
Dawn Prince-Hughes diz que aprendeu a ser humana com os gorilas.
Ela tem S�ndrome de Asperger, uma forma branda de autismo, e desde crian�a apresentava dificuldade de intera��o social.
� medida que crescia, foi v�tima de bullying na escola, se envolveu com drogas e acabou indo morar na rua, se tornando dan�arina de shows er�ticos para sobreviver.
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Em entrevista � jornalista Jo Fidgen, do programa de r�dio Outlook, da BBC, Prince-Hughes conta como uma ida ao zool�gico mudou sua vida.
Ela n�o s� aprendeu com os gorilas as regras sociais do comportamento humano, como acabou se tornando uma respeitada antrop�loga especializada em etologia e primatologia, autora de v�rios livros.
Aos 36 anos, a americana Dawn Prince-Hughes foi diagnosticada com S�ndrome de Asperger, condi��o tamb�m conhecida como autismo de alto desempenho.
Embora tenha as habilidades intelectuais preservadas, quem tem Asperger pode apresentar dificuldade de intera��o social - sobretudo, de interpretar o comportamento de outras pessoas.
O diagn�stico dela pode ter sido tardio, mas desde a inf�ncia Prince-Hughes teve que lidar com os desafios impostos pela condi��o, como a sensibilidade sensorial.
"Tudo era mais intenso para mim do que para as outras pessoas. A luz era mais brilhante; o som mais alto; o toque, doloroso; minhas roupas arranhavam, embora o tecido fosse macio."
Ela tamb�m apresentava padr�es repetitivos de comportamento:
"Eu queria que as coisas fossem muito previs�veis, a gente tinha que fazer tudo num determinado hor�rio, pegar um determinado caminho para a escola", relembra.
E acabou se tornou um alvo f�cil para outras crian�as que praticavam bullying na escola.
"Eles pensavam que eu era uma aberra��o. E entrei em uma esp�cie de espiral decadente, � medida que me sentia cada vez mais rejeitada. Quanto mais estranha eu me tornava, mais eles me rejeitavam."

O fato � que o bullying foi se tornando mais agressivo, o que levou Prince-Hughes a beber como forma de lidar com a situa��o - ela conta que tomava vinho entre uma aula e outra.
"Eu bebia muito. As coisas se tornaram perigosas para mim na escola. As pessoas come�aram a me atacar fisicamente, amea�ando me matar."
Foi assim que, aos 16 anos, ela acabou largando os estudos e indo morar na rua.
"Eu simplesmente comecei a vagar por a�, ia para qualquer lugar com qualquer pessoa que tivesse uma casa ou me oferecesse drogas e �lcool", conta. "Eu s� queria ficar drogada ou chapada. Era tudo o que eu queria fazer at� morrer. S� ficava olhando meu rel�gio esperando a hora de morrer."
E por cinco anos, essa foi sua vida. At� que foi convidada para ser dan�arina de um Peep Show.
"As pessoas colocavam moedas em uma m�quina, e uma janela se abria - por 25 centavos voc� teria, sei l�, 20 segundos, para ver as dan�arinas nuas no palco", explica.
"Eu era a mulher selvagem. Costumava usar peles de animais, um biqu�ni micro e corria como um animal selvagem; me lembro de saltar pelo palco."
E, quando recebeu seu primeiro pagamento, ela decidiu ir ao zool�gico.
"Eu estava apavorada. Para algu�m com Asperger, a ideia de pegar um �nibus, receber o troco certo, interagir com outras pessoas - todas essas pequenas coisas s�o aterrorizantes. Mas consegui chegar ao zool�gico."
Ela s� n�o podia imaginar que sua vida estava prestes a dar uma grande guinada.
Ao avistar os gorilas pela primeira vez, ela conta que teve uma epifania.
