
Qual o segredo para que uma m�sica seja mais apreciada do que outra? Uma quantidade moderada de imprevisibilidade e outra pitada de incerteza. O ouvinte precisa se surpreender com a can��o, mas n�o a ponto de se desinteressar por ela, segundo cientistas canadenses. Os pesquisadores chegaram a essa receita gra�as ao uso de um modelo matem�tico que mede a inconst�ncia de fragmentos musicais. Em testes, detectaram, em imagens do c�rebro de volunt�rios, rea��es de prefer�ncia por can��es com ambas as caracter�sticas. Os resultados foram apresentados na �ltima edi��o da revista especializada Journal of Neuroscience.
A pesquisa foi feita com base na teoria da est�tica e da curiosidade de Daniel Berlyne. O psic�logo brit�nico defende que as pessoas ficam mais intrigadas e satisfeitas com est�mulos de complexidade intermedi�ria. “Segundo essa teoria, est�mulos muito simples s�o chatos e desinteressantes, enquanto os muito complexos s�o ca�ticos e, em �ltima an�lise, desinteressantes”, explica Benjamin Gold, pesquisador do Instituto de Neurologia de Montreal, no Canad�, e um dos autores do estudo.
Gold conta que medir a previsibilidade � uma tarefa dif�cil, principalmente em se tratando de m�sica. Para cumprir esse desafio, ele e sua equipe se concentraram nos dois aspectos da complexidade musical de maneira rigorosa e matem�tica. A imprevisibilidade, explica ele, est� relacionada a qu�o surpreendente � uma pe�a musical, com rela��o a notas e acorde. J� a incerteza “est� relacionada ao qu�o confiante algu�m pode estar sobre como uma pe�a musical ser� realizada, ou seja, quantas continua��es s�o prov�veis”.
Ap�s medir a complexidade de v�rios fragmentos musicais considerando as duas caracter�sticas, os pesquisadores apresentaram as can��es para uma s�rie de volunt�rios e pediram que eles apontassem de quais mais gostavam, enquanto tinham as rea��es cerebrais monitoradas em exames de imagem. “As m�sicas favoritas dos ouvintes foram, em sua maioria, aquelas com alta incerteza e baixa imprevisibilidade. Em outras palavras, aquelas cujas previs�es eram cheias de d�vidas, mas, finalmente, provadas corretas”, diz Benjamin Gold. “Algo do tipo, acho que a pr�xima nota ser� A, mas n�o tenho certeza. E era a A”, exemplifica.
Segundo S�rgio Nogueira Mendes, professor adjunto do Departamento de M�sica da Universidade de Bras�lia (UnB), essa necessidade de imprevisibilidade mostra que o homem busca por composi��es que tenham mais qualidade. “E aqui n�o falamos de um estilo ser melhor do que outro. A quest�o � de constru��o das composi��es. Ouvir as mais complexas faz com que esse est�mulo pelo novo seja alimentado, que � o que a cultura faz conosco”, frisa.
APRENDIZAGEM Al�m de ilustrar a teoria de Daniel Berlyne, a pesquisa comprova uma tese da neuroci�ncia sobre a rela��o entre est�tica e aprendizado. Segundo estudiosos dessa �rea, os humanos gostam daquilo que os ajuda a aprender. “Ultimamente, t�m surgido muitas pesquisas sugerindo que o aprendizado � intrinsecamente gratificante e que envolve estruturas neurais importantes para o prazer e o comportamento motivado. Isso tamb�m observamos durante a audi��o agrad�vel da m�sica”, diz Benjamin Gold.
“Parece que essa recompensa pelo aprendizado pode explicar por que desfrutamos de complexidade intermedi�ria em geral. Afinal, � prov�vel que n�o aproveitemos muito uma experi�ncia ou uma li��o que j� entendemos completamente ou uma que seja t�o ca�tica e surpreendente ao ponto de n�o podermos nem mesmo nos agarrar a ela. Da mesma forma, parece que a m�sica que nos ajuda a aprender – provando que estamos certos ou nos surpreendendo quando temos certeza suficiente para entend�-la – pode ser intrinsecamente recompensadora”, segue o pesquisador.
