
Em 1987, Gordon Gekko, o inescrupuloso investidor do filme Wall Street - Poder e Cobi�a (1987), disse ao mundo: a gan�ncia � boa.
O longa — em �ltima an�lise, uma li��o de vida — mostra executivos obcecados por trabalho e riqueza passando longas horas em arranha-c�us de luxo para fechar neg�cios e aumentar seus rendimentos, �s custas de quem quer que entrasse em seu caminho.
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Se voc� vive e respira trabalho (e lan�a m�o de alguma flexibilidade moral), a mensagem era, as recompensas ser�o estimulantes — e imensas.
Embora muitos de n�s associem os workaholics (viciados em trabalho) ambiciosos aos anos 1980 e ao setor financeiro, a tend�ncia de nos dedicarmos demais ao trabalho e � glamouriza��o da cultura das horas extras continua t�o difundida quanto antes.Na verdade, est� se expandindo para mais setores e profiss�es, em formatos ligeiramente diferentes.
Novos estudos mostram que trabalhadores em todo o mundo est�o fazendo uma m�dia de 9,2 horas extras n�o remuneradas por semana — em compara��o com 7,3 horas um ano atr�s.
Os espa�os de coworking est�o cheios de cartazes nos encorajando a trabalhar mais. Empreendedores de tecnologia bilion�rios defendem sacrificar o sono para que as pessoas possam "mudar o mundo".
E desde a chegada da pandemia de covid-19, nossas semanas de trabalho ficaram mais longas; enviamos e-mails e mensagens pelo Slack (plataforma online para comunica��o corporativa) � meia-noite, enquanto as fronteiras entre nossa vida pessoal e profissional se dissolvem.
Na verdade, n�o estamos t�o longe dos anos Gekko quanto pens�vamos. Mas uma coisa mudou: sabemos muito mais sobre as consequ�ncias do excesso de trabalho, e como o burnout pode afetar nossa sa�de f�sica e mental.
Por�m, dada o qu�o arraigada � nossa admira��o pela cultura do trabalho estressante, acabar com nossa obsess�o pelo excesso de trabalho exigir� uma mudan�a cultural.
Ser� que o mundo p�s-pandemia pode ser a oportunidade de tentar botar isso em pr�tica?
Onde e por que isso acontece
O excesso de trabalho n�o � um fen�meno exclusivo do Vale do Sil�cio ou de Wall Street. As pessoas trabalham longas horas em todo o mundo, por v�rios motivos diferentes.
No Jap�o, a cultura da sobrecarga de trabalho remonta � d�cada de 1950, quando o governo fez muita press�o para que o pa�s fosse reconstru�do rapidamente ap�s a Segunda Guerra Mundial.
Na Liga �rabe, h� um alto n�vel de burnout entre os profissionais da �rea m�dica, possivelmente porque seus 22 membros s�o pa�ses em desenvolvimento com sistemas de sa�de sobrecarregados, sugerem estudos.
Os motivos para o excesso de trabalho tamb�m dependem do setor.
Algumas das primeiras pesquisas sobre burnout na d�cada de 1970 afirmavam que muitas pessoas em empregos voltados para ajudar os outros, como funcion�rios de cl�nicas ou centros de reabilita��o, tendiam a trabalhar horas extras, o que levava � exaust�o f�sica e emocional — uma tend�ncia tamb�m revelada durante a pandemia.
Mas milh�es de profissionais trabalham demais porque, de alguma forma, acham que � instigante — um s�mbolo de status que nos coloca no caminho do sucesso, que pode ser definido pela riqueza ou por uma postagem no Instagram que faz parecer que estamos vivendo uma vida de sonho com o emprego dos sonhos .

A romantiza��o do trabalho parece ser uma pr�tica especialmente comum entre os "profissionais do conhecimento" nas classes m�dia e alta. Em 2014, a revista americana New Yorker chamou essa devo��o ao excesso de trabalho de "culto".
"N�s glorificamos o estilo de vida, e o estilo de vida �: voc� respira algo, dorme com algo, acorda e trabalha nisso o dia todo e depois vai dormir", diz Anat Lechner, professora cl�nica de administra��o na Universidade de Nova York, nos EUA.
"E sucessivamente."
As origens
Mas de onde vem essa tend�ncia de glamourizar a sobrecarga de trabalho?
Por que, em pa�ses ricos e ocidentais, como o Reino Unido e os Estados Unidos, existe a sensa��o de que se matar de trabalhar � algo para se gabar?
As ra�zes desse fen�meno remontam � '�tica protestante do trabalho' no s�culo 16 — uma vis�o de mundo sustentada por protestantes brancos na Europa que fazia o trabalho �rduo e a busca pelo lucro parecerem virtuosos.
