Sexismo disfar�ado de bom conselho", "microagress�es di�rias", "ofensas ditas em tom de brincadeira, como se fossem apenas uma piada". Esses s�o relatos de um grupo de mulheres cientistas - no auge de suas carreiras -, que se veem alvo de machismo e preconceito mesmo trabalhando em um ambiente onde prevalece o alto n�vel de educa��o. Um quadro que parece piorar quanto mais elevado � o n�vel na carreira.
Na semana passada, chamou a aten��o o fato de tr�s pesquisadoras terem sido contempladas nas �reas de ci�ncia em uma mesma edi��o do Nobel. Em 120 anos do pr�mio, em um universo de mais de 600 laureados em ci�ncia, menos de 4% eram mulheres, como mostrou reportagem do Estad�o.
Estar no topo da carreira cient�fica, por�m, n�o s� ainda � uma raridade em todo o mundo para mulheres, como parece ser pouco capaz de blind�-las de serem alvo de machismo, em especial no Pa�s. As frases que abrem essa reportagem foram ditas por pesquisadoras brasileiras de ponta, que tiveram seu trabalho reconhecido no Pr�mio para Mulheres na Ci�ncia L’Or�al / Unesco / Academia Brasileira de Ci�ncias (ABC), iniciativa que completa 15 anos em 2020.
Para comemorar a data, os organizadores resolveram ouvi-las na tentativa de tra�ar um panorama do que elas viveram ao longo desse per�odo e refletir sobre o que pode ser melhorado a fim de incentivar a ci�ncia feminina. No levantamento, ao qual o Estad�o teve acesso com exclusividade, 90% disseram j� terem vivenciado situa��o de preconceito ou outra forma de discrimina��o em raz�o de seu g�nero. Foram ouvidas 70 das 96 laureadas at� o ano passado.
Machismo estrutural
Algumas delas conversaram com a reportagem e relataram situa��es que mais parecem tiradas de algum romance do s�culo passado - ou, como definem os especialistas em g�nero, s�o exemplos do machismo estrutural.
"Os colegas de trabalho se sentem � vontade de serem invasivos com a vida das mulheres. Eu viajo muito para congressos e frequentemente escuto coisas como: ‘Mas seu marido deixa? Voc� trabalha demais, ele vai deixar voc�.’ Coisas que a gente nunca vai ouvir algu�m perguntando para um homem", conta a matem�tica Jaqueline Mesquita, de 35 anos, professora da Universidade de Bras�lia.
A Matem�tica, em geral, tem poucas mulheres em seus quadros. A Medalha Fields, considerada o Nobel da disciplina, teve at� hoje apenas uma vencedora. O Pr�mio Abel, que homenageia toda a carreira de um matem�tico, tamb�m. Cen�rio que s� favorece os coment�rios machistas. "Tem um aluno querendo fazer doutorado comigo e ouvi colegas insinuando se ele estava interessado na minha pesquisa ou em outra coisa", diz Jaqueline.
S�o coment�rios justificados pelos homens como meras brincadeiras, piadas, mas que incomodam. Muitas das pesquisadoras dizem que acabam se acostumando ou desenvolvem formas de relevar o que escutam para conseguir tocar a vida. Na pesquisa, 74% afirmaram que tiveram de mudar seu comportamento ou maneirismos para serem levadas a s�rio por colegas de trabalho.
"Nunca fui de ficar triste, n�o poderia me apegar a isso se quisesse sobreviver. �s vezes a gente se habitua, nem se d� conta de que foi alvo de preconceito. Com o tempo, vai engrossando o couro", afirma Andrea de Camargo, de 46 anos, professora do Instituto de F�sica da USP, em S�o Carlos, vencedora do Pr�mio L’Or�al em 2007. A F�sica, junto com a Matem�tica, � das que menos tem mulheres entre os pesquisadores.
Na maior parte dos casos, afirma Andrea, o preconceito � velado, aparece nas entrelinhas. "Mas brinco que se n�o me respeitam como mulher, me respeitam pela minha estatura", diz a pesquisadora de 1,85m.
"Se a gente quiser ter voz, tem de falar mais alto, tem de bater a m�o na mesa. A� sempre vem algu�m falando: ‘Calma, n�o precisa ficar estressada’. Dizem que a gente � desequilibrada. Se um homem age assim, as pessoas ficam impressionadas. Mas se a gente fala baixo, tamb�m ningu�m escuta. Tem de se moldar ao ambiente", relata.
Andrea conta que no mesmo ano que recebeu o pr�mio - um ap�s ser contratada no instituto -, ela engravidou do primeiro filho. Tinha 34 anos. Quase ao mesmo tempo, ganhou uma bolsa na Alemanha, da Funda��o Humboldt. "N�o sabia como contar. Escrevi cheia de dedos: olha, s� tem um probleminha. Mas a resposta foi incr�vel. Disseram que a not�cia era maravilhosa, que a funda��o dava boas-vindas � fam�lia. E automaticamente aumentaram o valor da bolsa e estenderam o tempo para conclus�o. � outra vis�o."
A bi�loga Fernanda Werneck, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaz�nia (Inpa), laureada em 2016, aponta que nem sempre o que ocorre � algo dr�stico. "A gente acha que � s� um fato super marcante pode ser considerado preconceito, mas a� percebe que s�o microagress�es, aquele pequeno coment�rio, aquele olhar, aquele julgamento que faz muitas colegas acabarem ficando no meio do caminho, estancando onde n�o gostariam de ter parado", diz.
Fernanda, que faz muita pesquisa de campo, conta que tamb�m � comum as mulheres receberem olhares de desconfian�a de outros homens, que acham que elas s�o "fracas" e "n�o v�o dar conta" do esfor�o. A bi�loga diz que esse tipo de coment�rio � t�o "natural", que levou um tempo para ela perceber que se tratava de preconceito.
Em 2017, ela foi contemplada com o International Rising Talents, tamb�m da L'Or�al, e foi a Paris passar uma semana de cursos com outras premiadas de todo o mundo, entre elas as duas pesquisadoras que receberiam na semana passada o Nobel de Qu�mica, Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna. "O pr�mio me empoderou muito, aprendi a reconhecer coisas que eu n�o percebia e vi a necessidade de levar a quest�o para mais gente, mais lugares. Precisamos de mais iniciativas desse tipo para melhorar a situa��o da mulher na ci�ncia."
Retrato da Ci�ncia
Confira alguns resultados da pesquisa feita com 70 laureadas pelo pr�mio.
90% das laureadas j� vivenciaram uma situa��o de preconceito ou outra forma de discrimina��o em raz�o de seu g�nero
74% afirmaram que tiveram que mudar seu comportamento ou maneirismos para serem levadas a s�rio por colegas de trabalho
Apenas uma em cada quatro cientistas considera que a administra��o de seus ambientes de trabalho acreditou na veracidade das alega��es de ass�dio sexual, sendo que 70% j� foram v�timas ou presenciaram tais situa��es, nas formas f�sicas ou verbais
80% afirmaram ter feito concess�es na carreira por causa do c�njuge ou da fam�lia
A maioria das laureadas afirmou que ter um filho afeta a carreira de uma mulher na ci�ncia (86%), enquanto a maioria delas (77%) precisou tomar decis�es dif�ceis relacionadas aos filhos - como se teriam, quantos e quando seria poss�vel - para acomodar suas carreiras
30% acreditam que as mulheres, ao entrar em suas �reas, t�m as mesmas oportunidades que os homens
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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