
A bi�loga Laila Heringer, de 36 anos, � fundadora e produtora do bloco Tchanzinho Zona Norte, que nasceu em 2013 em Belo Horizonte. Neste ano, desfila em 22 de fevereiro, com concentra��o pr�ximo ao Mineir�o, pela manh�. O repert�rio � basicamente m�sicas do � o Tchan!, grupo musical brasileiro de pagode baiano que ganhou fama na d�cada de 1990.
“Resgatamos essa mem�ria afetiva, mas t�nhamos medo de ser mal interpretadas. S�o m�sicas que sexualizam a mulher, n�o s� pelo teor das letras, mas tamb�m pelo tipo de roupas, curtas, e as dan�as. Fazemos para o nosso prazer, a inten��o n�o � sexualizar. � a lembran�a de uma �poca quando eu ainda era uma pr�-adolescente", pondera. Laila conta que, com dois anos de surgimento do bloco, os organizadores perceberam a necessidade de conscientizar as pessoas em rela��o ao ass�dio.
“Ped�amos para quem sofresse uma situa��o assim que avisasse a diretoria do bloco no caso de algum inc�modo ou importuna��o. Mas o bloco cresceu muito. V�amos o que acontecia perto de n�s, mas longe n�o”, comenta. Foi a� que apareceu a ideia de pedir a colabora��o de comerciantes que trabalham no carnaval nesse sentido – eles passaram a avisar assim que algum transtorno acontecia, e Laila diz que a decis�o funcionou bem. Por�m, de acordo com ela, 2019 foi um ano at�pico.
“Tivemos muitos problemas com ass�dio a mulheres e tamb�m com agress�es, inclusive f�sicas, a homossexuais, transexuais e travestis”, lamenta Laila. “Este ano, estamos fazendo uma sensibiliza��o maior”, continua. Em um esfor�o para minimizar os problemas desse teor, ela diz que convida pessoas que v�o aos ensaios a desempenhar o papel de multiplicadores de informa��es nessa linha no carnaval, al�m da mudan�a de hor�rio do desfile do bloco, que passou da noite para o dia, na inten��o de tornar o ambiente mais seguro. “� um problema que vivemos o ano todo”, afirma.
“No carnaval, trazemos isso para discuss�o, conscientizando as pessoas que tamb�m n�o est�o dentro apenas da bolha do bloco. � uma constru��o demorada. Quando o n�mero de pessoas sensibilizadas � maioria, esses atos s�o mais inibidos, os homens brincam, mas percebem que aquele n�o � o lugar nem a hora para isso. Por�m, muitas vezes foge do controle. � um novo dilema no carnaval de BH, com o qual temos que lidar agora.” No ano passado, o p�blico participante do Tchanzinho Zona Norte foi estimado em 75 mil pessoas.
Nariz quebrado

A empres�ria Fernanda Gontijo, de 27, vivenciou na pele este tipo de viol�ncia no carnaval na capital mineira, em 2017. Ela estava em um bloco quando um homem come�ou a insistir para beij�-la, no que reagiu negativamente, pedindo para que ele se afastasse. Mas o homem continuou persistindo. “Ele estava com uma bebida na m�o, parecia embriagado. Eu disse que acionaria a pol�cia se ele continuasse insistindo em ficar comigo, e falei isso perto de seu ouvido”, conta.
“Ele aproveitou o momento, me deu uma cabe�ada e depois fugiu”, lembra. Fernanda teve o nariz fraturado e logo foi levada ao hospital. No dia seguinte, registrou um boletim de ocorr�ncia em uma delegacia de mulheres e, nesse intervalo entre o fato e a den�ncia, a partir de divulga��o nas redes sociais e tamb�m por registros fotogr�ficos que haviam sido feitos inclusive por fot�grafos do Estado de Minas, em pouco tempo o agressor foi identificado.
O advogado de Fernanda abriu um processo criminal por agress�o, que foi conclu�do em 2018 com a penaliza��o do homem a prestar servi�os comunit�rios. O assediador � um engenheiro de cerca de 30 anos, que negou todas as acusa��es, mas n�o conseguiu provar suas declara��es. Na quinta (5), a senten�a da segunda a��o ajuizada sobre o fato, dessa vez de natureza c�vel, condena o agressor a pagar R$ 15 mil de indeniza��o por danos morais, mas ainda cabem recursos para ambas as partes.
