Pesquisas investigam efeito protetor da educa��o no c�rebro
S�O PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Pessoas com educa��o formal de um a quatro anos t�m menor risco de d�ficit cognitivo e dem�ncia em compara��o �s analfabetas, revela pesquisa in�dita da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP) realizada no Brasil e no M�xico com mais de 20 mil participantes acima de 50 anos.
A maioria dos estudos sobre o tema foi realizada em pa�ses de alta renda, onde o n�mero m�dio de anos de educa��o � maior do que 12 anos, e a qualidade do ensino tamb�m � mais abrangente do que a m�dia dos pa�ses da Am�rica Latina.
A nova pesquisa, publicada na revista cient�fica Alzheimer & Dementia, envolveu aplica��es de testes cognitivos internacionais em pessoas acompanhadas por dois estudos no Brasil (9.412) e no M�xico (14.779). Esses testes envolvem listas de palavras, orienta��o temporal e flu�ncia verbal sem�ntica.
A idade m�dia dos participantes no Brasil foi 62,5 anos, com as mulheres representando 54%. A m�dia de anos de educa��o foi de quatro anos —13,3% n�o possu�am educa��o formal.
No M�xico, a idade m�dia foi de 64,8 anos, com 55% de mulheres. A mediana de anos de educa��o foi de seis anos, e 17,7% dos participantes n�o possu�am educa��o formal.
"� o mesmo n�vel de escolaridade, com a diferen�a que o ciclo prim�rio no M�xico � de seis anos, e aqui � de quatro anos", explica a principal autora do estudo, Nat�lia Gomes Gon�alves, p�s-doutoranda da disciplina de geriatria da cl�nica da FMUSP.
Dados de 2019 mostram que entre a popula��o mais jovem, com 25 anos ou mais, o n�mero m�dio de anos de educa��o no Brasil s�o oito anos e, no M�xico, quase nove (8,8).
Um levantamento anterior no Brasil demonstrou que 48% dos casos de dem�ncia s�o atribu�veis aos 12 fatores de risco em diferentes momentos da vida: baixa escolaridade (abaixo de 45 anos); hipertens�o, obesidade, perda auditiva, traumatismo craniano e consumo de �lcool (entre 45 e 65 anos); fumo, depress�o, isolamento social, falta de atividade f�sica, diabetes e polui��o do ar (acima de 65 anos).
A estimativa � que 7,7% dos casos de dem�ncia no Brasil e 13,5% no M�xico poderiam ser prevenidos com o aumento da escolaridade. Pesquisa recente da Associa��o Brasileira de Alzheimer, com dados de 2019, aponta 1,7 milh�o de brasileiros com algum tipo de dem�ncia —55% dos casos s�o de doen�a de Alzheimer. Em 30 anos, projetam-se mais de 5,5 milh�es.
O estudo da USP comparou as diferen�as entre os dois pa�ses e foi observado que, com a mesma quantidade de anos de ensino formal dos brasileiros, os mexicanos tinham uma menor probabilidade de apresentar d�ficit cognitivo.
"A gente n�o sabe exatamente o por qu�. N�o temos medidas da qualidade de educa��o daquela �poca [da inf�ncia dos participantes do estudo]. Mas os dados mais recentes mostram que a qualidade da educa��o do M�xico � melhor do que a do Brasil."
No M�xico, as mulheres apresentaram uma chance maior de d�ficit cognitivo em compara��o com os homens que possu�am o mesmo n�vel educacional. No Brasil, essa disparidade de g�nero n�o foi observada.
O mesmo ocorreu em rela��o �s taxas de analfabetismo entre os sexos (12,3% para mulheres e 12,4% para homens). J� no M�xico a propor��o de mulheres analfabetas � maior (11,3% contra 7,4% entre os homens).
Os pesquisadores constataram comprometimento cognitivo em 6% dos participantes do Brasil e 5% do M�xico. Segundo a pesquisadora, houve ajustes para outras vari�veis associadas �s dem�ncias, como hipertens�o e depress�o, para evitar vi�s nos resultados.
Entre as limita��es metodol�gicas do trabalho, est�o o fato de a classifica��o de comprometimento cognitivo ter dependido de vari�veis autorrelatadas e de se tratar de estudo transversal, portanto, n�o � poss�vel determinar a causalidade.
