
Existe uma �rea cinzenta entre ser um pouco desonesto e trapacear ativamente.
Quem nunca fingiu n�o ter visto seu marcador na propriedade de um advers�rio no Banco Imobili�rio ou deu uma espiada nas cartas dos oponentes ao jogar Detetive? Mesmo se nossa inten��o nunca fosse de enganar, a adrenalina de n�o pagar aluguel ou conseguir uma vantagem sobre os demais parece ser bem-vinda.
Embora isso possa causar discuss�es familiares nos feriados e talvez o inesperado cancelamento do jogo, trapacear � um problema importante nos jogos profissionais. T�cnicos de equipes de competi��o do jogo Counter Strike, por exemplo, j� baniram jogadores que exploravam falhas do jogo e combinavam resultados.
Jogadores profissionais de videogame podem ganhar milh�es de d�lares e, por isso, qualquer possibilidade de fraude � profundamente investigada. Tamb�m o mundo do bridge ("o xadrez das cartas") e do p�quer profissional foi recentemente abalado por esc�ndalos de fraude nos jogos.
Mas, apesar das tentativas de evitar fraudes por amadores e profissionais, trapacear � mais comum do que pensamos. E, surpreendentemente, pode tamb�m ser algo positivo.
Fraudes at� em jogos inesperados
Criado em 1999, Whyville � um jogo educativo para crian�as com 8 anos de idade ou mais que poder� parecer um local improv�vel para investigar trapaceadores. Mas existem evid�ncias de que as fraudes surgem em qualquer lugar, segundo Mia Consalvo, autora do livro Cheating: Gaining Advantage in Videogames ("Trapacear: obtendo vantagens em videogames", em tradu��o livre) e professora de estudos e design de jogos e estudos da comunica��o da Universidade Concordia em Montreal, no Canad�.Os jogadores resolvem quebra-cabe�as de ci�ncias e matem�tica em troca de "clams" - a moeda virtual do mundo de Whyville. Os clams podem ser trocados por atualiza��es de avatar como novas caracter�sticas faciais, cortes de cabelo ou pertences, enquanto os jogadores podem projetar suas pr�prias atualiza��es e vender a qualquer pre�o que quiserem no mercado do jogo.
Whyville ganhou pr�mios pelo uso inovador de moedas virtuais e por atrair audi�ncia mais jovem e principalmente feminina para a matem�tica e as ci�ncias. Em um dado momento, um v�rus - chamado Whypox - infectou os rostos dos avatares e os jogadores precisaram descobrir como elimin�-lo.

"Quando soube que esse jogo era para meninas adolescentes, perguntei aos desenvolvedores: 'voc�s provavelmente n�o tem problemas com fraudes, certo?'", relata Consalvo. Ela tinha boas raz�es para acreditar nisso, pois a maioria das pesquisas sobre fraudes at� ent�o concentrava-se nos homens, segundo ela - acreditava-se que os homens trapaceavam mais que as mulheres.
Mas os desenvolvedores de Whyville notaram algo incomum. 68% da audi�ncia eram meninas com 8 a 13 anos de idade, mas as fraudes eram generalizadas.
Como em muitos jogos, havia c�digos de fraudes e guias passo a passo. Mas os jogadores tamb�m fraudavam as contas dos outros ou criavam contas secund�rias para ganhar mais clams, segundo descobriram Yasmin Kafai, professora de aprendizado da Universidade da Pensilv�nia, e Deborah Fields, da Universidade do Estado de Utah, ambas nos Estados Unidos.
Consalvo tamb�m ficou fascinada com outro tipo de fraude no jogo - algo que poucas vezes ela havia visto antes. Usando a fun��o de bate-papo, algumas das meninas estavam manipulando o mercado de clams, conspirando para elevar o valor dos seus pertences.
Grupos de meninas expressavam publicamente como uma atualiza��o espec�fica era rara ou desejada e quanto elas estariam dispostas a pagar, para ludibriar outras jogadoras cobrando pre�os excessivos pelos seus pertences. Consalvo considera isso uma esp�cie de "arbitragem social" - uma forma de manipula��o do mercado.
"Brilhante, n�o?", exclama Consalvo, sobre a genialidade das meninas. "Voc� nunca pode prever quem far� o qu� em um jogo. Sempre estar� surgindo algo novo e interessante."
Mas por que elas estavam trapaceando? Consalvo descreve no seu livro uma ideia chamada de "capital de jogo". Ser bom em um jogo traz um selo social que eleva voc� na comunidade. Os bons jogadores querem manter sua posi��o e ser considerados especialistas.
"Existe esse conhecimento que voc� obt�m depois de jogar muito um jogo espec�fico... e � algo que voc� quer compartilhar com os colegas", afirma Consalvo. "A ideia � que voc� tem uma esp�cie de 'capital cultural'."
Mas, para manter essa posi��o, os jogadores �s vezes precisam trapacear. Curiosamente, os melhores jogadores poder�o sentir necessidade de trapacear mais que os jogadores que s�o piores que eles. O medo de perder algo parece motivar mais a fraude que a possibilidade de ganhar.
Isso poder� ocorrer porque a perda que o jogador sente em um jogo � real. � dolorido ter seu capital de jogo retirado de voc�, mesmo se voc� estiver perdendo apenas dinheiro do Banco Imobili�rio ou moedas virtuais do Whyville.