Sally Maitlis, professora de comportamento organizacional e lideran�a na Universidade de Oxford, no Reino Unido, explica que "mais tarde, o est�mulo � efici�ncia que surgiu a partir da Revolu��o Industrial", assim como a forma como valorizamos a produtividade, "incorporaram ainda mais o valor do trabalho �rduo e consistente, muitas vezes �s custas do bem-estar pessoal".
Avance para a era yuppie de Margaret Thatcher (ex-primeira-ministra do Reino Unido) e Ronald Reagan (ex-presidente dos EUA), quando passar longas horas no escrit�rio para sustentar o estilo de vida baseado na ascens�o social e no consumismo desenfreado da d�cada se tornou mais comum.
Posteriormente, no final dos anos 1990 e no in�cio dos anos 2000, os workaholics come�aram a ser identificados n�o por blazers, mas sim por moletons, � medida que as startups de tecnologia se transformavam em gigantes como Google e Facebook, e o poder foi transferido para o Vale do Sil�cio.
A sociedade come�ou a glorificar os empreendedores que diziam querer mudar o mundo e nos contavam como estruturavam seus dias (bem longos) para conseguir isso.
Maitlis destaca uma mudan�a motivacional entre os Gordon Gekkos e os Mark Zuckerbergs do mundo; os �ltimos sentiam que eram movidos pela "paix�o pelo produto ou servi�o, ou por um prop�sito superior". (E grande parte dessa nova tecnologia acabou permitindo o tipo de sobrecarga de trabalho e burnout que enfrentamos hoje.)
Atualmente, muita gente trabalha mais do que deveria para pagar d�vidas, simplesmente manter seus empregos ou subir na carreira (e, em muitos casos, as empresas esperam que os funcion�rios trabalhem horas extras e estejam constantemente dispon�veis).
Mas para aqueles que abra�am a cultura workaholic, tamb�m h� um elemento perform�tico, que pode ser manifestar sob a forma de um carro novo para ostentar, de uma 'carreira dos sonhos' por fazer algo significativo ou at� mesmo de exaust�o, exibida como uma esp�cie de trof�u bizarro.
S�culos atr�s, "os caras faziam duelos e ficavam com uma cicatriz de combate, que � quase uma esp�cie de medalha de honra. Voc� lutou e sobreviveu", diz Christina Maslach, professora em�rita de psicologia da Universidade da Calif�rnia em Berkeley, nos EUA.
"� quando voc� se gaba: 'Sim, eu n�o durmo'. � esse tipo de coisa."
Atalho para o burnout
Em paralelo a esse culto ao trabalho, no entanto, veio uma consequ�ncia desagrad�vel — o burnout.
"O burnout tem ciclos — como se fosse redescoberto, depois morre, � redescoberto novamente", diz Maslach, que estuda o burnout desde os anos 1970.
Naquela �poca, o esgotamento profissional estava sendo estudado em volunt�rios de cl�nicas de reabilita��o de drogas e trabalhadores do setor de servi�os humanit�rios, muitos dos quais ficavam de plant�o durante a noite, e relatavam dores de cabe�a, depress�o e irritabilidade no trabalho.
Uma d�cada depois, quando a economia estava indo muito bem em lugares como os Estados Unidos e o Reino Unido, a obsess�o capitalista disparou, e as pessoas come�aram a trabalhar mais duro e por mais tempo. Mas, embora o excesso de trabalho tenha sido reverenciado, o burnout que se seguiu n�o foi.
A Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) define o burnout como uma s�ndrome "resultante do estresse cr�nico no local de trabalho e n�o administrado com sucesso", caracterizada por sentimentos de exaust�o, sentimentos negativos em rela��o ao trabalho e redu��o da efic�cia profissional.
Em outras palavras, deixa voc� se sentindo desumanizado, fisicamente e emocionalmente exausto e questionando por que aceitou o emprego. A OMS reconheceu formalmente o burnout como um 'fen�meno ocupacional' em 2019.
"Hoje, a coisa pegou fogo", diz Lechner. Algumas d�cadas atr�s, "a abrang�ncia disso n�o era nada parecido com o que voc� v� hoje".
Embora grande parte da "cultura do burnout tenha vindo de Wall Street", diz ela, � ainda pior agora, porque colocamos em um pedestal empreendedores de tecnologia que mal dormem.
Elon Musk, CEO da Tesla e da SpaceX, tuitou em 2018 que, quando se tratava de suas empresas, "h� lugares muito mais f�ceis de trabalhar, mas ningu�m nunca mudou o mundo com 40 horas por semana".
