Sa�de mental � fundamental para viver bem, com equil�brio e harmonia mesmo com os obst�culos da vida (foto: Gerd Altmann/Pixabay)
O c�rebro humano � um enorme mist�rio. E a mente tamb�m. A rela��o entre eles � intr�nseca, como afirmou o psiquiatra americano Glen Owens Gabbard. Eles n�o s�o entidades separadas, mas “a mente � a atividade do c�rebro”. O c�rebro � o lado f�sico, e a mente, o abstrato. E a harmonia entre eles � grande passo para a sa�de mental. Mas ambos s�o t�o elaborados, desafiadores, t�m tantas camadas que, por mais que sejam desvendados pela ci�ncia n�o s�o completamente dominados.
Na verdade, quanto mais se sabe, mais se tem a descobrir. Intrigam cientistas, fascinam e est�o no controle das dores e del�cias da vida. E quando se trata da sa�de mental, � necess�rio que a pr�tica psicol�gica e psicanal�tica se reinvente, acompanhe as transforma��es humanas e busque mudan�as de tratamento e acolhimento, tanto para os especialistas quanto para os pacientes, para que o sofrimento cesse e o bem-estar, a qualidade de vida e a sa�de cl�nica e mental prevale�am.
Uma das descobertas mais recentes, de 2003, � o brainspotting, nome que nasce da jun��o das palavras c�rebro (brain) e ponto (spot), um m�todo de tratamento para a sa�de mental que a partir da posi��o ocular � poss�vel acessar um evento traum�tico espec�fico na vida de uma pessoa e criar condi��es para que o c�rebro processe e organize essa experi�ncia.
Nabeeha Amrin, de 20 anos (foto: Arquivo Pessoal)
O resultado foi �timo. Ele me ajudou a superar meu medo de tocar em cachorros e ficar mais pr�xima deles
Os resultados alcan�ados por Grand diante de traumas tamb�m est�o registrados no document�rio que dirigiu, “Come hell or high water”, sobre os sobreviventes dos ataques terroristas �s torres do World Trade Center de Nova York, que ele levou a Nova Orleans depois do desastre do Furac�o Katrina.
No document�rio, David Grand e tr�s de seus pacientes – a m�e de uma v�tima do 911, um sobrevivente de um bombardeio e um homem com dor cr�nica – v�o de NY para Nova Orleans ap�s o furac�o Katrina. Eles encontram sobreviventes e come�am uma jornada de cura juntos.
Grand, ali�s, faz parte de uma equipe de pesquisa que usa tomografias tipo fMRI para estudar os efeitos do trauma sobre o c�rebro. Essas imagens magn�ticas ilustram as mudan�as na fisiologia do c�rebro de sobreviventes a um trauma, resultando em diferentes modalidades de tratamento.
Milsane de Paula, de 49 anos, publicit�ria e cozinheira e empreendedora (foto: Arquivo Pessoal)
Fiz descobertas impressionantes sobre mim. E isso foi libertador, virando chaves fundamentais que possibilitaram uma mudan�a de pensamento
Milsane de Paula, de 49 anos, publicit�ria e cozinheira e empreendedora
O brainspotting est� se consolidando como uma t�cnica v�lida e eficaz para tratamento de transtornos psicol�gicos. Ela � bem semelhante ao processo neuropsicol�gico de uma medita��o, ativando �reas espec�ficas do c�rebro que permitem a passagem de conte�dos inconscientes � consci�ncia de forma a n�o julgar o que vem � tona. Especialistas garantem que ela aborda rapidamente quest�es que a terapia verbal pode levar anos para curar.
Milsane de Paula, de 49 anos, publicit�ria, cozinheira empreendedora, lembra que ao procurar um processo terap�utico foi apresentada ao brainspotting. “Sou empreendedora e durante a pandemia abri dois restaurantes que iam muito bem at� que vieram as chuvas, ent�o tudo ruiu. Fiquei perdida, desanimada, embora tivesse que continuar, porque investi todas as reservas que tinha nesse empreendimento.” Passando por um processo de capacita��o, a mentora dela sugeriu terapia e ela aceitou fazer, at� para resolver sua rela��o com o dinheiro, que sempre foi uma coisa confusa e complexa.
