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Estado de Minas

�lcool e cafe�na s�o as drogas mais consumidas na pandemia

Para o neurocientista Carl Hart, o maior consumo dessas subst�ncias n�o implicar� depend�ncia p�s-COVID


03/01/2021 15:31 - atualizado 03/01/2021 18:25

�lcool e cafe�na s�o as drogas mais consumidas durante a pandemia, afirma o neurocientista americano Carl Hart — lembrando que a cafe�na n�o est� presente apenas no caf� e na barra de chocolate, mas tamb�m em analg�sicos e inibidores de apetite.

 

 

 

No entanto, para quem acha que, findo o isolamento, haver� um n�mero maior de alco�latras e viciados em p�lulas para emagrecer, Hart d� um freio.

Para o professor do departamento de Psicologia e Psiquiatria da Universidade Columbia, em Nova York, o maior consumo dessas subst�ncias n�o implicar� depend�ncia p�s-COVID.

Mas ele n�o duvida que essas drogas venham a ser acusadas de degringolar ainda mais a sociedade para tirar o foco da inabilidade dos governos de lidar com os problemas socioecon�micos advindos da pandemia.

Seria assim, em qualquer tempo e crise, com a coca�na, o crack e os opioides — estes �ltimos apontados como um dos fatores da redu��o gradativa da expectativa de vida nos EUA. "Culpar os opioides por qualquer diminui��o na expectativa de vida � ignor�ncia", reage.

Hart vem na toada de "desmistificar que as drogas necessariamente fazem mal" pelo menos desde de 1995, quando recebeu um grupo de jovens negros em seu laborat�rio em Bethesda, no Estado americano de Maryland. Ali, viu-se numa armadilha.

Enquanto demonstrava na lousa a a��o das drogas no c�rebro, os alunos queriam saber por que os pais deles pr�prios consumiam as mesmas. Simples assim para os estudantes, mas complicado demais para um cientista como Hart, que at� ent�o se debru�ara apenas sobre ratos de laborat�rio, nunca sobre humanos.

N�o que fosse cru na experi�ncia. A inf�ncia na periferia de Miami o fez presenciar gente pr�xima consumindo crack, cometendo crimes para garantir o consumo e se arruinando com morte precoce ou anos de pris�o. Na sua cabe�a, era certo que o caminho das drogas n�o tinha volta. Faltava confirmar isso.

Durante o p�s-doutorado em Wyoming, no oeste dos EUA, agora lidando com gente, entendeu que essa dedu��o fat�dica estava viciada.

A depender, por exemplo, da quantia de dinheiro que oferecia aos sujeitos de pesquisa, e isso fazia parte da metodologia da pesquisa, eles abriam m�o das doses. Hart afirmou que esses consumidores de crack e de metanfetamina eram mais senhores de seu destino do que presumiam a academia e as severas pol�ticas p�blicas de combate.

E passou a dizer em aulas e palestras: "Achei que seria capaz de curar a depend�ncia em drogas, mas, ao longo dos anos, aprendi que o problema n�o era o v�cio, era a aplica��o das leis".


Neurocientista diz, porm, que maior consumo dessas substncias no implicar dependncia ps-covid
Neurocientista diz, por�m, que maior consumo dessas subst�ncias n�o implicar� depend�ncia p�s-covid (foto: Reuters)

Aos 54 anos, o americano assina dezenas de artigos cient�ficos na �rea de neuropsicofarmacologia e co-escreveu o livro Drugs, Society, and Human Behavior com o professor em�rito de neuroci�ncia Charles Ksir. Em maio de 2014, esteve no Brasil para lan�ar "Um Pre�o Muito Alto: a Jornada de um Neurocientista que Desafia Nossa Vis�o sobre Drogas e Sociedade (Zahar)", no qual explica seus estudos e narra sua trajet�ria at� se tornar o primeiro professor afrodescendente da Col�mbia, famoso tamb�m pelo dreadlock, hoje levemente grisalho.

Hart voltou ao Pa�s em 2015, quando viralizou a not�cia de que teria sofrido preconceito no hotel em que se hospedou, em S�o Paulo. Informa��o que ele desmentiu: "O que realmente importa s�o os negros discriminados dia ap�s dia no Brasil, n�o um professor burgu�s, que se hospeda em hotel cinco estrelas".

Num sab�tico at� julho, Hart antecipa, sem entrar em detalhes, que seu novo livro traz um cap�tulo inteiro sobre o Brasil e sua pol�tica antidrogas. Drug Use for Grown-Ups: Chasing Liberty in the Land of Fear (Uso de drogas para adultos: em busca da liberdade na terra do medo) ser� lan�ado em janeiro e ainda n�o h� previs�o da edi��o em portugu�s.

BBC News Brasil — Quais drogas t�m sido mais consumidas nesses meses de pandemia?

Carl Hart — O �lcool e a cafe�na s�o as drogas psicoativas mais amplamente dispon�veis. Portanto, s�o as mais consumidas. O �lcool pode ajudar a aliviar a ansiedade, e a cafe�na, a dar um impulso energ�tico. N�o � dif�cil perceber como essas qualidades podem ser ben�ficas em uma situa��o estressante como essa.

BBC News Brasil — Voc� costuma apontar mitos sobre o uso de drogas. Quais identificou durante a COVID-19?

Hart — Os mesmos mitos persistem, mas o maior deles � "as drogas fazem mal".