Julie Weingartner, neurocientista do Instituto Idor de Pesquisa, no Rio de Janeiro, acredita que a pesquisa traz dados valiosos sobre uma rela��o que sempre intrigou especialistas da neurologia. “A rela��o do homem com a m�sica � algo que sempre chamou a aten��o, principalmente devido a essa possibilidade das can��es de causar prazer”, diz.
A especialista tamb�m acredita que a rela��o de aprendizado detectada no estudo entra em concord�ncia com descobertas anteriores. “Temos teorias que mostram que a m�sica pode ser uma das formas encontradas para fomentar a comunica��o humana, e que ela pode contribuir para a coes�o dentro de um grupo social. Essa linha do estudo n�o diverge dessas anteriores, pois o aprendizado � algo essencial para o ser humano”, afirma. “Sentir-se desafiado e ter curiosidade s�o processos que est�o relacionados ao que chamamos de evolu��o da expectativa, que atinge o setor de recompensa do c�rebro, relacionado justamente aos est�mulos prazerosos.”
AL�M DO TOM Para os autores, os resultados podem ajudar a entender a satisfa��o humana em outras �reas. “Apreciar o que desperta nossa curiosidade � relevante para todos os tipos de entretenimento e ambientes de aprendizado, de filmes e videogames a jogos educativos e salas de aula”, justifica Benjamin Gold. “Por fim, esperamos que essa pesquisa nos leve a uma maior compreens�o do por que gostamos das coisas de que gostamos e, portanto, de como encontrar mais prazer ao nosso redor.”
Segundo S�rgio Nogueira Mendes, os dados da pesquisa tamb�m podem ajudar a entender as raz�es de m�sicas fazerem sucesso por muito tempo. � o caso de obras cl�ssicas, como Beethoven, e tamb�m de can��es da MPB, como as de Tom Jobim. Isso explica por que esses artistas seguem sendo amados, mesmo sem ter a mesma publicidade que tinham na �poca em que surgiram”, diz o professor da UnB.
RAIVA E TRISTEZA A m�sica pop mudou ao longo dos anos, e os ritmos de 2019 s�o notavelmente diferentes dos que lideravam as paradas de sucesso nas d�cadas de 1960 ou 1970. N�o apenas eles. Cientistas de dados da Universidade Tecnol�gica Lawrence, nos Estados Unidos, mostram que o teor das letras tamb�m passou por transforma��es. Usando ferramentas de an�lise quantitativa, eles identificaram que, ao longo de sete d�cadas, de 1950 a 2016, a express�o de raiva e tristeza na m�sica popular aumentou gradualmente. Por outro, a de alegria diminuiu.
“A mudan�a nos sentimentos das letras n�o reflete necessariamente o que os m�sicos e compositores queriam expressar, mas est� mais relacionada ao que os consumidores de m�sica queriam ouvir”, destaca, em comunicado, Lior Shamir, pesquisador da Universidade Tecnol�gica Lawrence e um dos autores do estudo, divulgado na �ltima edi��o do peri�dico Journal of Popular Music Studies.
Foram analisadas mais de seis mil m�sicas do ranking Billboard Hot 100 de cada ano. No passado, as can��es eram classificadas principalmente por vendas de discos, transmiss�o de r�dio e pe�as de jukebox, mas nos �ltimos anos passaram a ser considerados outros indicadores de popularidade, como streaming e m�dias sociais. A an�lise mostrou que a express�o de raiva aumentou gradualmente ao longo do tempo, atingindo o pico em 2015. O per�odo de menos irrita��o, pelo menos na m�sica popular, se deu em 1982-1984. Em meados dos anos 1990, por�m, a f�ria voltou �s composi��es, ficando mais acentuada no come�o deste s�culo.
A express�o de tristeza, nojo e medo tamb�m cresceu ao longo do tempo, embora de forma mais moderada. O desgosto aumentou gradualmente, mas foi menor no in�cio dos anos 1980 e mais alto em meados e no fim dos anos 1990. As letras de m�sica popular expressaram mais medo em meados dos anos 1980, e o medo diminuiu acentuadamente em 1988.
O estudo tamb�m mostrou que a alegria era um tom dominante nas letras de m�sica durante o fim da d�cada de 1950, mas diminuiu com o tempo e se tornou muito mais suave nos �ltimos anos. Uma exce��o foi observada em meados de 1970, quando a alegria expressa nas letras aumentou acentuadamente. A d�cada � justamente conhecida como a era da discoteca, em que surgiu a chamada disco music.