
Normalmente, haja vista o conhecimento cient�fico atual, as les�es do joelho – condropatia patelar, condromal�cia, les�o na cartilagem, osteoartrite, entre outras – s�o tratadas com cirurgias invasivas ou com o uso de pr�teses. Por�m, aos poucos, novas alternativas v�m sendo apresentadas, como � o caso da terapia biol�gica. Uma descoberta recente, e ainda em estudo por pesquisadores brasileiros, � o uso das c�lulas-tronco no processo de repara��o e combate inflamat�rio.
Inclusive, segundo Tiago Lazzaretti Fernandes, cirurgi�o ortop�dico que atua no grupo de medicina do esporte no Hospital das Cl�nicas da Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo (HC-FM-USP) e um dos respons�veis pelo estudo, os resultados apresentados s�o promissores. Ainda em fase pr�-cl�nica, a pesquisa aguarda a aprova��o da Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) para avan�ar para a pr�xima fase de testes e realizar a primeira experi�ncia com humanos.
“Os resultados foram favor�veis e bem positivos para o uso da terapia celular com o que denominamos de composto de engenharia de tecidos (CET), mostrando uma melhora nos par�metros avaliados com rela��o ao reparo da cartilagem utilizando a terapia celular. H� estat�sticas e dados que comprovam, mas ainda est�o em fase de publica��o”, afirma o pesquisador, que atribui a conquista ao desenvolvimento e aquisi��o de conhecimento do meio m�dico no que tange a terapia gen�tica e biol�gica.
“Essa � a chave. Hoje em dia, esses tratamentos s�o para diversas doen�as e s�o cada vez mais personalizados e dependentes da biologia. Antes, na ortopedia, por exemplo, os tratamentos eram relacionados a mec�nica – placas, parafusos, pr�tese, entre outros –, o que ainda � muito importante. Agora, est� havendo uma transi��o do conhecimento para o tratamento de doen�as com o uso de terapias biol�gicas e personalizadas. E � essa a nossa contribui��o.”
Com a terapia celular, ent�o, h� uma melhora no tratamento, com a possibilidade de reparo biol�gico sem progress�o da doen�a e sem piora da fun��o e da dor dos pacientes que sofrem com les�es no joelho. Nesse cen�rio, h�, ainda, uma diminui��o da necessidade de cirurgias de grande porte ou invasivas.
E por que as c�lulas-tronco? Elas t�m duas caracter�sticas principais. Uma delas � que as c�lulas-tronco s�o capazes de se diferenciar em diferentes tecidos, entre eles, cartilagem, osso e gordura. Ent�o, como elas t�m essa propriedade de diferencia��o, elas atuam, tamb�m, no reparo desses tecidos. Al�m disso, elas t�m uma propriedade de imunoregula��o ou regula��o do sistema imunol�gico local.
“E o que acontece � que as c�lulas-tronco estando presentes nesse ambiente elas conseguem regular as outras c�lulas do sistema inflamat�rio, fazendo com que exista uma diminui��o da inflama��o local e que exista um est�mulo para a produ��o de cartilagem. E isso � muito importante, porque � justamente este ponto que nos fez estudar essa a��o das c�lulas-tronco no tratamento de les�es no joelho.”
“Isso porque, de fato, temos um grande problema a ser resolvido nesse cen�rio, j� que, diariamente, pacientes, tanto no servi�o p�blico quanto no consult�rio, atletas e esportistas, tanto profissionais quanto amadores, t�m dores nos joelhos decorrentes do desgaste da cartilagem. E essas les�es da cartilagem se acumulam ao longo do tempo e as pessoas podem desenvolver artrite ou artrose da articula��o, e essas patologias s�o consideradas problemas de sa�de p�blica, j� que, hoje, n�o existe cura”, elucida.
Esses problemas, que afetam em maior escala pessoas mais velhas, s�o incapacitantes e debilitantes, tanto do ponto de vista de atividades esportivas quanto de rotina, causando perda de funcionalidade, dor e inflama��es locais. Justamente por isso, quase sempre culmina em uma cirurgia de grande porte e invasiva que n�o tem 100% de efic�cia e apenas repara a dor. Com a terapia celular, isso muda, e muito.
O ESTUDO
As pesquisas come�aram com o estudo das c�lulas-tronco e suas propriedades em laborat�rio. Posteriormente, deu-se in�cio ao estudo pr�-cl�nico com porcos, que t�m joelhos semelhantes aos dos humanos, utilizando membranas produzidas a partir de c�lulas-tronco mesenquimais, encontradas na medula �ssea, tecido adiposo e revestimento da parede articular ou sin�via. Agora, os pesquisadores aguardam aprova��o para dar in�cio a testagem em humanos.
