
Um levantamento da Coalition for Epidemic Preparedness Innovation (CEPI), coaliz�o de cientistas focada em novas tecnologias para enfrentamento de doen�as contagiosas, contabilizou mais de 300 subst�ncias sendo investigadas. O Brasil n�o est� de fora. Al�m de participar dos testes das multinacionais, universidades e institutos de pesquisa do pa�s buscam criar vacinas para o Sars-CoV-2 100% nacionais.
Com investimentos de ag�ncias financiadoras, como a Funda��o de Amparo � Pesquisa do Estado de S�o Paulo (Fapesp), e do Minist�rio de Ci�ncia e Tecnologia, os cientistas trabalham em vacinas que usam diferentes plataformas e, mesmo atr�s dos laborat�rios estrangeiros, tanto no que diz respeito a or�amento quanto � fase em que se encontram os estudos, a maioria espera come�ar os testes em humanos em 2021. “A ci�ncia brasileira tem mostrado uma capacidade desproporcional ao investimento que recebe”, diz o virologista Fl�vio Fonseca, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Fonseca e o imunologista Ricardo Gazzinelli est�o � frente do desenvolvimento de uma vacina, em parceria com a Ficocruz-Minas e o Instituto Butantan (SP), que usa o v�rus da influenza atenuado, no qual � inserida a prote�na spike, do Sars-CoV-2. A ideia � oferecer uma dupla prote��o, estimulando o organismo a produzir anticorpos neutralizantes tanto contra a gripe quanto contra a covid-19. Al�m do grupo mineiro, somente uma equipe alem� testa uma estrat�gia semelhante.
Assim como as demais pesquisas brasileiras de uma vacina para a covid-19, a da UFMG est� em fase pr�-cl�nica, com testes em animais. Por enquanto, os cientistas demonstraram que a f�rmula funciona em camundongos. Por�m, ainda � preciso checar se, na presen�a do v�rus, os anticorpos s�o capazes de destruir o Sars-CoV-2. A expectativa de Fonseca � iniciar essa etapa em outubro. “Mas, enfrentamos uma s�rie de problemas. N�o temos um laborat�rio III, que � o n�vel de seguran�a necess�rio para testes mais complexos com v�rus”, diz. Apesar disso, o cientista espera que os ensaios com humanos comecem no pr�ximo ano e que as pesquisas com volunt�rios terminem em meados de 2022.
Fl�vio Fonseca destaca que, mesmo se outras vacinas come�arem a ser comercializadas enquanto os imunizantes brasileiros ainda est�o em fase de testes, � preciso ter diversas op��es, ainda mais quando se fala de uma pandemia. A Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) alertou diversas vezes que a COVID-19 poder� ser sazonal, assim como a influenza, o que exigir� um protocolo de vacina��o peri�dico. “Temos de ter o m�nimo de poder de autossufici�ncia. O Brasil n�o pode mais ser um pa�s consumidor de tecnologia. A pandemia mostrou o pre�o disso”, afirma.
A mesma opini�o tem o bi�logo Gustavo Cabral de Miranda, que, depois de cinco anos de p�s-doutorado na Su��a e na Inglaterra, voltou ao Brasil para trabalhar no desenvolvimento de vacinas para zika e chicungunha. Atualmente, al�m desse projeto, ele busca uma subst�ncia contra a covid-19 a partir da mesma tecnologia: de VLPs (prote�nas semelhantes ao v�rus). O cientista do Laborat�rio de Imunologia do Incor, da Universidade de S�o Paulo (USP), conta que recebeu R$ 200 mil para tanto (o estudo da vacina envolve outros pesquisadores, em outras frentes, e cada um conta com um or�amento pr�prio). “Para comparar, o (presidente) Bolsonaro disse no discurso na ONU que investiu R$ 2,2 bilh�es para trazer os testes da vacina da Universidade de Oxford para c�”, diz.
“A gente vai chegar”
A plataforma na qual Miranda trabalha consiste em part�culas multiproteicas que, por imitarem as virais, geram anticorpos contra o micro-organismo. Segundo Cabral, embora as subst�ncias que usam v�rus atenuados ou inativados costumem gerar uma boa resposta imunol�gica, como o Sars-CoV-2 ainda n�o � completamente conhecido e, devido � gravidade da doen�a que causa, investir em estruturas que n�o cont�m o material viral, por ora, pode ser mais seguro. Em camundongos, a resposta foi positiva, mas, para ir adiante, ser� preciso levar os testes para um laborat�rio de n�vel III, assim como no caso de Minas.
“V�o surgir vacinas muito antes que a nossa, n�o d� para comparar. Mas a gente vai chegar, a gente tem de chegar”, diz o cientista. “O investimento em uma pesquisa n�o � s� no produto final, � no conhecimento que se desenvolve at� chegar a ele.” Cabral destaca que foi gra�as aos estudos das vacinas para zika e chicungunha, por exemplo, que ele desenvolveu a plataforma da subst�ncia em teste agora. “Passei um tempo na Universidade de Oxford, conhe�o a equipe que desenvolveu a vacina l�. Posso dizer que nosso problema n�o � intelectual nem de estrutura, porque temos bons laborat�rios. O problema � falta de investimento.”
