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Estado de Minas SA�DE MENTAL

Brainspotting: como corpo e mente lidam com traumas

Abordagem terap�utica inovadora � baseada em como o c�rebro e corpo reagem e processam experi�ncias traum�ticas


06/03/2022 04:00 - atualizado 06/03/2022 09:00

Ilustração
(foto: Damian Niolet/Pixabay)
“Brainspotting � uma abordagem terap�utica inovadora, baseada em como o c�rebro e corpo reagem e processam experi�ncias traum�ticas. O brainspotting trabalha com o que chamamos regi�es subcorticais do c�rebro. S�o �reas envolvidas com o processo de regula��o, mas que est�o fora do controle consciente.”


A explica��o � de C�ntia Satiko Fuzikawa, psiquiatra, professora-adjunta do Departamento de Sa�de Mental (FMUFMG) e coordenadora dos ambulat�rios de ansiedade e trauma do HC-UFMG. Ela afirma que os estudos cient�ficos n�o s�o numerosos, j� que o brainspotting � uma abordagem recente, mas os que existem mostram resultados positivos. 

Segundo C�ntia Satiko Fuzikawa, o brainspotting foi descoberto durante uma sess�o de terapia em 2003, portanto, desde o in�cio foi usado para tratar a sa�de mental. Chegou ao Brasil em 2008, quando seu descobridor, o psicoterapeuta americano David Grand, deu um curso no Brasil pela primeira vez. A pessoa escolhe o problema, dificuldade ou a quest�o que quer trabalhar.

O terapeuta vai perguntar se a quest�o traz algum tipo de inc�modo (ativa��o) para o cliente no momento, qual a intensidade desse inc�modo (avaliado em uma escala de 0 a 10) e onde a ativa��o � sentida no corpo.
 
Cíntia Satiko Fuzikawa
(foto: Foto ao Vivo/Divulga��o)

A partir disso, o terapeuta vai ajudar o cliente a localizar um ponto no campo visual onde a ativa��o fica mais intensa ou presente quando o cliente olha para ele. Esse � chamado de brainspot. O cliente mant�m seu olhar nessa dire��o enquanto observa o processo que ocorre espontaneamente. Podem aparecer imagens, pensamentos, sentimentos, sensa��es. Todos s�o acolhidos sem julgamento, no que David Grand define como “mindfulness focado”.
 
Nesse processo, destaca C�ntia Fuzikawa, os terapeutas conseguem acessar regi�es mais profundas do c�rebro, que est�o fora de controle ou pensamento consciente, e a experi�ncia traum�tica � “digerida”, diminuindo o inc�modo causado por ela.

Os terapeutas conseguem acessar regi�es mais profundas do c�rebro, que est�o fora de controle ou pensamento consciente, e a experi�ncia traum�tica � digerida, diminuindo o inc�modo causado por ela. O que vemos no brainspotting � que, mesmo que o cliente n�o entenda racionalmente o que aconteceu, consegue se comportar de forma diferente

C�ntia Satiko Fuzikawa, psiquiatra, professora-adjunta do Departamento de Sa�de Mental (FMUFMG) e coordenadora dos ambulat�rios de ansiedade e trauma do HC-UFMG

 
“Al�m disso, o cliente pode enxergar a mesma situa��o de outra forma, ter insights, fazer conex�es dessa situa��o com outras situa��es de sua vida, outras experi�ncias semelhantes ou outras situa��es onde se comporta ou sente da mesma forma.”
 
Mas, segundo ela, � importante frisar que, mesmo que o cliente n�o fa�a qualquer conex�o consciente, pode conseguir modificar suas respostas ou rea��es diante de uma situa��o. � comum recebermos clientes que dizem: j� sei todas as raz�es pelas quais ajo assim, s� n�o consigo mudar. O que vemos no brainspotting � que, mesmo que o cliente n�o entenda racionalmente o que aconteceu, consegue se comportar de forma diferente.”


A RA�Z DO TRAUMA


O brainspotting procura como alvo o trauma. E � a psiquiatra Simonetta Pacganella quem define o que �: “Trauma � uma ferida ps�quica que o endurece psicologicamente e, ent�o, interfere com sua capacidade de crescer e de se desenvolver. � aquela cicatriz que torna voc� menos flex�vel, mais r�gido, com menos sentimento e com mais defesa (Gabor Mat�)”. O trauma acontece em um indiv�duo sempre que um evento f�sico ou emocional supera a sua capacidade de suport�-lo, e ele n�o pode contar com o apoio e a prote��o que lhe seriam necess�rios. Nesse sentido, todos temos n�veis vari�veis de impactos de traumas.

