
Em p�ginas j� envelhecidas pelo tempo, escritos, em diversas caligrafias, delineiam o caderno de receitas de Rosilene Campolina, professora de gastronomia da UNA. Um caderno de receitas que tem hist�ria mesclada com a de seu matrim�nio. E, inclusive, se caracteriza, tamb�m, de acordo com a professora, como um casamento, desta vez entre ela e a gastronomia.
“Na �poca, o caderno de receitas fazia parte do meu enxoval. Foi quando comecei a faz�-lo, com diferentes caligrafias, pois sempre que eu queria acrescentar uma receita de minha m�e pedia para ela transcrever. Isso foi t�o bom. Uma pena foi eu n�o ter feito mais isso. Outra marca do meu caderno � que ele foi feito em uma agenda velha, que tem v�rias frases. Ent�o, cada receita tem uma reflex�o diferente e, em alguns casos, recortes e fotos. � �nico”, descreve.
Segundo Rosilene, para al�m dos escritos da m�e, receitas de sua av�, sogra e amigos comp�em os relatos gastron�micos da professora. E, recentemente, a filha tamb�m quis deixar sua marca especial nele. “Ela gosta muito de fazer panqueca e um dia me disse ‘vou herdar o seu caderno. Ent�o, tenho que colocar a minha receita de panqueca nele, j� que voc� tem de todo mundo’. Ela, ent�o, transcreveu a receita das panquecas. E isso � muito bacana de ver.”
Ao citar a filha, a professora projeta o que esse caderno de receitas poder� proporcionar a ela, j� recordando seus sentimentos e experi�ncias quando o folheia. “H� uma mem�ria afetiva e gustativa. Ent�o, quando voc� abre as p�ginas desse caderno para escolher alguma receita, voc� n�o quer s� cozinhar ou meramente fazer um prato, voc� quer resgatar aquele momento com sua m�e, sua av�, sua tia, sua irm�”, conta.
Uma verdadeira experi�ncia de recorda��o. Primeiro, da inf�ncia, quando j� cozinhava arroz-doce em seu pequeno fog�o ou acordava com o cheiro dos biscoitos de polvilho da m�e, dona Gra�a. Depois, todas essas mem�rias j� em sua casa, quando a m�e ia visit�-la. Ainda, a imagem da m�e levando a famosa ca�arola italiana para as sess�es de quimioterapia para alegrar os colegas de luta preenche as lembran�as de Rosilene.
“Este caderno pode me proporcionar essas mem�rias, essa afetividade, essa emo��o que s� eu posso sentir, porque s�o resgates de momentos que vivi e vivenciei ao lado da minha av�, das minhas irm�s, da minha fam�lia e, em especial, da minha m�e. Ela foi a minha mestra na cozinha, minha primeira professora de gastronomia e, tamb�m, da vida. Minha m�e j� se foi, mas a mem�ria dela est� aqui viva, e em cada prato que fa�o me recordo desses momentos vividos.”
EM VOLTA DO FOG�O
“Uma das boas lembran�as que tenho quando crian�a s�o as de domingo de manh�. Mal levant�vamos e minha m�e j� pegava a mesa enorme que t�nhamos na cozinha para fazer nhoque, e ali todo mundo ajudava a fazer”, conta a professora universit�ria dos cursos de nutri��o e gastronomia Cl�udia Colamarco Ferreira, de 56 anos, ao relembrar os primeiros passos de seu caderno de receitas.
Vendo a m�e cozinhar, como de costume, ela, em volta do fog�o, anotava todas as receitas para, posteriormente, repeti-las como a m�e fazia. Al�m disso, sempre que comia algo de que gostava na casa de uma amiga, conhecida ou familiar, Cl�udia transcrevia o passo a passo no seu caderno, hoje com cerca de 40 anos, j� tomado pelo tempo – com folhas envelhecidas e quase despeda�adas. Receitas de revista tamb�m complementam o conjunto de transcritos da professora.
“Esse caderno � a minha vida. � uma coisa que desde sempre est� na gaveta da minha cozinha. J� est� sem capa, pois ela arrebentou, perdeu o �ndice, mas at� hoje, se eu quero uma receita do bolo de cenoura, o melhor que existe, vou l�. A torta de palmito da dona Chandoca tamb�m, n�o tem nada mais gostoso, e, at� hoje vou l�, pego a receita e fa�o. Dona Chandoca morreu tem uns 30 anos, mas a receita ainda est� l�, viva.”
Para al�m do fazer o prato e experimentar o paladar, as receitas se tornam mem�ria, resgate de inf�ncia e experi�ncias. “�s vezes, fa�o uma receita e fica a mesma coisa de quando eu era pequena, como o cajuzinho, que amo e que � a minha receita preferida e mais especial. Mas tamb�m tem o bolo da mam�e, um bolo simples, mas delicioso. E � impressionante relembrar tudo isso ao cozinhar. � uma alegria e satisfa��o pessoal muito grandes”, diz.
INF�NCIA
Clariane Vieira Brand�o, de 23, estudante de gastronomia do Centro Universit�rio UNA e confeiteira da Del�cias da Clari, se recorda de sua inf�ncia ao passar as f�rias na fazenda de seus av�s maternos em Carmo do Rio Claro, no Sudoeste de Minas.
Foi da tradi��o da cidade, em quitandas e doces de frutas bordados a m�o, que nasceu o interesse de Clariane pelo livro de receita da av�, escrito em 1942, com caneta- tinteiro, pela bisav�, que, atualmente, com 93 anos, em plena sa�de f�sica e mental, ainda inspira a estudante de gastronomia com os escritos deixados em forma de receitas. Uma mem�ria afetiva instigada pelo paladar.
A princ�pio, a ideia era escolher, entre as receitas prediletas – arroz-doce, broinha de amendoim, biscoito madureira e biscoitinho coberto –, o prato da vez. Hoje, com a heran�a da bisav�, um caderno de receitas passado de gera��o em gera��o, que carrega consigo, a rela��o se tornou especial. Um amor que transcendeu para a profissional: a gastronomia.
“Foi por meio dele que tive minhas primeiras experi�ncias gastron�micas, ainda na inf�ncia. Inclusive, um dos primeiros pratos que aprendi a fazer foi a broinha de amendoim, uma receita do caderno da minha bisav�. Justamente por esse motivo, essa � a receita mais especial do caderno e a que mais me inspira.”
*Estagi�ria sob supervis�o da editora Teresa Caram