
Esta � a �rea rural de Langkawi em sua forma mais buc�lica; onde b�falos-do-p�ntano pastam tranquilamente na companhia de suas fi�is companheiras, as gar�as-vaqueiras.
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Seguindo para noroeste, as plan�cies d�o lugar aos cumes irregulares do Machinchang Cambrian Geoforest Park, resultado da atividade geol�gica de 500 milh�es de anos, agora coberto por uma exuberante floresta tropical.
"Eles constru�ram trilhas pela floresta tropical, que � o local perfeito para avistar mam�feros noturnos", explicou Miard, mal conseguindo conter a emo��o, no estilo do c�lebre naturalista e apresentador brit�nico David Attenborough.
As cigarras nos deram as boas-vindas � floresta tropical com um coro estridente. Algo saltou acima das nossas cabe�as, um esquilo-voador talvez, seguido de perto por um par de morcegos frug�voros que zumbiam entre as palmeiras como dois amantes dan�ando.
Quando caiu a noite na ilha, ficou evidente que outro mundo havia despertado.
Logo nos encontramos com dois dos assistentes de pesquisa de Miard — Fizri Zubir, aluno de mestrado na Universidade Sains Malaysia, que estuda o comportamento dos colugos, segurando uma c�mera; e Nur Liyana Binti Khalid, que estuda ci�ncias florestais na Universidade de Malaysia Sabah, ostentando uma lanterna na cabe�a como se estivesse se preparando para descer uma caverna.
Mas a aten��o deles estava voltada para o alto: a luz vermelha vasculhava as �rvores como uma patrulha noturna � procura de combatentes em uma guerra na selva. Miard usava uma c�mera de imagem t�rmica para rastrear as sombras. N�o demorou muito para encontrarmos o que est�vamos procurando.
"Tem um ali", disse Zubir, apontando para o tronco de uma �rvore enorme.

Atrav�s da fraca ilumina��o, avistamos um objeto redondo suspenso sob um dos galhos, que mal era poss�vel distinguir e poderia facilmente ter passado por uma jaca — se n�o come�asse a se desdobrar.
"Est� prestes a come�ar seu ritual matinal!", afirmou Miard, da mesma maneira como uma m�e orgulhosa poderia falar de seu filho.
A criatura se espregui�ou e, em seguida, se agarrou ereta com suas garras afiadas na �rvore e come�ou a se preparar. Sua pele chamava aten��o porque, francamente, havia muita.
Uma membrana que se estende do seu pesco�o passando por suas m�os e p�s at� a cauda, %u200B%u200Bcom um formato semelhante a uma pipa, diferencia o colugo, antes conhecido como l�mure-voador, de outros planadores noturnos como o esquilo-voador, que tem uma cauda longa que usa para guiar seu voo.
Como n�o voam, tampouco usam a cauda como leme, os colugos, com a l�gica de uma asa-delta que salta de uma encosta, normalmente sobem em uma �rvore antes de tentar planar. Ainda assim, seu alcance � impressionante.
De acordo com Miard, eles foram filmados fazendo um voo planador de 150m, embora saltos de 30m ou menos sejam muito mais comuns.

Depois de se preparar, o colugo ergueu o rabo para se livrar do jantar do dia anterior. Foi dif�cil n�o tra�ar paralelos entre os h�bitos dos colugos e o que n�s, humanos, costumamos fazer pela manh�.
"Os colugos n�o est�o muito distantes de n�s," afirmou Miard.
"As pessoas costumavam pensar que eram parentes de morcegos ou esquilos, mas isso n�o � verdade. Na verdade, os primatas s�o alguns de seus parentes vivos mais pr�ximos."
O status de elo perdido do colugo — eles, na verdade, pertencem � sua pr�pria ordem, dos derm�pteros, tendo sobrevivido mais que todos os seus primos planadores mam�feros mais pr�ximos — � apenas uma de suas qualidades intrigantes, que tamb�m incluem alimentar seus filhotes com leite excretado de gl�ndulas localizadas sob suas axilas; prefer�ncia por folhas e flores a frutos; lamber seus olhos como lagartos para limp�-los; e se comunicar por meio de ultrassom (como morcegos quase cegos), apesar de ter uma boa vis�o.