A maioria das drogas recreativas faz as pessoas se sentirem bem. Caso contr�rio, essas pessoas n�o as aceitariam. Qualquer atividade que valha a pena envolve riscos e benef�cios. Voar de avi�o — ou andar de autom�vel — traz o risco da morte. No entanto, praticamente todo mundo viaja por esses meios de transporte. Com as drogas n�o � t�o diferente. A maioria das pessoas n�o morre por us�-las. � verdade que uma pequena porcentagem, sim. Mas os efeitos predominantes s�o positivos, como aumento da sociabilidade e euforia.

BBC News Brasil — Segundo estudo do Centro Nacional de Estat�sticas de Sa�de, divulgado em 2019, milhares de americanos morrem anualmente de overdose de opioides. O consumo seria epid�mico a ponto de se tornar um dos fatores da redu��o gradativa da expectativa de vida nos EUA. Seus estudos confirmam essa informa��o?

Hart — Os eventos que levam a mortes relacionadas �s drogas costumam ser muito mais amb�guos e complexos do que os relatos fazem acreditar. A no��o de que "milhares de americanos morrem a cada ano de overdose de opioides" � enganosa.

Na maioria dos casos, mais de uma subst�ncia � encontrada no corpo da pessoa falecida, e as concentra��es dessas drogas geralmente n�o s�o determinadas. Portanto, � dif�cil, sen�o imposs�vel, atribuir a morte a uma �nica droga, porque n�o podemos saber qual delas, se � que alguma, atingiu um n�vel sangu�neo que seria fatal por si s�.

Al�m disso, dizer que as overdoses de opioides diminu�ram a expectativa de vida � simplesmente errado e imprudente. Em 2017, o n�mero total de mortes nos Estados Unidos foi de pouco menos de 3 milh�es.


Neurologista diz que espera que outros Estados americanos faam como o Oregon e legalizem o uso de drogas como o LSD e a cocana
Neurologista diz que espera que outros Estados americanos fa�am como o Oregon e legalizem o uso de drogas como o LSD e a coca�na (foto: PA Media)

As mortes atribu�das a opioides atingiram um pico de aproximadamente 47 mil, uma pequena fra��o do total de mortes. Em contraste, o n�mero de mortes por doen�as card�acas e c�ncer foi de mais de 655 mil e 600 mil, respectivamente. Esses n�meros s�o altos h� muitas d�cadas. Da mesma forma, o n�mero de americanos mortos por armas permaneceu em cerca de 40 mil por pelo menos tr�s d�cadas. O mesmo se aplica �s mortes por acidentes automobil�sticos. Culpar os opioides por qualquer diminui��o na expectativa de vida � ignor�ncia.

BBC News Brasil — Uma das alternativas para tratar a depend�ncia de opioides � usando anfetaminas, e h� quem proponha utiliz�-las tamb�m para os dependentes de coca�na. Acha esses tratamentos procedentes?

Hart — A abordagem agonista (uso de uma subst�ncia capaz de provocar uma resposta biol�gica similar � produzida por outra) � o tratamento mais eficaz. Mas o verdadeiro tratamento agonista para a coca�na seria administrar a pr�pria coca�na como parte desse tratamento.

BBC News Brasil — Em novembro, Oregon se tornou o primeiro Estado americano a descriminalizar o porte de drogas pesadas, como coca�na, hero�na, LSD e metanfetamina. Acredita que outros Estados americanos tender�o a fazer o mesmo nos pr�ximos anos? Que impacto a descriminaliza��o teria sobre o consumo dessas drogas no pa�s?

Hart — Espero que outros Estados sigam Oregon, assim como ocorreu com a legaliza��o da maconha em um ter�o do pa�s. � a coisa certa a fazer. Ningu�m deve ser preso pelo que colocou em seu pr�prio corpo. As pessoas est�o apenas tentando se sentir bem. � rid�culo prender algu�m com base nisso. � como prender pessoas por se masturbarem. � bobagem. A legaliza��o das drogas provocaria uma diminui��o dram�tica nas pris�es por esse motivo. Tamb�m aumentaria a qualidade dos medicamentos usados. Isso j� ocorreu com o �lcool e com a maconha nos locais onde a droga � legal.

BBC News Brasil — O uso de drogas tem um forte componente cultural. Voc� v� alguma diferen�a importante a esse respeito, considerando a cultura ocidental e oriental, por exemplo?

Hart — � claro que as normas sociais influenciam a aceitabilidade do uso de drogas, o tipo usado, a hora do dia aceit�vel, entre outras coisas. Mas n�o acho que existam diferen�as importantes entre o Ocidente e o Oriente que j� n�o tenham sido observadas em subculturas na sociedade em geral - digamos, em um lugar como o Brasil. As normas culturais do brasileiro rico sobre o uso de drogas, por exemplo, diferem das normas dos brasileiros menos abastados.

BBC News Brasil - No Brasil, a guerra contra a ind�stria do tabaco foi bastante eficiente. Se, em 1989, 35% da popula��o brasileira fumava, at� o ano passado essa propor��o tinha ca�do para menos de 10%. Com o isolamento social em 2020, no entanto, teria havido um aumento de 34% no consumo de cigarros. Voc� j� afirmou que o cigarro pode ser mais viciante que a coca�na. Como lidar com o aumento do tabagismo?

Hart - O trabalho dos funcion�rios de sa�de p�blica � informar a popula��o sobre os riscos associados a alimentos, a��es, etc. A partir da�, os adultos devem ter permiss�o para tomar suas pr�prias decis�es sobre se eles se engajam ou n�o em tais atividades. Fumar, por exemplo, pode aliviar o estresse, mas se essa atitude ou qualquer outra infringir os direitos de terceiros, as autoridades devem tomar medidas — se poss�vel, sem proibir a atividade — para equilibrar a sa�de p�blica com as liberdades individuais.


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