“Sempre participei do carnaval, sempre animada, mas depois disso desanimei um pouco. N�o sou mais t�o frequente. Adoro a �poca, mas infelizmente me deparei com esse homem sem no��o. Ele chegou a amea�ar meu advogado”, diz. Para ela, mesmo que a conscientiza��o sobre o assunto tenha melhorado ainda falta educa��o aos homens. “Agem como se fossem superiores, tratam a mulher como nada. S�o abusivos e n�o conseguem aceitar o n�o. � a cultura no Brasil, uma coisa generalizada, um machismo enraizado. � preciso educar desde pequeno, disseminar o conhecimento. Foi um epis�dio traum�tico, mas, por outro lado, uma grande rede de apoio se formou.”
Puni��es para o crime

O advogado especialista em direito civil e processo civil Pedro Paulo Polastri explica que o ass�dio sexual pode ser tipificado de algumas formas, como, por exemplo, no ambiente de trabalho, quando � praticado por um superior hier�rquico sobre seu subordinado. “Cotidianamente, o ass�dio sexual � praticado de v�rias formas. Preponderantemente, as mulheres s�o as principais v�timas”, afirma.
A caracter�stica principal do abuso � a conduta praticada sem o consentimento da outra parte. E h� diferen�a entre ass�dio e importuna��o sexual. O advogado esclarece que, apesar de os dois atos estarem estritamente ligados, o ass�dio normalmente � uma conduta em que uma pessoa em posi��o hierarquicamente superior, seja em raz�o do cargo ou fun��o exercida em rela��o � outra, a constrange com inten��o de obter vantagem ou favorecimento sexual, o que � tipificado no C�digo Penal, no artigo 216-A.
“No que concerne � importuna��o sexual, caracteriza-se quando algu�m, sem a anu�ncia do outro, pratica qualquer ato tido como libidinoso t�o apenas com o objetivo de obter vantagem sexual para si ou para terceiro, tamb�m tipificado no C�digo Penal, no artigo 215-A. A partir de 2018, qualquer tipo de ass�dio ocorrido na rua, ou em algum ambiente fora do trabalho passou a ser considerado importuna��o sexual, quando o importunado sofre por parte de um terceiro alguma investida de cunho sexual, seja uma 'cantada', encostar em qualquer parte do corpo sem o consentimento, ou importunar de qualquer forma”, explica.
Em rela��o ao ass�dio sexual, um agravante se d� quando a conduta � investida contra menores de 18 anos de idade, ou quando algu�m � constrangido a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso, ou aconte�a qualquer viola��o do seu corpo, o que pode ser considerado estupro. O autor da contraven��o est� sujeito a responder a processo criminal e pode ser condenado � pena de um a dois anos de deten��o para o caso de ass�dio sexual, e de um a cinco anos de reclus�o em caso de importuna��o sexual.
O advogado diz que, n�o propriamente, no carnaval h� particularidades sobre o tema, mas qualquer conduta nesse sentido deve ser coibida. “O que temos, especificamente no carnaval em Belo Horizonte, s�o campanhas para falar sobre o assunto e mostrar que de fato s�o atos que as pessoas n�o podem praticar, pois, al�m de ser crime, � uma atitude que demonstra claramente a falta de respeito e de cultura de quem a pratica, seja em uma festa popular ou n�o”, conta. N�o apenas ocorrido entre um homem em rela��o � mulher, o ass�dio sexual tamb�m pode acontecer de homem para outro homem, da mulher para outro homem, ou tendo homossexuais como alvo, para citar apenas alguns exemplos.
O importante � formalizar uma den�ncia no momento do crime e, sempre que poss�vel, identificar o agressor ainda no ato de ass�dio ou importuna��o, como orienta Pedro Paulo. O advogado salienta que, nessas situa��es, a melhor postura � entender os direitos e saber que qualquer ato que n�o tenha consentimento � crime e denunciar o agressor. “Somente com a divulga��o, e, principalmente, com a den�ncia, � que teremos uma chance maior de conscientizar e mostrar para todos que a pessoa e seu corpo devem ser respeitados, independentemente se h� uma lei para isso”, finaliza.