
Relacionamentos. Eis a� algo que nunca antes sofreu tantos impactos. De uma simples novidade rotineira da conhecida “vida real” a uma raridade no dia a dia de um mundo em pandemia, as novas rela��es passaram a se hospedar na internet, quase sempre nas redes sociais. O tradicional Tinder, a princ�pio um aplicativo para paquera, ganhou mais atribui��es: criar rela��es, fazer amizades ou apenas encontrar algu�m para um momento de desabafo.
Foi assim que o ato de arrastar o dedo para o lado e/ou de dar o famoso match ganhou, tamb�m, mais significados e, talvez, mais burocracia. “Tive crit�rios em raz�o da pandemia. Como optei por ter encontros casuais e mais intimistas – em casa – por causa do medo de contamina��o pelo novo coronav�rus, passei a analisar melhor os perfis. Eu, por exemplo, evitei m�dicos e enfermeiros, e todas as outras pessoas que estavam saindo para trabalhar, porque sei que elas est�o mais expostas.”
� o que conta a jornalista Renata Garcia, de 43 anos, que delineia esse novo “boom” dos aplicativos de relacionamento, como o caso do Tinder, como uma abstin�ncia de locais para se entreter e conhecer pessoas. Segundo ela, eles se tornaram o novo bar. “N�o podemos sair nem para trabalhar. Portanto, at� mesmo as pessoas que conhec�amos por meio do nosso emprego n�o podem mais se fazer novidades. De repente, tudo ficou ainda mais virtual.”

“Em alguns casos, mesmo a pessoa sabendo que n�o vamos sair, ainda sim ela quer continuar conversando, por exemplo. Elas n�o se importam. � como se houvesse uma certa car�ncia por simplesmente poder falar com pessoas novas, porque, teoricamente, est�o todos em casa. Ent�o, assim, algumas rela��es se fortificaram. Eu mesmo fiz uma grande amizade no Tinder e falamos, inclusive, que ser� uma rela��o para a vida toda”, diz.
Glaucia Pontes, de 37, concorda com Renata Garcia. Segundo a banc�ria, as pessoas est�o mesmo mais dispostas a conversar, muito em raz�o do p�nico da pandemia e por ficar em casa durante muito tempo. Para ela, um “mix de tudo”. Por�m, ao contr�rio da jornalista, encontro s� depois da pandemia e da vacina. “Estou conversando, criando la�os e amizades, mas n�o me encontrei com ningu�m desde o in�cio da pandemia.”
“Preferi dar uma ‘segurada’. Mas quando for conveniente e eu achar o momento apropriado, com certeza irei marcar encontros. As pessoas s�o muito bacanas no aplicativo, � uma �tima forma para conhecer pessoas para al�m de apenas paquerar. � uma oportunidade que depois pode virar conviv�ncia”, pontua a banc�ria, que h� cerca de cinco anos faz uso da plataforma e na pandemia intensificou a navega��o.
O NOVO ‘OL�’
“Como est� lidando com a pandemia?” Com certeza, se voc� usa o Tinder, j� come�ou uma conversa ou recebeu uma mensagem dessas no aplicativo. Isso porque, al�m de aumentar o n�mero de usu�rios, o isolamento social impactou, tamb�m, na forma como o aplicativo � usado. Renata Garcia conta, inclusive, que, neste per�odo, praticamente todas as suas conversas se iniciaram com o assunto coronav�rus. Se n�o, em algum momento, ele foi citado.
“A pandemia � sempre um assunto recorrente. N�o tem uma conversa minha, por exemplo, em que n�o tenham me perguntado como est� sendo o isolamento social. � uma coisa que engaja mais a conversa, porque � um assunto comum a todos e, mesmo que a pessoa seja muito diferente de mim, � uma situa��o hist�rica que todos estamos vivendo. Tive COVID-19 em junho e assim que descobriam que havia me infectado queriam saber o que senti, como estava, como foi, como peguei, entre outras coisas.”