Palavra de especialista
Eles escolheram fazer a diferen�a
“Cada vacina gera um tipo de imunidade diferente e, quanto mais vacinas, melhor. No Brasil, temos excelentes imunologistas, com trabalhos consagrados. Eles poderiam estar em qualquer lugar do mundo, mas escolheram ficar aqui para fazer a diferen�a. Infelizmente, o Brasil n�o tem tradi��o de investir em tecnologia de sa�de, e essa � nossa desvantagem em rela��o aos outros pa�ses. Precisamos criar tecnologia para n�o depender mais de laborat�rios estrangeiros. O papel do governo brasileiro em investir em pesquisa � fundamental. O que falta no Brasil n�o s�o mentes capazes, o que falta � o reconhecimento da import�ncia de se fazer esse investimento.”
Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ci�ncias da Sa�de de Porto Alegre e membro do Comit� Cient�fico da Sociedade Brasileira de Imunologia
Aposta na nanotecnologia

O desenvolvimento de vacinas para zika e chicungunha com a tecnologia de nanopart�culas tamb�m foi adaptado no Instituto de Ci�ncias Biom�dicas da Universidade de S�o Paulo (USP) para a pesquisa de uma imuniza��o contra a COVID-19. O grupo de cientistas, coordenados pelo diretor do ICB, Lu�s Carlos de Souza Ferreira, atualmente tem mais de 10 formula��es de diferentes plataformas sendo avaliadas para combater o Sars-CoV-2. Uma das mais promissoras, segundo Marianna Favaro, pesquisadora do Laborat�rio de Desenvolvimento de Vacinas do ICB, � a que utiliza a nanotecnologia. “Estamos bem otimistas porque, nos estudos com zika, que ser�o publicados em breve, conseguimos uma resposta imunol�gica muito forte”, conta.
A nanovacina tem uma capacidade curiosa: ela faz com que part�culas virais modificadas se automontem, resultando em uma prote�na id�ntica � que estava no v�rus. Dessa forma, embora n�o tenha capacidade de infectar, a estrutura � reconhecida pelo organismo como se fosse o pat�geno, o que gera a resposta imunol�gica. Essa abordagem come�ou a ser testada em camundongos. “Esperamos ter um resultado como o que tivemos no caso da zika”, diz Favaro.
A cientista ressalta que a fase pr�-cl�nica exige bastante tempo, necess�rio n�o s� para garantir a efic�cia, mas a seguran�a da vacina. “Hoje, temos duas corridas por vacinas. Uma emergencial, e � claro que as grandes farmac�uticas est�o � frente. J� as outras gera��es de vacinas, como as nossas, v�o abordar quest�es que surgir�o com o tempo. � poss�vel tamb�m que diferentes vacinas sejam usadas com aplicabilidades diferentes, algumas funcionando melhor para idosos e outras para pessoas que j� tiveram COVID-19”, exemplifica.
R�pidos avan�os
A nanotecnologia tamb�m � a base de uma vacina que est� sendo desenvolvida na Universidade Federal do Paran�. O professor do Departamento de Bioqu�mica e Biologia da universidade e um dos l�deres do estudo, Marcelo M�ller dos Santos, conta que, de in�cio, a inten��o era chegar a uma prova de conceito, quando se testa uma ideia para verificar se ela tem efeitos pr�ticos. Por�m, os resultados com camundongos foram t�o promissores que a equipe acredita que, com patroc�nio, conseguir� iniciar os testes cl�nicos no pr�ximo ano.
A t�cnica consiste na produ��o de nanoesferas de pol�mero bacteriano polihidroxibutirato (PHB), macromol�cula presente em v�rias bact�rias. O pol�mero � recoberto com peda�os da prote�na spike e da prote�na que envelopa o Sars-CoV-2. As nanopart�culas levam essas partes virais at� o organismo que, ent�o, produz anticorpos contra o micro-organismo. Essa mesma tecnologia j� foi usada em testes pr�-cl�nicos de vacinas contra tuberculose e hepatite C.
Na semana passada, a equipe divulgou o resultado da primeira imuniza��o dos animais usando a abordagem. Segundo M�ller, duas doses conseguiram produzir grandes quantidades de anticorpos, comparado ao grupo de controle: em m�dia, 54 vezes mais. Embora ainda sejam necess�rios mais testes e outras etapas, inclusive para verificar se uma forma de administra��o poss�vel � a intranasal, o cientista est� animado. “Inicialmente, nosso projeto terminaria nos testes pr�-cl�nicos, mas os resultados avan�aram r�pido e, talvez, consigamos, no segundo semestre do ano que vem, ter testes cl�nicos com esse imunizante.”