"Eles geralmente dormem em �rvores diferentes de onde gostam de se alimentar", observou Miard, enquanto um colugo pulava da copa das �rvores, planando sobre nossas cabe�as como um filhote de gato amarrado a uma pipa.
Ele pousou sem incidentes e imediatamente come�ou a comer uma suculenta salada de folhas e um acompanhamento de l�quen rico em minerais, que consumiu diretamente do galho.
Os humanos viveram junto aos colugos por s�culos. Eles foram registrados pela ci�ncia pela primeira vez em 1758 — e fizeram at� uma apari��o na Viagem Ao Arquip�lago Malaio, texto seminal do renomado naturalista brit�nico Alfred Russel Wallace, escrito em 1869:
"Outro animal curioso que conheci em Cingapura e em Born�u [...] � o Galeopitec�deo, ou l�mure-voador. Essa criatura tem uma ampla membrana que se estende ao redor de seu corpo at� as extremidades dos dedos dos p�s, e at� a ponta de sua cauda bastante longa. Isso permite que ele passe obliquamente pelo ar de uma �rvore para outra... "
Os colugos tampouco s�o incomuns. Embora o colugo filipino seja exclusivo de apenas algumas ilhas das Filipinas, o colugo malaio � encontrado na maioria dos habitats florestais do sudeste asi�tico. O que levanta a quest�o �bvia: por que n�o se sabe mais sobre eles?
� um enigma que come�ou a intrigar Miard nos �ltimos tr�s anos, enquanto estudava mam�feros noturnos nas ilhas malaias de Penang e Langkawi como parte de sua pesquisa de doutorado.
"Em Penang [uma ilha a apenas 108 km ao sul de Langkawi], onde comecei minha pesquisa, me concentrei principalmente na metodologia de pesquisa para rastrear mam�feros noturnos, como civeta, loris-lento, cervo-rato e javali selvagem," contou.

"Mas encontrei colugos vivendo em todos os lugares. Eles viviam em fazendas e em jardins � beira da estrada. Mas havia tantos dados faltando. Isso � o que me deixou realmente interessada em estud�-los."
Uma raz�o comumente citada para nossa persistente falta de conhecimento em rela��o aos colugos � que eles s�o animais sens�veis. De acordo com o naturalista Irshad Mobarak de Langkawi, "nenhum zool�gico do mundo os criou com sucesso em cativeiro".
Suas fant�sticas habilidades de camuflagem, h�bitos noturnos e o fato de terem as �rvores como habitat tamb�m aludem ao motivo de terem escapado da aten��o popular por tanto tempo. Al�m disso, eles n�o nos comem, e tampouco n�s a eles.
Mas, para um naturalista dedicado, nenhuma desculpa pode compensar uma lacuna desconcertante no conhecimento cient�fico.
Sabendo que a observa��o e o trabalho de campo seriam essenciais para conhecer os colugos, Miard se mudou para Langkawi em 2018, onde uma cobertura florestal maior e terras mais planas auxiliam sua pesquisa, al�m de fornecer um local secund�rio para comparar suas descobertas em Penang.
Com a ajuda da Malaysian Primatological Society, ONG com sede em Penang, ela estabeleceu uma Esta��o de Pesquisa de Colugo em Temoyong, em Langkawi, que oferece uma base para estudantes e pesquisadores curiosos de todas as disciplinas virem estudar colugos.
Localizada entre uma mesquita e um posto de gasolina, a �rea ao redor da esta��o de pesquisa � o lugar ideal para estudar como os colugos est�o se adaptando � invas�o humana em seu territ�rio.
Fomos para l� em nossa segunda noite, assim que um alto-falante come�ou a chamar os fi�is para a ora��o noturna.
No alto, o sol poente coloria o c�u em tons espetaculares de laranja e depois roxo, o famoso p�r do sol de Langkawi, outra atra��o natural da ilha.