Simonetta Pacganella enfatiza que, �s vezes, um trauma pode provocar respostas cerebrais autom�ticas de defesa, limitando a vida e trazendo sofrimento intenso � pessoa, comprometendo seu equil�brio emocional e f�sico. “Quando isso acontece, a pessoa deve procurar ajuda.”
 
Simonetta Pacganella
(foto: Arquivo Pessoal)

A psiquiatra conta que observa em sua pr�tica que, “muitas vezes, o brainspotting permite acessar e reprocessar mais rapidamente as ra�zes mais profundas das dores e queixas dos clientes. A posi��o ocular relevante confere uma grande precis�o quanto ao conte�do acessado, ativando determinados circuitos neuronais das regi�es subcorticais do c�rebro (�reas mais profundas), trazendo alguma mem�ria na forma de imagem, emo��o ou apenas uma sensa��o corporal. O contato com esse conte�do, dentro da profunda sintonia entre cliente e terapeuta, � o que permite ao c�rebro encontrar novos caminhos para o equil�brio, para a regula��o”.
 
Simonetta Pacganella enfatiza que o brainspotting � uma abordagem muito eficaz em casos de estresse p�s-traum�tico, ansiedade, fobias, transtornos do impulso e dores cr�nicas.

“Quando e como utiliz�-lo ser� preferencialmente determinado a partir da profunda sintonia entre cliente e terapeuta. � importante lembrar que sendo o brainspotting um processo que ativa os recursos cerebrais de autocura, pode ser utilizado tamb�m para a expans�o da criatividade, ou para melhorar o desempenho esportivo ou art�stico.”
 

�s vezes, um trauma pode provocar respostas cerebrais autom�ticas de defesa, limitando a vida e trazendo sofrimento intenso � pessoa, comprometendo seu equil�brio emocional e f�sico. Quando isso acontece, a pessoa deve procurar ajuda

Simonetta Pacganella, psiquiatra

 
C�ntia Fuzikawa destaca que uma vez que o cliente esteja focado no brainspot, o processo segue seu curso, e o terapeuta busca n�o intervir, a n�o ser quando essencial.

“Como existem bilh�es de conex�es neurais no c�rebro, o terapeuta n�o tem como saber exatamente o que est� acontecendo, ou qual ser� o caminho que essa pessoa encontrar� para resolver a quest�o que trouxe. Mas a sintonia significa que o terapeuta tem uma atitude de presen�a e est� atento ao cliente: ao que ele diz, ao que ele n�o diz, �s rea��es corporais, �s emo��es que parecem estar presentes.
 
Essa sintonia ajuda a criar um espa�o seguro, que afeta, positivamente, a neurobiologia do cliente, criando condi��es mais favor�veis para que ele possa trabalhar suas quest�es. Dizemos que o cliente � a cabe�a do cometa, e o terapeuta, a cauda. O terapeuta acompanha, mas n�o conduz o processo.”


MEM�RIA, INCONSCIENTE E FREUD


Conforme C�ntia Fuzikawa, o cliente pode ter quest�es bem espec�ficas que queira trabalhar: fibromialgia ou dores cr�nicas, querer parar de fumar ou perder o medo de dirigir. Para Gabor Mat�, m�dico canadense, todo sofrimento, seja f�sico ou mental, tem origem traum�tica. O processo de brainspotting � curativo, mas tamb�m diagn�stico.

“Quando trabalhamos com quadros como esses, frequentemente, chegamos a experi�ncias traum�ticas, muitas vezes precoces, que est�o na base dessas dificuldades. Essas s�o tamb�m processadas com o brainspotting.
 
� importante frisar que o tratamento com o brainspotting em quadros org�nicos n�o exclui o tratamento m�dico/medicamentoso necess�rio. Pode haver casos em que se consegue diminuir a quantidade de rem�dios usados, mas isso deve ser feito sempre em acordo com o m�dico que acompanha esse cliente.”
 
O brainspotting trabalha com eventos dos quais a pessoa n�o se lembra de forma factual, como mem�rias de antes dos dois anos de idade. C�ntia Fuzikawa explica que nossas experi�ncias ficam registradas no c�rebro e no corpo.

Temos lembran�a ou consci�ncia de algumas delas, mas muitas, principalmente se forem traum�ticas, est�o armazenadas fora da consci�ncia. Nesse sentido, n�o s�o conscientes. “� diferente do referencial freudiano no qual o inconsciente faz parte da teoria do funcionamento ps�quico que ele elaborou.”
 