“Adoro meu trabalho, sempre me entreguei a ele, pelo trabalho, pela realiza��o, pela satisfa��o de fazer perfeito. Mas sempre tive problemas com as quest�es de remunera��o, de movimenta��o de valores. Nunca foi tranquilo cobrar pelo meu trabalho. Sempre fiz terapia e senti que esse m�todo, se � que posso chamar assim, foi muito mais eficaz para minhas dores. Em apenas uma sess�o fiz descobertas impressionantes sobre mim. E isso foi libertador, virando chaves fundamentais que possibilitaram uma mudan�a de pensamento.”
Milsane de Paula revela que o brainspotting a fez enxergar claramente onde estava o cerne do problema. “Sempre busquei por ele e associava a fatores aleat�rios, que embora tamb�m sejam problemas, n�o tinham rela��o com a constru��o do meu comportamento, por exemplo, de autossabotagem. Ainda estou em processo e espero evoluir com ele, porque de fato est� sendo libertador.”
Pedro Henrique Paganella, de 20 anos, jogador das categorias de base do Clube Atl�tico Metropolitano, de Blumenau (SC) (foto: Arquivo Pessoal)
O brainspotting tem o poder de digerir os traumas, tornando-os experi�ncias normais e n�o mais traum�ticas, fazendo com que os resultados tivessem uma mudan�a not�vel
Pedro Henrique Paganella, de 20 anos, jogador das categorias de base do Clube Atl�tico Metropolitano, de Blumenau (SC)
Quem tamb�m destaca os benef�cios do brainspotting � Pedro Henrique Paganella, de 20, jogador das categorias de base do Clube Atl�tico Metropolitano, de Blumenau (SC), e estudante de fisioterapia. Ele conheceu o brainspotting por meio da leitura do livro “O c�rebro no esporte: Superando os bloqueios e a ansiedade de performance.
“Ap�s fazer a leitura, encontrei o e-mail do autor e criador do brainspotting, David Grand. Resolvi contat�-lo e agradec�-lo pelo livro. Ap�s isso, recebi o contato de uma treinadora do m�todo, que me perguntou sobre o meu envolvimento no esporte. Expliquei que n�o havia condi��es financeiras para arcar com o tratamento, mas estava fazendo por conta pr�pria, de acordo com o livro. A partir da� acabamos marcando uma sess�o e nos conhecendo, e esse foi um dos passos essenciais para o meu crescimento profissional e pessoal.”
Pedro Henrique Paganella revela que o que o levou a procurar solu��es para os seus bloqueios foi, principalmente, por estar performando mal em campo, tendo um rendimento ruim perto do que sabia que era capaz. E, ent�o, ao conhecer a ferramenta brainspotting, resolveu se aprofundar e us�-la como tratamento.
“Ainda mais que achei as ra�zes respons�veis pelo meu mau rendimento em campo. J� tive acompanhamento psicol�gico quando tinha cerca de 7 anos, mas n�o surtiu efeito, tanto que minha m�e resolveu parar de me levar ao psic�logo. J� o brainspotting, realmente, tem o poder de digerir os traumas, tornando-os experi�ncias normais e n�o mais traum�ticas, fazendo com que os resultados tanto no esporte quanto na vida tivessem uma mudan�a not�vel, ao ponto de n�o gerar tens�es e bloqueios. Mas claro que tudo isso leva tempo e disciplina, mas � eficaz.”
Pedro Henrique conta que ainda est� em fase de tratamento, mas garante que muitos dos bloqueios e traumas gerados no esporte est�o curados hoje, e alguns ainda em processo de cura. “E sempre que for necess�rio vou retomar o tratamento, ser� minha primeira escolha.”
E a estudante indiana Nabeeha Amrin, de 20, que fez interc�mbio no Brasil h� alguns anos, teve contato com o brainspotting porque tinha medo de cachorro e a fam�lia que a recebeu no Brasil tinha um animal. Por isso, ela precisou fazer a terapia para conviver melhor com todos na nova casa.
“A fam�lia que me recebeu falou sobre o brainspotting e pensei que poderia ser algo bom para tentar. Foi diferente dos tratamentos psicol�gicos que eu j� tinha visto, estava tendo fobia de animais, especialmente cachorros. O resultado foi �timo. Ele me ajudou a superar meu medo de tocar em cachorros e ficar mais pr�xima deles. Foi diferente porque n�o foi s� minha psic�loga me pedindo para superar o medo e ir l� ver se realmente funcionou. J� encerrei o processo, mas faria novamente se precisasse e indico para as pessoas que conhe�o e est�o passando pelo mesmo problema.”
