masculino, baseado em sua natureza de comando, de chefe, e de sua superioridade em for�a f�sica, sempre liderou os grupos. O macho alfa est� presente na hist�ria humana em qualquer sociedade ou cultura. Semanticamente, assediar deriva do latim obsidere, que significa p�r-se diante de, atacar. Na Antiguidade, prevalecia a superioridade masculina sobre a feminina. A mulher era simplificada � condi��o de objeto, e nem sempre de um objeto de qualidade e uso eficiente, mas apenas um subjugo atroz. A maioria era usada apenas para satisfazer as necessidades sexuais masculinas, desde as mais bizarras, assim como cumprir fun��es reprodutoras. Na Idade M�dia, a hipocrisia era a t�nica vigente nos relacionamentos. As pr�ticas sexuais rolavam soltas no meio dessa desordem vigiada em fam�lia. Mulheres eram subjugadas e estupradas nos por�es, celeiros e pomares. Outro fator chama muito a aten��o nessa �poca: o orgasmo n�o era considerado um prazer racional. Era considerado um furor, algo que poderia fazer as pessoas busc�-lo incessantemente com qualquer mulher que estivesse ao alcance.”
Tr�s perguntas para...
Priscila Gasparini
neuropsicanalista
Por que casos de ass�dio sexual s�o t�o recorrentes no Brasil? O que fazer para coibir o ass�dio e como reverter esse quadro?
Infelizmente no Brasil ainda h� homens com o pensamento machista, acham que podem expor seus pensamentos sexuais, falar coisas ofensivas, tocar sem permiss�o. Muitos n�o sabem que isso � ass�dio sexual, e � crime. Esses homens reproduzem o comportamento da Antiguidade. Deve haver um processo de conscientiza��o e respeito pelas pessoas, independentemente de sexo, vestimenta, cor ou posi��o pol�tica, de dar o espa�o ao outro na sociedade que lhe � devido, sem julgamentos. Se houver algum ind�cio de ass�dio, a v�tima deve denunciar, fazer um boletim de ocorr�ncia e ir �s �ltimas consequ�ncias para responsabilizar a pessoa que o praticou. Existe um telefone para auxiliar, em casos de viol�ncia contra a mulher: disque 180.
Quais as caracter�sticas da personalidade do homem que assedia mulheres?
Homens que praticam ass�dio s�o extremamente machistas e tentam impor sua vontade a qualquer custo. S�o pessoas sem limites, ego�stas e egoc�ntricas, que n�o se importam com o outro, seja assediando ou repudiando. Geralmente em grupos essa atitude � mais comum, pois eles se sentem fortalecidos.
Por que no carnaval aumentam as ocorr�ncias de ass�dio sexual?
Uma ideia de que no carnaval tudo pode, est� tudo liberado e tamb�m de que quem est� frequentando o carnaval concorda com isso. Isso n�o � verdade. Tanto homens quanto mulheres devem exercer o respeito com o outro, evitando qualquer atitude que venha a incomodar quem s� foi ao carnaval para dan�ar e se divertir, sem querer se envolver sexualmente com ningu�m. H� que se respeitar e preservar a individualidade de cada um.
EL VIOLADOR ERES T�
No fim de novembro de 2019, uma interven��o potente tomou as redes sociais e ganhou o mundo. No Chile, uma can��o que mostra a for�a da resist�ncia feminina saiu das ruas do pa�s e ultrapassou barreiras. O dia 25 daquele m�s marcava a data mundial de combate � viol�ncia contra a mulher. Em fila e vendadas, na Plaza de Armas, em Santiago, a passos firmes, as mulheres formavam o coro que entoava: "el violador eres t�!" ("o estuprador � voc�!"). A performance Un violador em tu camino foi criada em Valpara�so, a 120 quil�metros da capital. A a��o � uma concep��o do coletivo LasTesis, que tem entre os objetivos centrais retomar teses de autoras feministas e lev�-las a um n�mero maior de pessoas atrav�s de um formato c�nico. Depois da manifesta��o, a coreografia foi executada em v�rios lugares, como Barcelona, Madri, Paris, M�xico e tamb�m aportou no Brasil. Seria evidente, por�m, ainda � necess�rio dizer todos os dias que a culpa n�o � da mulher, que n�o importa onde ela estava ou o que vestia. A culpa � do estuprador! E o movimento � uma forma intensa e eficaz de reiterar essa mensagem, como brada a m�sica.