Para al�m das mudan�as de comportamento no �mbito do di�logo ou mesmo de crit�rios na busca pelos queridos matchs, a mestre em avalia��o psicol�gica e professora de psicologia da Est�cio Juiz de Fora Elza Lobosque explica que a pandemia influenciou at� mesmo no sentir. N�o � toa, segundo os dados apresentados pela plataforma, a palavra saudade foi uma das mais usadas nas conversas dentro do Tinder. Nesse cen�rio, at� mesmo as cantadas se adaptaram ao momento.

“At� os xavecos mudaram. Afinal, o ‘me chama de coronav�rus e deixa eu pegar voc�’ decolou”, aponta a psic�loga, que pontua, ainda, a import�ncia do uso do aplicativo como um desabafo, uma outra tend�ncia da plataforma na pandemia. Mais que um novo “ol�”, as rela��es no Tinder ganharam um ar de realidade e vida. “Em fun��o do isolamento social, as pessoas est�o utilizando o aplicativo para falar de suas dificuldades, da solid�o, da aus�ncia de contato f�sico, intensificando dessa forma os relacionamentos virtuais.”
Renata Borja, psic�loga, pesquisadora e especialista em terapia cognitivo-comportamental, concorda e, inclusive, ressalta que esse contato tela a tela � um facilitador de bem-estar para o ser humano. E isso muito tem a ver com a caracter�stica soci�vel que homens e mulheres t�m. Na vis�o de Piaget, “o homem � um ser essencialmente social, imposs�vel, portanto, de ser pensado fora do contexto da sociedade em que nasce e vive”.
Portanto, entende-se que o ser humano necessita de conv�vio social. “As emo��es est�o mais afloradas e vivenciando um estresse social. Com a liberdade restrita, h� um desconforto. Assim, as pessoas passam a buscar por escapes, sendo as redes sociais uma dessas v�lvulas. E com o Tinder n�o foi diferente. Ele deixou de ser apenas paquera para conectar pessoas, o que gera um bem-estar, j� que � muito importante para as pessoas estarem em contato com outras. O relacionar-se � essencial”, afirma.
“Enquanto a ‘vida real’ estava em pausa, o Tinder foi um local de compartilhamento de conversas, ideias e sentimentos, tudo isso fisicamente distantes. Al�m de conhecer novas pessoas, nossos membros estavam usando o aplicativo para trocar experi�ncias e at� mesmo se informar usando o recurso ‘Passaporte’, que propicia o contato com pessoas de todo o mundo, para descobrir como as coisas estavam em outros pa�ses”, aponta o country director do Tinder no Brasil, Rodrigo Fontes.
Renata Garcia destaca que, ap�s o fim da pandemia, pretende retomar o curso natural da vida: sair com as pessoas que conhece no Tinder para diversos lugares, o que � impossibilitado no momento atual pela alta dos indicadores de contamina��o por COVID-19. Por�m, segundo ela, essa pode ser a prova “final” para a rela��o que teve in�cio virtualmente. “� sempre melhor o olho no olho, at� porque o primeiro contato que temos com as pessoas, principalmente em fun��o da pandemia � tamb�m pelas telas, por videochamada. N�o � o ideal.”
O 2021...
Se as telas e o Tinder, de forma geral, foram companheiros insepar�veis dos quarenteners, em 2021, a tend�ncia � que, com pandemia ou vacina, o aplicativo tende a continuar a ser um fiel escudeiro da nova gera��o. Segundo Rodrigo Fontes, country director do Tinder no Brasil, o uso do aplicativo aponta para uma n�o divis�o entre a vida real e a digital para a gera��o Z.
Quarenteners no Tinder
Em meio � pandemia, o Tinder foi utilizado para criar conex�es. Confira algumas constata��es:
- A pandemia foi o grande assunto para puxar papo com o match
- O uso de “quarentena e chill” decolou em mar�o, quando a pandemia teve in�cio no Brasil
- A palavra “saudade” foi utilizada em julho o dobro de vezes de janeiro de 2020, quando ainda n�o havia pandemia no pa�s
- Men��es de m�scara foram utilizadas cerca de 10 vezes mais que o de costume
- Um dos emojis mais utilizados no Tinder foi aquele que quase diz: “Vai saber quando poderei fazer isso”, a sensa��o de futuro imprevis�vel.
* Estagi�ria sob supervis�o da editora Teresa Caram