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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Envelhecer: o estigma da velhice

O preconceito sobre o envelhecimento persiste e est� relacionado com o mito de que ele � acompanhado de decl�nio f�sico, cognitivo e mental significativo


02/05/2021 04:00 - atualizado 01/05/2021 21:29

“N�o sei o que essa velha faz aqui a esta hora.” “Nossa, voc� tem 60 anos, n�o parece!” “Voc� n�o acha que j� passou da idade para usar isto?” Frases certamente j� ouvidas e faladas por muitos. A discrimina��o por idade se apresenta de todas as formas, mais “gentis”, “camufladas” ou descaradamente “na cara”.

Um preconceito et�rio que culpa a idade por tudo. Preconceito que afeta mais de 60% da popula��o mundial e tamb�m � alimentado pela nega��o e relut�ncia em reconhecer que todos envelhecem, que ser�o pessoas velhas. Caso vivam.

Sandra Carvalhais, psiquiatra e psicanalista, coordenadora e professora do curso de p�s-gradua��o lato sensu em psiquiatria da Faculdade Ipemed de Ci�ncias M�dicas, lembra que � inevit�vel nos tornarmos velhos se permanecemos vivos. E acolher esse inevit�vel como uma fase da exist�ncia nos permitir� viv�-la na sua plenitude com suas dores e prazeres, alegrias e tristezas.

“Essa � a sabedoria do envelhecimento, aceit�-lo com a maturidade de nos sabermos finitos, de conviver com as modifica��es corporais e sociais e ter resili�ncia para manter a juventude ps�quica. “Essa juventude se revela na capacidade de lidar com todas as modifica��es que esse momento pode trazer e na capacidade de manter os v�nculos afetivos. A pensadora francesa Simone de Beauvoir descreve bem essa contradi��o: 'A impress�o que tenho � de n�o ter envelhecido embora esteja instalada na velhice'.”

Psiquiatra e psicanalista, Sandra Carvalhais enfatiza que o envelhecimento é um fenômeno híbrido com determinantes biológicos, psicológicos e sociais(foto: Arquivo Pessoal)
Psiquiatra e psicanalista, Sandra Carvalhais enfatiza que o envelhecimento � um fen�meno h�brido com determinantes biol�gicos, psicol�gicos e sociais (foto: Arquivo Pessoal)
A psiquiatra e psicanalista conta que o grande desafio identificado pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) para a popula��o idosa � acrescentar vida aos anos j� acrescentados: manter o envelhecimento ativo e a boa qualidade de vida.

Esse desafio deve ser um projeto pessoal, de cada sujeito dessa popula��o, para o qual necessitam-se de pol�ticas p�blicas voltadas para os idosos. E no contexto familiar, mesmo quando h� a inten��o explicita de cuidar dos velhos, os familiares frequentemente contribuem para aumentar a sua invisibilidade, na medida em que os infantilizam, enxergam a sua fragilidade e n�o as suas capacidades, o que intensifica a sua depend�ncia.

“Observa-se esse tipo de tratamento mesmo em contextos (servi�os de sa�de, espa�os de conviv�ncia para pessoas idosas) em que o esperado � exatamente o contr�rio, a estimula��o dessas pessoas para se manterem independentes e aut�nomos, com liberdade para fazer escolhas e tomar decis�es a respeito de si e da sua vida. O velho pensa e sente toda a gama das emo��es que pessoas mais jovens sentem, � capaz de amar e trabalhar.”

O grande desafio identificado pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) para a popula��o idosa � acrescentar vida aos anos j� acrescentados: manter o envelhecimento ativo e a boa qualidade de vida. Esse desafio deve ser um projeto pessoal, de cada sujeito dessa popula��o, para o qual necessitam-se de pol�ticas p�blicas voltadas para os idosos

Sandra Carvalhais, psiquiatra e psicanalista, coordenadora e professora do curso de p�s-gradua��o lato sensu em psiquiatria da Faculdade Ipemed de Ci�ncias M�dicas

Sandra Carvalhais enfatiza que o envelhecimento � um processo multideterminado relacionado com a passagem do tempo, um fen�meno h�brido com determinantes biol�gicos, psicol�gicos e sociais. “Esses determinantes s�o diferenciados pela hist�ria particular de cada sujeito. Relaciona-se com todos os aspectos estruturais da vida, como aspectos heredit�rios, etnia, vida urbana ou no campo, condi��es de sa�de, n�vel educacional, classe social e g�nero. Em um pa�s com tantas desigualdades sociais como o Brasil, h� uma acentua��o dessa heterogenicidade.”