"Imediatamente percebi que eram seres que me entenderiam, e que eu os entenderia. Ali, perto deles, com todas as informa��es sensoriais chegando, o som que era muito alto, a luz demasiado brilhante - tudo apaziguou. E eu descansei pela primeira vez na minha vida", revela.
Prince-Hughes percebeu que tinha algo em comum com os gorilas:
"Eles s�o muito lentos. Fazem tudo de forma deliberada. A comunica��o humana acontece r�pido demais, e n�o h� nada de fren�tico em rela��o aos gorilas."
"Sempre achei dif�cil o contato visual porque quando voc� olha realmente para algu�m, a quantidade de informa��o que vai e volta � uma experi�ncia intensa. Quando vi os gorilas pela primeira vez, eles ficavam apenas olhando para mim por cima do ombro. Era nessa velocidade que eu precisava ir", afirma.

Depois daquele dia, Prince-Hughes voltaria ao zool�gico sempre que podia. E come�ou a devorar toda informa��o que encontrava sobre gorilas.
"Eu s� queria estar com eles. � engra�ado porque as pessoas que est�o no espectro (do autismo), quando se interessam por algo, precisam saber tudo sobre aquilo. � por isso que deve ter tantos professores dentro do espectro que n�o foram diagnosticados", brinca.
Logo, ela come�aria a trabalhar como volunt�ria no zool�gico. E foi por meio da observa��o dos gorilas que ela diz ter aprendido as regras sociais da conviv�ncia humana:
"Eu senti, observando os gorilas, que a intera��o social podia ser muito significativa. Tive essa sensa��o de repente de querer compartilhar mais com outras pessoas. E copiei o que os gorilas faziam."
"Por exemplo, quando vi que um gorila estava triste, e outro gorila veio e deu um tapinha nas costas dele. S� isso bastou, e ele foi embora. Eu copiei esse comportamento e usei em uma situa��o na minha vida, funcionou muito bem. Foi a primeira vez que me senti realmente confort�vel estendendo a m�o e tentando confortar algu�m, fazendo esse tipo de contato", explica.
E um dos momentos mais marcantes da sua rela��o com os gorilas a pegou de surpresa.
Ela conta que estava concentrada colocando morangos na jaula para aliment�-los, quando de repente um dos animais - chamado Congo - tocou seu dedo.
"Foi simplesmente o momento mais m�gico da minha vida. Senti que o toque era algo maravilhoso e essencial, e at� ent�o eu n�o gostava. Soube naquele momento que era poss�vel apreciar o toque de outro ser vivo."
Foi assim que um mundo novo se abriu para Prince-Hughes - um mundo em que o contato com outros humanos e regras sociais n�o parecia mais t�o aterrorizante.
Ao mesmo tempo, seu profundo conhecimento sobre o comportamento dos gorilas come�ou a chamar aten��o. E o diretor de pesquisa do zool�gico a procurou para saber quais eram seus planos para o futuro:
"O futuro? Meus planos? Eu nunca tinha pensado nisso. E ele disse: 'Voc� deveria ir para a escola'. Minha rea��o imediata foi muito negativa. Eu nunca voltaria para a escola, aquele lugar horr�vel e cruel."
"Mas ele falou: 'Vamos ver o que podemos fazer. Por que voc� n�o faz alguns cursos b�sicos? Sem compromisso, s� para ver como vai ser'. E com a ajuda dele, comecei a faculdade", relembra.
Prince-Hughes � hoje doutora em Antropologia, especializada em etologia e primatologia.
Ela escreveu ainda v�rios livros sobre seu trabalho com os gorilas e a experi�ncia de ser diagnosticada com autismo.
"� engra�ado que fui acusada de antropomorfizar gorilas. Mas acho que, na verdade, o que fiz foi atribuir caracter�sticas dos gorilas aos seres humanos. Eu n�o via todos esses atributos maravilhosos nos seres humanos at� enxerg�-los nos gorilas", avalia.
"Os gorilas me deram meu lado humano."
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