A ideia de trapacear para manter sua posi��o poder� ser sustentada por evid�ncias de outras �reas. Kerry Ritchie, que pesquisa m�todos de aprimorar o ensino na Universidade de Guelph em Ont�rio, no Canad�, afirma que a maioria das fraudes acad�micas � conduzida por estudantes com melhores resultados (60% dos fraudadores ganharam notas de 80% ou mais). Embora as fraudes na educa��o n�o sejam o mesmo que trapacear em um jogo, a similaridade � a press�o que aqueles que est�o no topo sentem para manter sua posi��o.
Mas existem outros fatores que influenciam se trapaceamos ou n�o. Quanto mais amigos fraudadores tiver um jogador, por exemplo, mais prov�vel ser� que ele trapaceie no futuro.
Isso poder� ocorrer por dois motivos: influ�ncia social - as a��es dos nossos amigos fazem com que n�s alteremos nosso comportamento - ou homofilia, quando buscamos amigos que sejam como n�s mesmos. "As pessoas dir�o 'bem, outras pessoas tamb�m est�o trapaceando e eu preciso de qualquer vantagem que puder conseguir'", acrescenta Consalvo.
Ent�o os jogadores honestos de Whyville estavam sendo for�ados a trapacear pelos seus amigos desonestos? Ou as pessoas mais propensas a cometer fraudes procuram umas �s outras para serem amigas?
Existem pesquisas que indicam que este �ltimo pode ser o motivo, pois n�s tendemos a ser amigos de pessoas que exibem n�veis similares de confiabilidade. Mas Kafai e Fields observam que a manipula��o de mercado em Whyville exige muita intera��o social, de forma que os amigos poder�o estar influenciando uns aos outros.
Trapacear em grupo tamb�m poder� permitir que alguns jogadores justifiquem seu comportamento. Os jogadores s�o mais propensos a comportar-se de forma desonesta se puderem dizer que isso beneficia outras pessoas, al�m deles pr�prios.
Em continua��o ao seu estudo sobre fraudes no jogo Whyville 10 anos depois, Kafai e Fields descobriram que - embora a idade m�dia dos jogadores tenha aumentado um pouco - as fraudes ainda eram comuns e discutidas abertamente entre os jogadores. Kafai e Fields afirmam que isso pode ser algo positivo, pois incentiva os jogadores jovens a lidar com julgamentos morais e, como as fraudes s�o muitas vezes uma atividade comunit�ria, elas exigem negocia��o.

Mas elas tamb�m observaram os efeitos negativos das fraudes. Embora algumas delas fossem mais ou menos in�cuas, ter seus clams roubados ofende os jogadores.
Kafai e Fields d�o como exemplo uma menina com 12 anos de idade, Zoe, que, um dia depois de ter suas economias roubadas, praticou um golpe pela primeira vez. Ela parou de jogar duas semanas depois. A magia do jogo havia sido perdida.
Kafai e Fields explicam que os golpes s�o atividades dirigidas a outros jogadores fora do projeto do jogo e tamb�m especulam que poder�o estar relacionados ao ciberbullying. Elas afirmam que a alta quantidade de golpes no jogo demonstra a necessidade de educar as crian�as sobre os efeitos das suas a��es.
Al�m dos jogos com m�ltiplos jogadores, trapacear poder� melhorar os jogos solit�rios, sem prejudicar a divers�o de outros jogadores. Quando se joga sozinho, as fraudes podem melhorar o humor, liberar o estresse e satisfazer necessidades psicol�gicas.
Mia Consalvo ressalta isso por v�rias raz�es. Primeiramente, os jogos �s vezes n�o s�o perfeitos. Uma pequena falha ou omiss�o poder� fazer com que um jogador fique "preso" - e isso n�o � divertido para ningu�m. Ela afirma que essa � a principal raz�o por que a maioria das pessoas comete fraudes nos jogos.
Ela compara com ler um livro. Se o leitor precisar entender completamente um cap�tulo antes de passar para o seguinte, ele poder� perder o interesse e abandonar o livro. Mas muitos jogos s�o projetados de forma que um jogador precisa completar um n�vel antes de seguir adiante. Ao contr�rio do livro, os trechos dif�ceis n�o podem ser "pulados".
E alguns jogos tamb�m s�o mon�tonos, segundo Consalvo, e poder� ser mais divertido "brincar de Deus" e fazer experimentos com o jogo. Os jogadores podem demonstrar sua criatividade encontrando novas formas de jogar - usando fraudes para definir novos limites.
Se tudo o que est� em risco s�o moedas imagin�rias ou o seu pr�prio orgulho por completar um jogo honestamente, talvez as fraudes n�o sejam t�o ruins. Os jogadores trapaceiros de Whyville que manipulam o mercado certamente est�o demonstrando sua criatividade. Vamos esperar que eles tamb�m aprendam onde est� o limite entre o certo e o errado.
Leia a �ntegra desta reportagem (em ingl�s) no site da BBC Future.
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