E completa: “Nesse panorama de dificuldades para uma velhice bem-sucedida, encontramos pessoas que conseguem envelhecer de forma positiva. Exemplos est�o a� no dia a dia. O que as faz assim? Provavelmente, a capacidade de enfrentar os desafios da vida para super�-los com todas as marcas emocionais que possam deixar e continuar vivendo com alegria. “� preciso saber viver”, como canta o octagen�rio Roberto Carlos. Encontramos essas pessoas nos diversos estratos sociais e sabemos que a vida � mais desafiadora para os mais pobres. Felizmente, a sabedoria de vida n�o � estratificada pela classe social. Encontramos pessoas de todas as classes que apodrecem sem amadurecer mesmo nas classes mais altas”.

"A MESMA SOCIEDADE QUE GEROU LONGEVIDADE GEROU HORROR AO ENVELHECIMENTO"


A psiquiatra Sandra Carvalhais enfatiza que uma grande conquista das �ltimas d�cadas foi o aumento da longevidade das popula��es. E deveria ser vivenciada como uma conquista, um momento de prazer e liberdade. Entretanto, observa-se um paradoxo sintetizado pelo fil�sofo e escritor brasileiro Luiz Felipe Pond�: “A mesma sociedade que gerou a longevidade gerou o horror ao envelhecimento”. 

A palavra velho, segundo a psiquiatra, virou sin�nimo de algo negativo, como se ser velho remetesse sempre ao sentido de “gasto, antiquado” e criam-se express�es para substitu�-la: melhor idade, terceira idade etc., o que s� explicita o preconceito, a impossibilidade de aceitar o que se escancara.

“Em uma entrevista a prop�sito do seu anivers�rio de 85 anos, o ator carioca Paulo Autran se cansou de dizer para a rep�rter que o corrigia sempre que ele se referia como velho, usando um eufemismo ou dizendo 'velho n�o'. Em dado momento, j� impaciente ele diz: 'Velho sim, se uma pessoa que j� viveu mais de 80 anos n�o � velho, o que seria velho?'.”

O QUE J� DEVERIA SABER SOBRE O VELHO E A VELHICE*


No panorama de dificuldades para uma velhice bem-sucedida, há pessoas que conseguem envelhecer de forma positiva. Exemplos estão aí no dia a dia(foto: silviarita/Pixabay)
No panorama de dificuldades para uma velhice bem-sucedida, h� pessoas que conseguem envelhecer de forma positiva. Exemplos est�o a� no dia a dia (foto: silviarita/Pixabay)


  1. Ser idoso n�o torna a pessoa ranzinza, mal-humorada ou depressiva. Qualquer sujeito, em qualquer idade, pode apresentar essas caracter�sticas.
  2. Muitos idosos se recusam a aceitar a velhice, como se isso fosse poss�vel. N�o se v� como idoso, mas reconhece a velhice no outro da mesma idade. Parafraseando Sartre: “O velho � o outro”.
  3. Ser idoso n�o � sin�nimo de comprometimento da sa�de mental.
  4. Sim, h� decl�nio do corpo e pode ocorrer mudan�as de status social, diminui��o das rela��es sociais, altera��es na situa��o econ�mica e maior risco para doen�as cr�nico-degenerativas (como a depress�o e transtornos cognitivos, entre os quais as dem�ncias). 
  5. � poss�vel diminuir os riscos de uma velhice debilitada com comportamentos, h�bitos e atitudes ao longo da vida que possam manter reservas para alimentar o corpo e a alma no processo de envelhecimento.
  6. Envelhecimento ativo � resili�ncia para acessar as reservas necess�rias para se adaptar, suportar e aprender com os desafios que surgir�o ao longo da vida e que a sa�de, seguran�a financeira, conhecimentos e habilidades representam as reservas para conseguir o crescimento pessoal, que levam ao bem-estar e � qualidade de vida. 
  7. Envelhecimento n�o � um processo homog�neo. A idade cronol�gica n�o � um marcador preciso �s mudan�as que acompanham o envelhecimento. H� varia��es significativas relacionadas ao estado de sa�de, participa��o e n�veis de independ�ncia entre pessoas mais velhas que t�m a mesma idade.
  8. No modelo capitalista vigente, a inser��o social � muito identificada com o mundo do trabalho, a produ��o de riqueza. Estar fora desse mundo como � a situa��o da maioria das pessoas que passaram dos 60 anos representa a perda do seu valor social, s�o relegadas a um lugar marginalizado, tornam-se invis�veis, perdem o seu valor simb�lico. No mundo do trabalho s�o avaliados como pouco produtivos e desatualizados. Nesse contexto, a aposentadoria � uma imposi��o e n�o uma escolha. O que � um equ�voco. 
  9. As mulheres sofrem mais com o preconceito com rela��o ao envelhecimento. Mas h� uma press�o constante sobre homens e mulheres para ostentar uma apar�ncia jovem, para que n�o demonstrem sinais da passagem do tempo. Ambos s�o invis�veis ou subrepresentados, mas os homens ainda s�o representados mais positivamente do que as mulheres.
  10. As pessoas que podem experimentar a plenitude no envelhecimento s�o aquelas que amadureceram com sabedoria.