C�ntia Fuzikawa assegura que o brainspotting � uma abordagem integrativa, ou seja, pode ser utilizada junto com outras abordagens ou t�cnicas que o terapeuta j� tenha.
 
“Raramente os clientes nos procuram especificamente pelo brainspotting, pois � uma abordagem ainda pouco conhecida. O que geralmente acontece � o cliente trazer as quest�es que quer trabalhar e utilizamos o brainspotting para ajud�-lo. Ele pode ser utilizado com pessoas de qualquer idade, inclusive com crian�as e adolescentes. As sess�es podem ser feitas presencialmente ou on-line. Alguns processos s�o bem r�pidos, at� de uma �nica sess�o, mas outros exigem v�rias sess�es ou at� anos de acompanhamento. Isso porque o cliente vai trazendo outras quest�es a serem trabalhadas ou porque apresenta quest�es traum�ticas desde a inf�ncia, principalmente em casos de abuso, rela��es familiares conflituosas ou coisas assim.”

 
ESTUDOS CIENT�FICOS* 


Por ser uma abordagem recente, estudos cient�ficos ainda n�o s�o numerosos, mas mostram 
resultados positivos.

1 – Em 2016, foi feito um inqu�rito em Newtown (EUA), onde ocorreu um massacre numa escola prim�ria em 2012. Foi perguntado a pessoas que receberam atendimento terap�utico como elas avaliavam a efetividade do tratamento recebido. A modalidade mais bem avaliada foi o brainspotting: 60% das pessoas atendidas consideraram a interven��o muito efetiva. (Newton-Sandy Hook Community Foundation, 2016)

2 – Em dois outros estudos, o brainspotting foi efetivo na redu��o de sintomas de estresse p�s-traum�tico ap�s tr�s sess�es (2017).
 
3 – Um estudo de 2021 mostrou que, ap�s uma sess�o de 40 minutos, houve aumento da variabilidade da frequ�ncia card�aca em indiv�duos ao pensarem em uma mem�ria perturbadora.

4 – Um artigo de 2013 explora a hip�tese de que ao trabalhar um ponto no campo visual, uma estrutura no mesenc�falo (col�culos superiores) � ativada e � como se “uma pastinha no computador” – que � onde se aloja o evento traum�tico – fosse acessada e ao sustentar o olhar nesse ponto � como se essa “pastinha” ficasse aberta para que o c�rebro possa ent�o fazer a faxina, a digest�o de todo o acontecimento. Esse estudo comprovou que o trabalho acontece nas estruturas subcorticais e n�o na cogni��o.

5 – Um estudo comparou brainspotting ao Eye Movement Dessensitization and Reprocessing (EMDR), que em portugu�s significa Dessensibiliza��o e Reprocessamento atrav�s do Movimento dos Olhos, outra terapia de base cerebral no tratamento do trauma e comprovou que a melhora foi semelhante logo ap�s o tratamento. A diferen�a � que as pessoas que foram tratadas com o brainspotting continuaram a perceber uma melhora mesmo ap�s seis meses da primeira sess�o. “Isso acontece porque o c�rebro continua processando a experi�ncia mesmo depois da sess�o”, explica Priscila Fuzikawa.

Fontes: C�ntia Fuzikawa e Priscila Fuzikawa
 

COMO � UMA SESS�O? 
 

  • Para entender como � um atendimento utilizando o brainspotting, assista a uma demonstra��o com coment�rios em: 
  • https://vimeo.com/674463591/0f0b1ee388
  • V�deo de palestra on-line sobre trauma gratuita: “Uma abordagem neurobiol�gica para o tratamento de traumas”, de Priscila Fuzikawa e C�ntia Fuzikawa, treinadoras em brainspotting, onde explicam o que � trauma, as consequ�ncias para a vida e possibilidades de tratamento. Link para a palestra: https://vimeo.com/585999966/056ce08e85.

TREINAMENTO EM BRAINSPOTTING 

O brainspotting � uma terapia que pode ser utilizada integrada a outras abordagens terap�uticas. Em mar�o e junho, Priscila Fuzikawa oferecer� um treinamento para quem se interessar. Para tornar esta terapia ainda mais acess�vel a toda a popula��o, a treinadora tamb�m dar� duas bolsas parciais para profissionais do SUS, SUAS e ONGs que atendem pessoas em vulnerabilidade social.
  • Forma��o em brainspotting: treinamento totalmente on-line.
  • Fase 1: de 25 a 27 de mar�o de 2022
  • Fase 2: de 3 a 5 de junho de 2022
  • Carga hor�ria: 21 horas
  • Inscri��es: https://www.inconnectionevents.com/  


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