"Todas essas �rvores teriam sido plantadas por pessoas", explicou Miard, enquanto caminh�vamos do centro de pesquisa para a rua Bohor Tempoyak na companhia de seu assistente de pesquisa Zubir.
Curiosamente, na Pen�nsula da Mal�sia, os colugos raramente deixam as florestas, mas em Langkawi, eles chegam muito mais perto de �reas de povoamento humano. Ningu�m sabe exatamente por qu�.
Por um breve momento, Miard e Zubir acreditaram ter visto um colugo, um objeto branco em movimento avistado com a c�mera de imagem t�rmica. Mas acabou sendo um alarme falso: era um p�ssaro fazendo ninho na copa das �rvores.
Quando nossas esperan�as estavam se esvaindo, eles avistaram um colugo agarrado a um tronco � beira da estrada. Em uma segunda inspe��o, descobriram que, na verdade, eram dois: uma m�e e seu filhote beb�, agarrado a seu peito.

"Ah, olha como s�o fofos, aquele pequenino deve ter apenas algumas semanas de vida", disse Miard, antes de assumir uma postura mais profissional.
"Observamos que eles podem ter at� tr�s filhotes por ano; e n�o parecem ter uma temporada de acasalamento espec�fica."
Em pouco tempo, colugos apareceram ao nosso redor, emergindo da escurid�o como fantasmas, usando a estrada como uma esp�cie de passagem a�rea — a lacuna formada pela rodovia, uma estrada secund�ria de duas pistas, mostrou ser o espa�o ideal para um animal que plana, mesmo que quase acidentes com caminh�es e motocicletas fossem comuns.
"Aprendemos que eles s�o muito soci�veis", afirmou Miard se referindo � comunidade do bairro.
"Uma �rea pode ter at� 20. Mas gostar�amos de marcar um para rastrear seus movimentos com mais detalhes."
Apesar de manifestar adaptabilidade a v�rios habitats, h� muita preocupa��o com as amea�as impostas aos colugos na Mal�sia, pa�s onde o desmatamento continua sendo um problema real.
"A perda de habitat � a maior amea�a", ela disse. "Mas alguns fazendeiros os matam tamb�m."
O assassinato de colugos como praga � ir�nico porque eles, na verdade, s�o ben�ficos para o meio ambiente.
"Os colugos s�o essenciais para a produtividade das �rvores", explicou Miard.
"Veja o duri�o, fruta que os malaios amam. Quando a �rvore floresce, os colugos comem algumas dessas flores. Isso resulta em uma fruta de melhor qualidade."
A quest�o da conscientiza��o sobre o colugo � onde a pesquisa de Miard se encontra com a conserva��o, j� que esses mam�feros misteriosos s�o an�logos � sa�de do ecossistema.
A Mal�sia � um dos apenas 17 pa�ses considerados megadiversos pelos cientistas, mas tamb�m � uma na��o em r�pido desenvolvimento, onde os humanos est�o colocando uma press�o cada vez maior sobre o mundo natural, sobretudo na selva, que � desmatada para cultivo ou constru��o de moradias.
Nesse sentido, os resultados de sua pesquisa s�o publicados nos perfis de rede social do Night Spotting Project (NSP), cujos objetivos incluem "salvar mam�feros noturnos por meio de pesquisa, educa��o e capacita��o da comunidade".
Miard tamb�m gostaria que Langkawi se voltasse mais para o ecoturismo.
"Muitos turistas v�m aqui e alugam jet skis na Cenang Beach ou v�o ao shopping comprar produtos duty free. Mas Langkawi poderia ser como Sabah [estado no leste da Mal�sia] e desenvolver o turismo em torno da natureza. A maioria das pessoas n�o tem ideia de qu�o rico � o recurso animal", diz.
"A trilha na floresta � incr�vel, mas poucas pessoas v�o para a floresta, exceto os locais, para ca�ar. Esta ilha poderia realmente ser um ponto de ecoturismo", finalizou Miard, sugerindo que Langkawi ficasse conhecida como "a ilha dos colugos".
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Travel.
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