“Assim como as vacinas precisam ter autoriza��o, esses tratamentos que envolvem terapia celular tamb�m necessitam se submeter a uma an�lise da Anvisa e ter a aprova��o deles para conduzir a pesquisa. � nessa fase que estamos. Na transi��o do pr�-cl�nico para o primeiro uso em humanos”, afirma Tiago Fernandes.
No estudo, os pesquisadores analisaram a efic�cia de membranas produzidas a partir de duas fontes de c�lulas-tronco mesenquimais. Uma delas � a membrana sinovial, uma fina camada de tecido que reveste a parte mais interna das articula��es. Esse tecido � respons�vel por produzir o l�quido sinovial, que tem o papel de lubrifica��o, evitando que as articula��es sofram desgaste.
Em parceria, com Daniela Franco Bueno, do Instituto S�rio-Liban�s de Ensino e Pesquisa, que estuda a metodologia para o tratamento de l�bio leporino, malforma��o que afeta a regi�o dos l�bios e palato, outra fonte de c�lulas-tronco utilizada foi a polpa dent�ria.
"E o que acontece � que as c�lulas-tronco estando presentes nesse ambiente elas conseguem regular as outras c�lulas do sistema inflamat�rio, fazendo com que exista uma diminui��o da inflama��o local e que exista um est�mulo para a produ��o de cartilagem."
Tiago Lazzaretti Fernandes, cirurgi�o ortop�dico que atua no grupo de medicina do esporte no Hospital das Cl�nicas da Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo (HC-FM-USP) e um dos respons�veis pelo estudo
Segundo o ortopedista Tiago Fernandes, o uso das c�lulas-tronco mesenquimais � mais vantajoso em compara��o a outras. “As c�lulas-tronco embrion�rias envolvem uma s�rie de conflitos �ticos e religiosos que dificultariam a pesquisa. Poder�amos usar tamb�m as c�lulas-tronco pluripotentes induzidas, t�cnica que permite, a partir de uma c�lula adulta, produzir c�lulas semelhantes �s embrion�rias, mas as pesquisas indicam um risco maior de tumores e precisamos de mais estudos para esclarecer esse ponto”, pondera.
Nesse cen�rio, as c�lulas mesenquimais t�m a vantagem de se diferenciar em cartilagem, justamente o tecido alvo da pesquisa apoiada pela Fapesp. Al�m de Daniela Bueno, a pesquisa contou com a colabora��o de Arnaldo Jose Hernandez, da FM-USP.
A TERAPIA CELULAR
Nesse cen�rio, uma alternativa � o implante aut�logo de condr�citos, uma terapia celular que utiliza c�lulas da cartilagem extra�das do pr�prio paciente. Dispon�vel na Europa e nos Estados Unidos, mas n�o no Brasil, essa t�cnica se inicia com a artroscopia, procedimento para a coleta de cartilagem saud�vel do joelho de uma �rea que n�o sofre carga.
“As c�lulas s�o isoladas em laborat�rio, multiplicadas e introduzidas em uma membrana. Depois de 30 dias, essa membrana com as c�lulas � levada para o centro cir�rgico, onde ser� recortada no tamanho do defeito da cartilagem e colada no local da les�o no joelho do paciente”, descreve Tiago Fernandes.
A pesquisa, inclusive, utiliza t�cnica semelhante � de implante aut�logo de condr�citos: avalia o uso de c�lulas-tronco mesenquimais presentes na membrana sinovial ou na polpa do dente de leite que s�o capazes de produzir a sua pr�pria matriz extracelular ou membrana. Os pesquisadores avaliaram inicialmente os processos de coleta, isolamento e crescimento das c�lulas extra�da – haja vista a quantidade diferente das c�lulas-tronco em difentes partes do organismo humano, ela precisa ser multiplicada.
E essas c�lulas-tronco mesenquimais – usadas no estudo – podem ser usadas para tratar les�es maiores. Uma vantagem � que nessa t�cnica n�o h� a necessidade do uso de banco de tecidos e busca de doadores, pois as c�lulas s�o obtidas no pr�prio paciente. O objetivo, por�m, n�o � regenerar ou formar um tecido igual ao existente antes da les�o. “Buscamos o reparo, ou seja, recuperar fun��o, de forma a devolver os movimentos ao paciente e tirar a dor”, esclarece.
Quanto �s c�lulas-tronco extra�das da polpa do dente de leite, todo o processo de produ��o da membrana a partir dessas c�lulas � semelhante ao aplicado com as c�lulas extra�das da membrana sinovial. O dente de leite, prestes a cair, � extra�do pelo dentista, encaminhado para laborat�rio e armazenado em nitrog�nio l�quido para se ter um banco de c�lulas. A diferen�a est� na quantidade de c�lulas extra�das da polpa e no crescimento das c�lulas em laborat�rio para gerar a matriz extracelular que ser� implantada no joelho.
* Estagi�ria sob a supervis�o da subeditora Ellen Cristie.