
Descobrir como o novo coronav�rus, o causador da COVID-19, afeta o c�rebro humano segue sendo um desafio de m�dicos e cientistas. Na tentativa de compreender melhor essa quest�o, pesquisadores dos Estados Unidos avaliaram um grupo de indiv�duos que apresentavam sintomas cognitivos ap�s a infec��o pelo Sars-CoV-2 e descobriram que esses pacientes tamb�m tinham irregularidades na composi��o do l�quido cefalorraquidiano, uma subst�ncia essencial para o funcionamento do sistema nervoso. O resultado do trabalho foi apresentado em edi��o recente da revista Annals of Clinical and Translational Neurology.
Participaram da pesquisa 22 adultos, com idade m�dia de 48 anos, que demonstraram problemas cognitivos ap�s a infec��o pelo novo coronav�rus. Os cientistas chamaram as complica��es de “nevoeiro cerebral”. “S�o pessoas que apresentam dificuldades para lembrar de eventos recentes, esquecem nomes ou palavras, n�o conseguem manter o foco e reter informa��es, al�m de ter um racioc�nio mais lento”, explica, em comunicado, Joanna Hellmuth, pesquisadora do Centro de Mem�ria e Idade da Universidade da Calif�rnia, nos Estados Unidos, e uma das autoras do estudo.
A equipe tamb�m analisou outros 10 participantes sem problemas cognitivos (grupo de controle), com m�dia de 39 anos. Todos os volunt�rios haviam sido infectados pelo Sars-CoV-2, mas n�o precisaram de hospitaliza��o. Desse grupo inicial, 17 pessoas aceitaram se submeter ao procedimento de pun��o lombar, em que o l�quido cefalorraquidiano � retirado da medula espinhal. Dessa forma, nessa segunda fase da pesquisa, participaram 13 pessoas que tinham o nevoeiro cerebral, e quatro do grupo de controle
Dez dos 13 participantes com sintomas cognitivos, o equivalente a 76% da amostra, apresentavam irregularidades no l�quido cefalorraquidiano. J� as quatro amostras de participantes sem sintomas cognitivos p�s-COVID-19 estavam normais. No caso dos materiais com irregularidades, havia n�veis elevados de prote�nas e a presen�a incomum de anticorpos – estruturas de defesa encontradas apenas quando o sistema imunol�gico est� ativado.
INFLAMA��O CEREBRAL “A identifica��o dessas altera��es nos sugere uma poss�vel inflama��o cerebral”, detalham os autores no trabalho. Eles acreditam que, embora os alvos dos anticorpos presentes no l�quido cefalorraquidiano sejam desconhecidos, � poss�vel que essas c�lulas de defesa estejam atacando o pr�prio corpo, em uma rea��o autoimune.
“� prov�vel que o sistema imunol�gico, estimulado pelo v�rus, esteja gerando respostas err�neas, prejudicando o organismo”, detalha Hellmuth. “E isso � algo t�o poderoso que acontece at� quando os indiv�duos j� n�o t�m mais o v�rus no corpo”, acrescenta a especialista. As pun��es lombares ocorreram, em m�dia, 10 meses ap�s o surgimento do primeiro sintoma da COVID-19.
Os pesquisadores tamb�m constataram que os volunt�rios com sintomas cognitivos tinham em m�dia 2,5 fatores de risco para problemas neurol�gicos. No grupo de controle, o n�mero era menor que um. “Esses fatores de risco incluem diabetes e hipertens�o, que podem aumentar o risco de acidente vascular cerebral (AVC), al�m de ansiedade, depress�o, hist�rico de consumo exagerado de �lcool ou uso repetido de estimulantes e dificuldades de aprendizagem”, detalham os autores do estudo.
COMO O HIV Outro fator que chamou a aten��o � que as irregularidades constatadas s�o semelhantes �s observadas em infectados pelo HIV. Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa L�cia, em Bras�lia, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), explica que isso est� relacionado a um desequil�brio do sistema imune. “Como os autores explicam, o mesmo tipo de irregularidade no l�quido cefalorraquidiano foi encontrado em pacientes com HIV e, possivelmente, isso pode ocorrer com outros tipos de infec��o que perturbam o sistema de defesa.”
O m�dico brasileiro avalia que a pesquisa traz dados que refor�am a for�a do v�rus causador da COVID-19 no corpo humano. “J� sabemos que os pat�genos infectam o organismo como um todo e podem causar inflama��es em todos os �rg�os, nas vias a�reas, no cora��o e, como o estudo mostra, tamb�m no c�rebro”, afirma. “Outro ponto importante � que esses danos foram vistos em pacientes com formas leves da doen�a. Antes, acredit�vamos que os danos cognitivos aconteceriam apenas na COVID-19 em forma grave”, enfatiza.
Marcelo Lobo tamb�m observa que os dados vistos no estudo precisam de aprofundamento. “Uma an�lise com mais pacientes vai ajudar a entender melhor essas altera��es e, a partir da�, podemos pensar em tratamentos para pessoas que podem sofrer com danos cognitivos mesmo depois de meses curadas da COVID-19”, afirma.

Sequelas depois de 1 ano de interna��o
Camilla Germano
Pouco se sabe ainda sobre as consequ�ncias e sequelas deixadas pela COVID-19 ap�s longos per�odos de interna��o. Pensando nisso, uma pesquisa do Centro M�dico da Universidade de Radboud, na Holanda, analisou 246 pacientes que foram internados com a doen�a em unidades de terapia intensiva (UTI) um ano ap�s a interna��o, para identificar poss�veis sequelas.
O estudo, publicado no jornal cient�fico Journal of the American Medical Association (JAMA), foi realizado entre 176 homens e 70 mulheres, com m�dia de idade de 61 anos. Por meio de question�rios, eles responderam a perguntas sobre como estavam seus quadros de sa�de um ano ap�s a interna��o na UTI.
Dos entrevistados, 75% apresentaram problemas ap�s um ano. O principal problema f�sico relatado foi a fadiga, al�m de condi��o reduzida, dor, fraqueza muscular e falta de ar. Os sintomas mentais mais comuns foram relatados em um a cada cinco sobreviventes, como ansiedade ou estresse p�s-traum�tico. Uma em cada seis pessoas relatou problemas cognitivos, como problemas de mem�ria ou aten��o.
Mais da metade dos entrevistados indicou ter problemas relacionados ao trabalho em raz�o dos problemas de sa�de, como precisar reduzir a jornada, ter que tirar licen�a m�dica e at� mesmo abandonar o emprego.
“Este estudo mostra o impacto que uma admiss�o na UTI tem na vida de ex-pacientes com COVID-19. Mesmo depois de um ano, metade deles est� cansado ou sente falta de energia para retomar seu trabalho”, explica Marieke Zegers, pesquisadora principal do Centro M�dico da Universidade de Radboud.