
A nomofobia � considerada um transtorno da sociedade digital contempor�nea. Estar o tempo inteiro conectado n�o deixa de ser uma caracter�stica inerente aos modos de viver da era moderna, avalia a psic�loga Ana Carolina Gon�alves, mas ficou ainda mais em evid�ncia com o distanciamento social exigido entre as medidas de enfrentamento da COVID-19. Boa parte das pessoas tem mantido relacionamentos e modos de comunica��o exclusivamente por meio de smartphones e tablets.

Ela alerta que o h�bito come�a a ser prejudicial quando o uso do celular passa a ser a �nica fonte de prazer. “Quando todas as outras formas de obter prazer s�o substitu�das pelo celular, quando o sujeito se interessa e se dedica mais �s rela��es e situa��es virtuais do que �s presenciais.” Nesse ponto, h� um descontrole tendo em vista que a intera��o social presencial � trocada por aquela virtual, a que oferece mais prazer. “A maneira de retomar o equil�brio � justamente permitir-se momentos de intera��o social presencial, diminuindo gradativamente a intera��o social �nica e exclusivamente pelo virtual”, orienta.
Kalrhen se recorda da afli��o que viveu num dia em que a bateria do celular chegou ao fim durante o percurso para uma reuni�o. Ela estava atrasada e n�o conseguiu avisar os participantes do encontro. “Quase perdi o cliente. Ainda bem que ele compreendeu”, lembra ela, reconhecendo o sentimento de afli��o. Por mieo do celular, Kalrhen se comunica com a fam�lia, os amigos, no Brasil e no exterior, acompanha as not�cias do futebol e guarda os registros da filha. Com o dia corrido e as demandas do trabalho, admite que as intera��es virtuais se sobressaem aos encontros cara a cara. “Dificilmente me encontro com as pessoas”, afirma.

Kalrhen Braga
, jornalista
Hist�rico
O termo nomofobia origina-se da express�o inglesa no-mobile phone phobia. Os sentimentos percebidos s�o justificados com o medo de n�o conseguir saber o que est� ocorrendo no mundo ou de necessitar acionar algu�m, ou ser acionado imediatamente e n�o ter como pedir ajuda, observa a psic�loga Ana Carolina Gon�alves.
Quando os primeiros sinais de abstin�ncia do celular aparecem, j� � um alerta de que algo n�o vai bem, segundo Ana Carolina. S�o situa��es que v�o desde ang�stia, vazio existencial (a vida parece n�o ter mais sentido), desespero, estresse, irritabilidade, n�useas, taquicardia, sudorese, tens�o muscular e at� mesmo crises de p�nico. Outras consequ�ncias podem ser a falta de concentra��o, dist�rbios de vis�o por causa da exposi��o excessiva � tela, sedentarismo, tendinite, problemas de coluna por causa da postura e m� alimenta��o.
Sa�da � buscar uso equilibrado
A nomofobia ainda est� sendo estudada e o tema merece mais pesquisas, na avalia��o da psic�loga Renata Alvarenga. “Com as novas tecnologias e as oportunidades de interatividade presentes cada vez mais no nosso dia a dia, seja via computador, telefone celular, percebemos que isso afeta e modifica todos os nossos modos de vida. O uso de celular de forma desenfreada desencadeia o medo de ficar sem se conectar, se divertir, se comunicar”, afirma.
Considerando-se que as rela��es interpessoais na p�s-modernidade s�o mediadas cada vez mais pelas tecnologias, trata-se de um desafio lidar com o celular, acrescenta Renata Alvarenga, j� que o homem apresenta respostas emocionais e f�sicas ligadas a esse contexto. “O medo de ficar sem celular pode ter diferentes origens, mas talvez o desamparo existencial de o sujeito ter que se haver com a sua vida, com a sua trajet�ria. Em alguma medida, o celular e a tecnologia o distraem dessa condi��o de existir, construir e se responsabilizar pela sua pr�pria hist�ria. Sem o celular, voc� se depara com voc� mesmo e com o outro. Isso � muito desafiador, mas tamb�m � muito importante. � o sujeito ter que pensar sobre suas quest�es, experimentar ser aceito ou rejeitado nas rela��es. Ter que viver", observa.
"Sem o celular, voc� se depara com voc� mesmo e com o outro. Isso � muito desafiador”
Renata Alvarenga
, psic�loga
Existe uma rela��o que � natural, aquela que permite aproveitar as inova��es tecnol�gicas para os relacionamentos sociais, para o trabalho, para o crescimento, ensina Renata. “Mas, ao mesmo tempo, existe a depend�ncia que � patol�gica, que se configura quando os indiv�duos n�o conseguem mais ficar sem o seu objeto de depend�ncia, o celular ou o computador. A� aparecem sintomas e altera��es emocionais e comportamentais importantes”, diz.
Nessa linha de pensamento, Renata lembra que, nos relacionamentos pessoais, face a face, desconectar-se de algu�m, como no fim de um relacionamento, por exemplo, � muito dif�cil e frequentemente doloroso, ao passo que, pelas redes sociais, basta bloquear ou parar de seguir a pessoa, o que pode ser mais f�cil. “Buscar o equil�brio, saber a hora de conviver presencial ou virtualmente com as pessoas, saber o impacto que temos sobre o outro, e o que o outro tem sobre a gente, � fundamental. Entender esses desafios da vida p�s-moderna, identificar a hora de desacelerar, valorizar as pr�ticas do dia dia � fundamental para a sa�de mental”, ensina.
Ferramenta da 'modernidade l�quida'

A teoria da modernidade l�quida, criada pelo spci�logo polon�s Zygmunt Bauman (foto), ilustra bem o desafio de lidar com as tecnologias, numa �poca em que as rela��es sociais, econ�micas e de produ��o se tornaram fr�geis, fugazes e male�veis, como diz o autor, da mesma forma que os l�quidos. O conceito se op�e, segundo Bauman, �s rela��es humanas e sociais s�lidas, estuturadas junto � ci�ncia e ao pensamento. A psic�loga Renata Alvarenga destaca que o soci�logo fala de uma sociedade em que as rela��es, com o passar do tempo, est�o ficando cada vez mais superficiais. “As pessoas est�o ficando com uma certa dificuldade de conviver umas com as outras. � um outro que muitas vezes � imperfeito mesmo, limitado, e da� surge a op��o por essa rela��o virtual, em que n�o existe o olho no olho. Uma das caracter�sticas principais apontadas sobre as dimens�es das rela��es chamadas reais e as rela��es on-line � essa diferencia��o na dificuldade e na facilidade de se conectar e desconectar das pessoas”, pontua a psic�loga.