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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Os mitos e a realidade das amizades no s�culo 21

As novas tecnologias digitais mudaram a forma como fazemos e mantemos amigos, o que nos faz questionar sobre como ser�o as amizades no futuro


16/05/2022 08:55 - atualizado 15/05/2022 16:59

Mulher escreve carta, em meados do século 20
Escrever cartas parece algo antigo, mas n�o � t�o diferente quanto se comunicar pelo WhatsApp (foto: Getty Images)

 

Durante os lockdowns impostos em decorr�ncia da pandemia de covid-19, observei como meus filhos responderam ao fato de que n�o podiam mais ver seus amigos pessoalmente. N�o havia mais conversas cara a cara. Nem dia de brincar junto. Ou visitas aos amigos.

Se o confinamento tivesse acontecido umas duas d�cadas antes, qualquer contato com pessoas que n�o moram com a gente teria sido feito por meio do telefone, email ou cartas.

Nos anos 2020, por�m, as coisas s�o diferentes. Minha filha e os amigos jogavam um game no celular, enquanto discutiam a estrat�gia num grupo de WhatsApp. Meu filho, que ainda n�o tem idade para ter celular, batia papo com os colegas da escola por meio do Google Classroom.

Os dois ficaram claramente acanhados durante o lockdown, mas o nervosismo em rela��o a conversar com amigos que eles n�o viam fazia um tempo foi curado pelo uso de plataformas de chamadas de v�deo com jogos embutidos: ap�s poucos minutos de uma competi��o de risos, sem dar uma palavra, em que se transformavam em unic�rnios e pegavam donuts com seus chifres virtuais, eles haviam relaxado, para debater assuntos s�rios como Pok�mon e Mario Kart.

Nenhuma destas tecnologias existia uma gera��o atr�s. Quando eu tinha a mesma idade que eles, as intera��es em tempo real sem presen�a f�sica com amigos acontecia pelo telefone, no corredor de casa, onde todo mundo podia ouvir o que eu estava falando. E eu n�o podia falar por mais de 10 minutos sem que meu pai ou minha m�e come�assem a resmungar sobre a conta de telefone e a ideia de "cortar a linha".

N�o havia unic�rnios pegando donuts, embora eu tivesse a liberdade de desafiar minha intelig�ncia tentando desenroscar o fio em espiral do telefone. As chamadas telef�nicas como os amigos eram um prazer eventual, n�o um acontecimento di�rio. O lockdown na minha inf�ncia teria sido uma experi�ncia social bem diferente.

Mas � diferente at� que ponto? As diferen�as na forma com que n�s interagimos com nossos amigos hoje, em compara��o com uma gera��o atr�s, s�o meramente superficiais — compar�veis � diferen�a entre escrever uma carta a um amigo num papel sem linhas e escrever num papel com linhas?

Ou ser� que existe algo a respeito das amizades contempor�neas que � fundamentalmente diferente das amizades verdadeiras de anos atr�s? Se for este o caso, como as amizades devem continuar a mudar no futuro?

� comum nos dias de hoje reclamar que as amizades n�o s�o mais como eram antes. Que restaurantes est�o repletos de pessoas olhando para seus celulares, em vez de conversando umas com as outras. Que a cultura do "selfie" nos transformou em narcisistas que se importam mais em gerenciar nossas pr�prias rela��es p�blicas do que em estar presente, um com o outro. Que as amizades de hoje em dia s�o de alguma forma mais condicionais do que eram no passado, � medida que vivemos em "c�maras de eco" online, numa bolha de indiv�duos que pensam como n�s, e rejeitamos pontos de vista diferentes.

At� mesmo a palavra "amigo" foi transformada pelas redes sociais: existe um novo sentido, em que ser amigo de algu�m significa apenas ter clicado em "aceitar" a solicita��o de amizade da pessoa, sem nunca dizer "ol�".

Existe uma ansiedade generalizada em rela��o � possibilidade de que a amizade verdadeira esteja em decl�nio — e a culpada � da tecnologia. Manchetes como "A Era das M�dias Antissociais" e "Seu celular inteligente est� te deixando est�pido e antissocial e afetando sua sa�de" s�o familiares.

Pessimistas podem pensar em onde isso tudo vai parar. Talvez n�s acabemos em um mundo c�nico em que interagimos apenas com pessoas que servem para n�s, onde n�o reconhecemos nossos amigos sem seus filtros do Snapchat e onde n�o criamos conex�es genu�nas com ningu�m. Mas ser� que estas preocupa��es s�o realmente justificadas?