"A velha distin��o entre dia e noite ou: 'Vamos trabalhar at� as 17h, depois vamos beber e dormir �s 22h' � para o s�culo 20. O s�culo 21 � muito diferente", avalia Lechner.
"Vivemos em uma cultura que funciona 24/7. As redes sociais funcionam 24/7, o Amazon Prime � 24/7, tudo � 24/7. N�o temos esses limites fixos."
O futuro
No entanto, embora estejamos trabalhando mais duro do que nunca e os jovens profissionais enfrentem uma combina��o potencialmente t�xica de grandes press�es financeiras (d�vida estudantil, combinada com sal�rios mais baixos e pre�os de moradia mais altos), press�o para encontrar "sua paix�o" e press�o para arrumar um emprego est�vel em um mercado de trabalho cada vez mais inseguro, pode haver alguns pequenos sinais de mudan�a.
Em mar�o, foi divulgado um levantamento feito por 13 analistas iniciantes do banco de investimento Goldman Sachs que denunciava as condi��es de trabalho na empresa. Os entrevistados disseram que trabalhavam uma m�dia de 95 horas semanais e dormiam cinco horas por noite.
"Isso est� al�m do n�vel de 'trabalho duro', � desumano/abusivo", disse um entrevistado na pesquisa, � qual a BBC teve acesso.
No TikTok, usu�rios da Gera��o Z desabafam sobre conflitos de sa�de mental e criam comunidades em que discutem abertamente sobre depress�o, ataques de p�nico e burnout.

E por mais exaustiva que a pandemia seja, ela tamb�m nos for�ou a ver o equil�brio entre a vida profissional e pessoal de uma maneira totalmente nova.
Em abril, o LinkedIn conduziu uma pesquisa com mais de 5 mil usu�rios durante duas semanas: 50% e 45% dos entrevistados disseram que a flexibilidade de hor�rio e localiza��o e o equil�brio entre vida pessoal e trabalho, respectivamente, se tornaram mais importantes para eles desde o in�cio da pandemia.
"A pandemia foi poderosa n�o apenas para destacar muitas das coisas que mais importam — sa�de, fam�lia, relacionamentos — e para interromper algumas das rotinas e sistemas que mantinham as pessoas na esteira", analisa Maitlis.
Em resposta, algumas empresas come�aram a falar sobre oferecer programas de sa�de mental mais robustos para os funcion�rios, incluindo benef�cios como sess�es de terapia ou acesso gratuito a aplicativos de bem-estar.
No entanto, especialistas acreditam que � altamente improv�vel que estejamos entrando em uma nova era que prioriza o bem-estar em vez do excesso de trabalho.
Por exemplo, embora a tecnologia tenha possibilitado que trabalhemos de casa indefinidamente, ela tamb�m nos vincula a trabalhar o dia todo. Se houver uma confer�ncia com profissionais baseados em Londres, T�quio, Nova York e Dubai, algumas pessoas ter�o que acordar mais cedo para participar.
Se n�o acordarem, a empresa encontrar� algu�m que o fa�a — porque, enquanto glamourizarmos dinheiro, status e realiza��es, sempre haver� pessoas que trabalhar�o duro para conseguir isso.
E no fim das contas, as empresas querem ganhar dinheiro.
"N�s desumanizamos o local de trabalho h� muito tempo, e n�o estou dizendo isso com orgulho", afirma Lechner.
Para muitas empresas, permanece a l�gica: trabalhe demais ou fique para tr�s.
� por isso que ela n�o acredita que o burnout ser� resolvido em um futuro pr�ximo.
"N�o � necessariamente uma mensagem que as pessoas gostam de ouvir."
"Elas acham que estabelecem uma rela��o com o empregador em que: 'Eu trabalho muito, voc� cuida de mim'. Novamente, esta � uma mentalidade do s�culo 20."
Estamos numa encruzilhada: podemos priorizar o nosso bem-estar, ou priorizar o envio de um e-mail �s 3h da manh� porque vai impressionar o chefe.
Deixar as pessoas trabalharem de casa s� pode ajudar at� certo ponto no sentido de aliviar o fardo — depende dos trabalhadores parar de tornar o burnout de alguma forma desej�vel, e cabe �s empresas parar de fazer os trabalhadores sentirem que deveriam torn�-lo desej�vel.
"Os locais de trabalho podem ser ambientes muito prejudiciais � sa�de — se temos alguma chance de mudar a forma como trabalhamos, a hora de fazer isso � agora", sugere Maslach.
"Se voc� pegar uma planta, coloc�-la em um vaso, n�o regar, oferecer uma terra de m� qualidade e luz do sol insuficiente, n�o importa o qu�o linda a planta era para come�ar — ela n�o vai prosperar."
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Work Life.
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