COMETA E A CAUDA
Priscila Fuzikawa, mestre em sa�de p�blica pela UFMG, diz que com o brainspotting tamb�m � poss�vel aprimorar a habilidade de falar um idioma com mais desenvoltura ou aprimorar a apresenta��o de uma obra musical (foto: Arquivo Pessoal)
O terapeuta, durante todo o atendimento, fica sintonizado com o processo do cliente e o acompanha. � como se o cliente fosse a cabe�a do cometa, e o terapeuta a cauda, explica.
Priscila Fuzikawa pontua que com o brainspotting tamb�m � poss�vel aprimorar a habilidade de falar um idioma com mais desenvoltura ou aprimorar a apresenta��o de uma obra musical: “A pr�pria terapia foi descoberta dessa forma, quando David Grand tratava de uma atleta que n�o conseguia fazer determinado salto”, revela a terapeuta. O brainspotting � tamb�m indicado para diversas quest�es pontuais como tabagismo, fibromialgia e medo de dirigir.
E com a terapia � poss�vel trabalhar eventos de que a pessoa n�o se lembra de forma factual, como mem�rias de antes dos dois anos de idade, quando ainda n�o temos a capacidade de formar mem�rias declarativas. “Est� tudo registrado no c�rebro, mas � outro sistema de mem�rias. Dessa forma, se a pessoa viveu eventos traum�ticos nessa fase pr�-verbal, essas experi�ncias podem ser trabalhadas com o brainspotting, uma vez que est�o registradas em seu sistema.”
No Brasil, somente psic�logos, estudantes de psicologia do �ltimo ano, e m�dicos psiquiatras ou com forma��o em psicoterapia podem tornar-se brainspotters (profissional formado em brainspotting). Depois da Fase 1 do treinamento, com carga hor�ria de 21 horas com teoria, demonstra��o e pr�tica, o terapeuta j� pode utilizar o brainspotting em sua pr�tica. A forma��o completa inclui quatro fases, al�m de supervis�o e cursos avan�ados.
COM A FALA, DAVID GRAND - CRIADOR DO BRAINSPOTTING
Onde olhamos afeta o que sentimos, avisa David Grand, psicoterapeuta americano, criador do brainspotting (foto: Arquivo Pessoal)
1 - O que � brainspotting?
O Brainspotting � um modelo neuroexperiencial que usa posi��es oculares (orienta��o visual e reflexos) para acessar traumas emocionais n�o processados e profundamente armazenados no c�rebro.
2 - Qual a diferen�a entre o Brainspotting e outras abordagens?
O Brainspotting � tanto relacional quanto t�cnico, uma vez que o terapeuta sintoniza-se ao cliente como pessoa e tamb�m aos sinais que seus olhos, c�rebro e corpo d�o.
3 - Qual a diferenca que o brainspotting traz para a pr�tica cl�nica dos terapeutas?
O Brainspotting � mais r�pido, profundo e efetivo na cura do trauma que a maioria das outras terapias.
4 - O que voc� pode nos dizer sobre os estudos cient�ficos no mundo acerca do brainspotting?
Existem muitas pesquisas publicadas em brainspotting.com que validam a efic�cia desta abordagem.
5 - O que falaria a um terapeuta para ajud�-lo na decis�o de formar-se em brainspotting?
N�o importa o qu�o treinado voc� � ou quanta experi�ncia tem. O brainspotting vai fazer de voc� um terapeuta mais eficiente, especialmente no tratamento de sintomas do estresse p�s-traum�tico.
6 - O que diria a um potencial cliente para ajud�-lo na decis�o de procurar um terapeuta em brainspotting?
Dizemos aos clientes que eles s�o especialistas, uma vez que seus c�rebros e corpos n�o somente carregam os problemas, mas tamb�m as solu��es. O brainspotting guia todo o seu sistema nervoso para autocura achando a pr�pria solu��o.
7 - O brainspotting pode trabalhar com fatos que a pessoa n�o se lembra, assim como experi�ncias antes da idade de dois anos. Isso tem a ver com o inconsciente trazido por Freud? Ou h� alguma diferen�a?
� similar ao conceito de inconsciente de Freud. A diferen�a � que o inconsciente � um conceito da mente, enquanto o brainspotting trabalha com o c�rebro e o corpo presente. As mem�rias pr�-verbais s�o armazenadas no corpo e s�o acess�veis por meio da posi��o ocular.
8 - Voc� tem uma ideia do n�mero de terapeutas formados em brainspotting ao redor do mundo?