A ansiedade em rela��o aos efeitos dist�picos das novas tecnologias nas amizades � t�o antiga quanto a palavra escrita. Mais antiga, na verdade: para S�crates, a palavra escrita em si era parte do problema. Mais de 2 mil anos atr�s, S�crates supostamente expressou ceticismo em rela��o � comunica��o por escrito como um caminho para a sabedoria, preferindo a intera��o cara a cara com seus colegas.

No come�o do s�culo 20, havia preocupa��es com a possibilidade de que as linhas telef�nicas fossem diluir a intera��o entre pessoas ou alimentar comportamentos sociais nocivos.

A partir da nossa perspectiva contempor�nea, em que cartas e telefones s�o t�o inofensivos quanto se pode esperar de uma tecnologia, estas preocupa��es nos parecem bizarras. � claro que n�o abalam as amizades. Pelo contr�rio, as promovem. A troca de cartas e telefonemas entre amigos distantes � exatamente o tipo de rela��o saud�vel que aqueles preocupados com as redes sociais temem que acabe morrendo.



Afinal, as redes sociais amea�am as amizades ou a promovem? Em um artigo de 2012, Shannon Vallor considera se os tipos de amizade que as pessoas t�m no Facebook podem ser verdadeiras — e conclui que sim, elas podem.

O argumento dela n�o se baseia em ideias modernas sobre amizade. Em vez disso, ela usa o conceito de Arist�teles, de mais de 2 mil anos de exist�ncia. Para Arist�teles, a amizade exige algumas virtudes, incluindo reciprocidade, empatia, autoconhecimento (no sentido de entender nosso lugar no mundo, incluindo nosso lugar em nossas rela��es com outras pessoas) e participa��o numa vida compartilhada.

Poderia ent�o o ceticismo em rela��o ao impacto das redes sociais nas amizades ser tendencioso? Afinal, � expressado frequentemente por pessoas cujas primeiras amizades n�o foram formadas em torno das redes sociais, o que pode deix�-las mais inclinadas a ignorar seu lado positivo.

Pessoas como n�s

Mesmo que a intera��o por meio de uma tela n�o esteja destruindo nossas amizades, muitas pessoas temem que a forma com que usamos a tecnologia digital, para escolher e cultivar nossos amigos, encoraje conex�es sociais de baixa qualidade.

Um destes receios est� relacionado �s chamadas c�maras de eco: aqueles grupos de indiv�duos que pensam da mesma forma que n�s, fazendo com que o cruzamento de ideias seja reduzido, e as pessoas fiquem mais polarizadas e agarradas a seus pr�prios pontos de vista.

Alguns estudiosos argumentam que as c�maras de eco online t�m graves implica��es para a democracia liberal. A partir do ponto de vista das amizades, no entanto, elas n�o s�o novidade. Muito antes da internet, as intera��es sociais das pessoas eram amplamente confinadas a outras pessoas que pensavam como elas. Comunidades surgiam em torno de ambientes como cultos religiosos, equipes esportivas, local de trabalho e institui��es de ensino, al�m de classe social, g�nero e etnicidade.

Ent�o simplesmente n�o � verdade que, antes da amizade mediada pelo ambiente digital, as pessoas conheciam amigos de toda parte. Talvez n�s todos estejamos perdendo alguma coisa com isso. Mas, mesmo se estivermos, o fato de a internet permitir nos conectarmos com pessoas semelhantes oferece grandes benef�cios para as amizades. Permite que n�s tenhamos acesso a redes de apoio e solidariedade que de outra forma poderiam n�o estar dispon�veis, seja porque seria dif�cil encontrar pessoas com o mesmo tipo de experi�ncias no mundo real ou porque as experi�ncias compartilhadas em quest�o s�o t�o �ntimas que n�s relutamos em discuti-las — uma relut�ncia que � aliviada pela intera��o online.

Eu mesma dependo bastante deste tipo de comunidade: por muitos anos, fiz parte de um grupo privado do Facebook de m�es solteiras trabalhando na universidade. As amizades que eu fiz — que est�o espalhadas pelo mundo —, juntamente ao apoio que dei e recebi, foram extremamente positivas para a minha vida.

Parece plaus�vel que a ideia de que as c�maras de eco s�o prejudiciais �s amizades seja baseada, em parte, num ponto de vista de que amizade � — ou deveria ser — algo mais profundo do que interesses e experi�ncias compartilhados.

H� muito tempo que nos emocionamos com hist�rias de amizades e romances entre pessoas de grupos diversos, muitas vezes conflitantes. Romeu e Julieta, talvez o casal rom�ntico mais emblem�tico, pertencia a fam�lias inimigas.