    *Fonte: Sandra Carvalhais, psiquiatra e psicanalista

RELA��ES AMOROSAS NA VELHICE

Um dos desafios para pessoas de 40, 50, 60, 70 anos é reconhecer que tem carências, desejos, querem companhia, afeto, relações sexuais, e não tem nada de mais (foto: pixel2013/Pixabau)
Um dos desafios para pessoas de 40, 50, 60, 70 anos � reconhecer que tem car�ncias, desejos, querem companhia, afeto, rela��es sexuais, e n�o tem nada de mais (foto: pixel2013/Pixabau)


Airton Gontow, de 59, jornalista, cronista, � o idealizador e criador do site de relacionamento Coroa Metade (www.coroametade.com.br) h� oito anos. Ele conta que o site � voltado para pessoas a partir de 40 anos e j� chegou � marca de 627 mil cadastros e 91 casamentos. Tudo surgiu depois de se separar aos 43 anos e sentir a dificuldade de uma nova rela��o. Casou-se novamente aos 45, o inc�modo desapareceu, mas em uma festa de amigos que se formaram juntos na antiga oitava s�rie e que n�o se encontravam havia 30 anos surgiu a ideia de um site de relacionamento para pessoas maduras ao perceber que 60% dos antigos colegas eram solteiros, vi�vos ou divorciados. E nas conversas, ouviu muitas queixas de ter facilidade para encontros casuais, mas dificuldade de conquistar uma rela��o duradoura e comprometida.

O jornalista Airton Gontow, de 59 anos, criou o site de relacionamento Coroa Metade há oito anos e já registra 627 mil cadastros(foto: Arquivo pessoal)
O jornalista Airton Gontow, de 59 anos, criou o site de relacionamento Coroa Metade h� oito anos e j� registra 627 mil cadastros (foto: Arquivo pessoal)
“Um dos desafios para pessoas de 40, 50, 60, 70 anos � reconhecer que tem car�ncias, desejos, querem companhia, afeto, rela��es sexuais, e n�o tem nada de mais. Com o anonimato � mais tranquilo, � um processo, menos exposi��o. H� mais mulheres do que homens. Elas d�o um banho de transpar�ncia, coragem e autenticidade. J� o homem n�o conta que participa porque tem vergonha, 'imagina o que o amigo vai pensar'. Em m�dia, 43% de homens e 57% de mulheres. Na pandemia, est� quase igual, j� que o homem teve de assumir que est� s� e precisa de algu�m”, conta Airton.

Chamado por alguns de “Tinder da maturidade”, Airton Gontow conta que os matchs no Coroa Metade tendem a ser mais s�rios porque a busca � mais espec�fica, ou seja, a preocupa��o em ter algu�m est�vel. Claro, h� procuras mais levianas e tamb�m s� por sexo. Mas homens e mulheres est�o � procura de honestidade e companheirismo. 

“Com o site at� mudei algumas opini�es. Antes, pensava que os mais velhos sabem o que querem. Na verdade, ningu�m sabe. Mas se eles n�o sabem o que querem, t�m a vantagem da maturidade de saber o que n�o querem. E aprendi que os opostos n�o se atraem, mas se traem. Se n�o h� afinidades, valores, objetivos em comum � dif�cil dar certo ap�s a paix�o. � fundamental ter planos de vida semelhantes.”



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