Para a pesquisadora, � importante que os resultados sirvam para pautar pol�ticas p�blicas voltadas para o aumento do acesso � educa��o em todas as fases da vida. "Mesmo quando a pessoa come�a a estudar mais velha, isso j� vai ajudar a criar uma reserva cognitiva. Estudar n�o importa a idade."
De acordo com a geriatra Simone de Paula Pessoa Lima, da empresa especializada em home care, Sa�de no Lar, dedicar-se ao estudo e aprender coisas novas � fundamental para a preven��o do d�ficit cognitivo por v�rias raz�es. “O c�rebro � como um m�sculo, quanto mais voc� o usa, mais saud�vel ele se mant�m. Aprender novas habilidades ou informa��es faz com que ele seja estimulado, em diferentes partes, funcionando melhor.”
A especialista lembra que ele tem a capacidade de reorganizar suas conex�es criando novos caminhos para um mesmo objetivo ou criando novas vias neurais � medida que � estimulado de forma adequada.
“Isso � conhecido como neuroplasticidade. Quanto mais n�s o exercitamos, mais fortalecemos essas conex�es, ajudando a preservar as fun��es cognitivas.”
Simone enfatiza que v�rios estudos sugerem que pessoas que t�m um alto n�vel de atividade cerebral e educa��o t�m mais reservas cognitivas. Isso significa que, mesmo que haja danos devido a doen�as como o Alzheimer, essas pessoas podem manter um funcionamento cognitivo normal por mais tempo devido �s reservas que constru�ram ao longo da vida.
“Quando estamos em constante aprendizagem, n�s melhoramos a mem�ria e outras habilidades cognitivas, como racioc�nio, tomada de decis�es e solu��o de problemas.”
Al�m disso, estudar ajuda as pessoas a se sentirem mais envolvidas e ativas � medida que envelhecem.
“Isso tem um impacto positivo na qualidade de vida e no bem-estar emocional, o que, por sua vez, pode alterar positivamente a sa�de cognitiva. Esse comprometimento acaba trazendo consigo mais intera��o social, o que tamb�m � ben�fico para a sa�de mental.”
FREQUENTAR O EJA MELHORA A MEM�RIA, APONTA ESTUDO
Outras pesquisas com adultos que nunca tiveram uma educa��o formal corroboram isso. Um ensaio cl�nico feito por pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) com 108 idosos analfabetos de Belo Horizonte (MG) concluiu que frequentar um programa de alfabetiza��o na idade adulta, durante um ano, melhorou a mem�ria epis�dica (de curto prazo).
Os participantes, com idade m�dia de 60 anos, foram divididos em dois grupos: um deles (interven��o) frequentou aulas focadas em aprender a ler e a escrever com a supervis�o de uma educadora, e o outro (controle) frequentou aulas regulares em uma escola voltada para adultos (EJA).
"No fim, os dois grupos melhoraram entre 1,5 e 2 pontos no teste de mem�ria. N�o houve diferen�a entre aqueles que fizeram o 'intensiv�o' e aqueles que s� frequentaram a escola normal. Nunca � tarde para construir reserva cognitiva", conta Elisa de Paula Fran�a Resende, professora da faculdade de medicina da UFMG e uma das autoras do estudo.
Segundo o m�dico e geront�logo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade, entre todos os fatores de risco para dem�ncias, o principal � o analfabetismo. "Educa��o � a chave [para a preven��o]. N�o s� para quem est� come�ando a vida, mas ao longo da vida."
Para ele, mesmo que n�o seja em uma escola formal, a pessoa que continua o processo de aprendizagem na vida adulta ganha em termos de preven��o das dem�ncias e de outras doen�as. "H� um letramento cient�fico, melhora a percep��o de que � importante tomar o rem�dio, a vacina."
Kalache diz que o aumento da longevidade no pa�s precisa vir acompanhado de melhoria da educa��o de toda a sociedade. "Os profissionais da sa�de ainda aprendem tudo sobre crian�as, mas cada vez mais ter�o de tratar de velhos. O que voc� faz quando n�o conhece? Voc� rejeita", diz ele.

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