A amizade entre Nelson Mandela, enquanto estava preso por conspirar para derrubar o governo sul-africano do apartheid, e um jovem agente penitenci�rio, inicialmente pr�-apartheid, chamou a aten��o do p�blico e foi tema de um filme, Mandela - Luta pela liberdade.

Em 2014, a jornalista �rabe-americana Sulome Anderson publicou no Twitter uma foto sua beijando o namorado judeu, enquanto segurava um cartaz com a mensagem "Judeus e �rabes SE RECUSAM a ser INIMIGOS". A foto viralizou.

Estes exemplos mostram que somos cativados pela ideia de olhar para al�m das vis�es e interesses (talvez intrag�veis) dos nossos amigos — e amar a pessoa por tr�s deles.

Sem d�vida, � verdade que as melhores amizades n�o dependem de interesses comuns. Se voc� inicialmente se conectou com sua amiga mais antiga devido � paix�o em comum por "boy bands" americanas dos anos 1990, mas se distanciaram quando uma de voc�s perdeu interesse no grupo Boyz II Men, seria dif�cil n�o chegar � conclus�o de que esta amizade n�o era muito profunda.

Isso n�o significa, por�m, que haja algo de errado em ir atr�s de conex�es baseadas em interesses comuns. Uma amizade profunda, carinhosa e acolhedora de muitos anos n�o se torna menos profunda, carinhosa e acolhedora porque os amigos em quest�o inicialmente se conectaram por meio de sua obsess�o por "boy bands".

Amizades por todos os lados…

O que dizer da ideia de que vivemos agora em um mundo em que as amizades foram rebaixadas? Em que as redes sociais nos incentivam a valorizar quantidade, em vez de qualidade, e proteger imagens de perfei��o em detrimento da forma��o de conex�es profundas e �ntimas?

A preocupa��o de que a quantidade de amizades aconte�a �s custas da qualidade n�o � nova — como outras preocupa��es que j� discutimos at� agora.

Em uma obra intitulada On Having Many Friends ("Sobre ter muitos amigos", em tradu��o literal), o fil�sofo grego Plutarco, que viveu no s�culo 1, escreveu:

"Qual � ent�o a moeda da amizade? � boa-vontade e gra�a, combinadas com virtude, e n�o h� nada de mais raro na natureza. Significa, ent�o, que uma forte amizade m�tua com muitas pessoas � imposs�vel, mas, assim como rios, cujas �guas s�o divididas entre afluentes e canais, correm fracos e finos, tamb�m a afei��o, naturalmente forte em uma alma, se partilhada entre muitas pessoas torna-se totalmente enfraquecida."

Dois mil anos depois, o grupo sueco Abba cantou: "Diante de 20 mil dos seus amigos / Como algu�m pode estar t�o solit�rio?", em seu single Super Trouper, de 1980.

Em 2009, Eoghan Quigg — um ex-participante do programa de talentos brit�nico The X Factor — lan�ou um single, 28,000 Friends, com os versos como: "Voc� e seus 28 mil amigos / YouTube, Facebook, Myspace, IM" e "Como � se sentir solit�rio? / Tantos amigos que voc� n�o conhece".

De acordo com nossas linhas do tempo digitais, a refer�ncia de Quigg ao Myspace � sinal de coisa antiga, mas n�s podemos imaginar se a tecnologia que surgiu nas �ltimas duas d�cadas nos incentiva a espalhar nossas amizades de forma mais t�nue do que nunca.

Ser� que Quigg tem mais motivos para reclamar disso do que Plutarco tinha? A resposta � que, enquanto evid�ncias emp�ricas respaldam a alega��o de que somos incapazes de ter muitas amizades pr�ximas, est� longe de ser claro que a capacidade das redes sociais de multiplicar nossas conex�es sociais esteja reduzindo a qualidade das nossas amizades.

O antrop�logo Robin Dunbar estudou grupos sociais de v�rios s�culos e descobriu que o n�mero de conex�es sociais est�veis que os indiv�duos conseguem manter tem permanecido relativamente constante, em torno de 150.

Este n�mero — que acabou ficando conhecido como o N�mero de Dunbar — denota, mais ou menos, "o n�mero de pessoas �s quais voc� n�o ficaria constrangido de se juntar, sem ser convidado, para um drinque caso esbarrasse com elas em um bar".

H� subdivis�es dentro disso. Cada um de n�s tende a ter entre tr�s e cinco pessoas que constituem "o pequeno n�cleo de grandes amigos que procuramos em momentos de dificuldades" e um "grupo de simpatia", de entre 12 e 15 pessoas, "cuja morte amanh� o deixaria abalado".

Dunbar argumenta, no entanto, que n�s simplesmente n�o temos capacidade cognitiva para ampliar estes grupos. "Se uma nova pessoa entra na sua vida", explica Dunbar, "algu�m tem que cair para outro n�vel para dar lugar para ela".

Como o n�mero de amigos que somos capazes de ter � limitado por nossa capacidade cognitiva, nem mesmo a facilidade de estabelecer conex�es via internet pode nos permitir expandi-lo.

Ao comentar sobre as redes sociais, Dunbar afirma que "existe uma quest�o em torno do que realmente conta como amigo". Aqueles que t�m um n�mero grande — digamos, mais de 200 — invariavelmente conhecem pouco ou nada sobre os indiv�duos na sua lista, acrescenta ele.


Multidão vista do alto
Podemos ter mais de 150 amigos? Estudos indicam que n�o temos capacidade cognitiva para tanto (foto: Getty Images)

O fato de que o N�mero de Dunbar � — na vis�o de Dunbar — limitado pela nossa capacidade cognitiva aponta para uma poss�vel maneira como as amizades podem ser diferentes no futuro.

As capacidades cognitivas — incluindo aten��o, mem�ria, percep��o e tomada de decis�es — est�o relacionadas ao processamento mental de informa��o. N�s usamos v�rias estrat�gias e ferramentas que nos ajudam a melhorar essas capacidades. Tomamos caf� para ter mais concentra��o, usamos �culos para melhorar a vis�o, escrevemos listas para lembrar de coisas, e por a� vai.

Os ganhos que obtemos como resultado disso tudo s�o relativamente modestos e geralmente de curta dura��o. No entanto, muitos acreditam que, num futuro pr�ximo, seremos capazes de obter ganhos muito mais dr�sticos em nossas capacidades cognitivas, usando tecnologias como drogas, estimula��o el�trica transcraniana, implantes cerebrais e engenharia gen�tica. Os resultados podem fazer com que as capacidades cognitivas humanas superem em muito qualquer coisa j� vista antes.

Neste caso, talvez possamos ser capazes de manter amizades pr�ximas com um n�mero significativamente maior de pessoas. Mas, considerando que mesmo vers�es cognitivamente avan�adas de n�s mesmos seriam limitadas pelo n�mero de horas que temos para socializar, aumentar nosso n�mero de amigos pr�ximos exigiria tirar mais intimidade do tempo que passamos com cada amigo.

Ou pode ser que o mundo cognitivamente avan�ado venha acompanhado por outras mudan�as, como a redu��o das jornadas de trabalho, o que poderia liberar mais tempo para passarmos com os amigos.

Por outro lado, mesmo com uma capacidade cognitiva para ter mais amizades pr�ximas, talvez muita gente valorize ter menos amigos. Rela��es rom�nticas oferecem uma analogia: ter a capacidade de manter m�ltiplos parceiros aparentemente n�o resulta na maioria das pessoas querendo viver de forma n�o-monog�mica.

Ent�o, as amizades num futuro cognitivamente avan�ado podem acabar sendo diferentes da forma como as amizades s�o agora — mas, da mesma maneira, podem acabar n�o sendo.

Pode parecer que, ao nos encorajar a usar o termo "amigo" para nos referir a centenas ou at� mesmo milhares de pessoas com quem temos apenas conex�es bastante superficiais, as redes sociais (para usar a met�fora de Plutarco) est�o desvalorizando a moeda da amizade.

Amigos de Facebook s�o, no fim das contas, geralmente amigos apenas no nome — especialmente para aqueles usu�rios cujos amigos somam centenas de milhares.

Mas usar "amigo" para se referir a pessoas que algu�m n�o conhece particularmente bem n�o � algo novo. Em seu estudo sobre conex�es sociais na Inglaterra do s�culo 18, Naomi Tadmor explica que, alguns s�culos atr�s, uma pessoa contaria como amigo n�o apenas indiv�duos com quem teve rela��es emocionais relativamente �ntimas, mas tamb�m fam�lia, trabalhadores dom�sticos, empregados, e por a� vai.

Ela cita a express�o "Sociedade de Amigos" — ainda hoje usada como um termo para os grupos religiosos Quakers — como um exemplo deste uso mais amplo da palavra.

Apesar das mudan�as, ao longo dos anos, sobre se algumas pessoas com quem temos rela��es sociais relativamente vagas contam como amigos, o n�cleo central tem se mantido est�vel.

As poucas pessoas que constituem o "pequeno n�cleo" de Dunbar e as cerca de uma d�zia que comp�em o "grupo de simpatia" sempre contaram como amigos.

Mas mudan�as em nossas vis�es sobre o que devemos a nossos amigos sugerem o que pode acontecer com estes grupos menores, mais �ntimos.

Considere nossas vis�es sobre lealdade. � importante ser leal a nossos amigos, mas em contextos profissionais n�s usamos termos como "favoritismo" e "nepotismo" para condenar a lealdade a amigos.

Tadmor explica que as coisas eram diferentes no passado. No s�culo 18, na Inglaterra, servir a seus amigos era visto como uma virtude, inclusive na pol�tica.

Da mesma forma que oferecer um emprego na pol�tica a um amigo era uma virtude tr�s s�culos atr�s, mas repreens�vel hoje em dia, talvez algumas pr�ticas que hoje contam como virtuosas ser�o um dia vistas como conden�veis.

Hoje ningu�m levanta a sobrancelha para um advogado que oferece uma orienta��o gratuita a amigos (mas n�o para estranhos) ou um cabeleireiro que corta o cabelo de um amigo (mas n�o de um desconhecido) sem cobrar nada.

Oferecer a estranhos, de gra�a, o tipo de ajuda pela qual eles normalmente teriam de pagar � um ato de bondade, mas n�o � esperado ou exigido. As coisas podem mudar no futuro. Talvez oferecer uma habilidade a amigos, ao mesmo tempo em que � negada a estranhos, seja visto como favoritismo daqui a alguns s�culos.

Como seria um mundo futuro com diferentes ideias sobre o que devemos a nossos amigos? Bem, provavelmente n�o t�o diferente do mundo de hoje. Isso tamb�m n�o significa que as amizades contempor�neas sejam iguais ao redor do mundo.

As amizades em culturas individualistas — t�picas de pa�ses em que o ingl�s � a primeira l�ngua e em grande parte da Europa Ocidental — diferem em v�rias formas importantes das amizades em pa�ses �rabes, do Leste Asi�tico, africanos e latino-americanos, onde existe uma cultura mais coletivista.

Por exemplo, a reciprocidade entre amigos � tipicamente mais valorizada em culturas individualistas do que nas coletivistas. Enquanto os individualistas n�o gostam de ficar em d�vida com amigos por n�o ter retornado favores; os coletivistas n�o veem tais intera��es em termos de favores — e, em vez disso, consideram aqueles que resistem em aceitar a ajuda de amigos como distantes e ego�stas.

Alguns comportamentos entre amigos que, em culturas individualistas, s�o vistos como interfer�ncias inapropriadas — como corrigir as anota��es das aulas de um amigo — s�o considerados atenciosos e carinhosos em culturas coletivistas.

Aqueles que fazem parte de culturas coletivistas tendem a confiar que suas amizades pr�ximas v�o prosperar sem ter que aliment�-las dizendo coisas positivas; como resultado, falam com seus amigos com uma franqueza que seria vista como frieza em culturas individualistas.

Como diz o psic�logo Roger Baumgarte — de cuja pesquisa sobre amizade entre culturas diferentes eu tirei estas observa��es —, estas diferen�as culturais revelam que at� mesmo o que significa ser um amigo pr�ximo varia de acordo com a cultura.

O futuro da amizade

Que li��o dever�amos tirar disso tudo? Os meios e as tecnologias que viabilizam as amizades podem mudar, mas muita coisa permanece igual.

Os telefonemas e as cartas escritas � m�o de algumas d�cadas atr�s podem parecer mais saud�veis que as trocas de WhatsApp de hoje em dia, mas sua fun��o � semelhante.

Isso pode ser chocante: quando vejo meus filhos debru�ados sobre seus iPads, tenho que me lembrar que, embora possam parecer distantes e solit�rios, a maior parte do tempo que passam diante da tela envolve, na verdade, intera��o com amigos.

Apesar de ser tentador trancar seus aparelhos eletr�nicos para sempre e mand�-los pular corda no quintal, fazer isso provavelmente faria com que fossem exclu�dos de uma comunidade importante.

E, embora passar o tempo todo grudado no celular n�o seja uma receita para uma vida gratificante, tampouco � passar o tempo todo escrevendo cartas. As crian�as est�o bem.

* Rebecca Roache � fil�sofa na faculdade Royal Holloway, da University of London, no Reino Unido, e apresentadora do podcast The Academic Imperfectionist. Este texto foi adaptado de um ensaio da Future Morality (ed. David Edmonds), publicado pela editora Oxford University Press.

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.

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