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Estado de Minas

Em busca de respostas para tratar o Alzheimer

Nos �ltimos 30 anos, os testes de medicamentos para a doen�a n�o resultaram em efeitos significativos


12/07/2021 04:00

(foto: SEBASTIEN BOZON/AFP)
(foto: SEBASTIEN BOZON/AFP)

"Do ponto de vista cl�nico, temos as mesmas medica��es h� praticamente duas d�cadas. E s�o medica��es que, na verdade, n�o modificam o curso da doen�a. Elas s�o sintom�ticas, acima de tudo para tratamento das altera��es comportamentais, que s�o extremamente comuns durante a evolu��o da doen�a de Alzheimer. N�o h� nada realmente curativo"

Ma�sa Kairalla, especialista em geriatria pela Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp)


Em 3 de novembro de 1906, um psiquiatra e neuroanatomista do Hospital Psiqui�trico de Frankfurt subiu � tribuna do 37º Encontro Anual de Psiquiatras Alem�es, em Tubingen, para relatar um caso acompanhado por ele em 1901. Uma mulher de 50 anos, Auguste D., foi admitida na institui��o com sintomas de paranoia, sonol�ncia, perda de mem�ria, agress�o e confus�o.

A aut�psia da paciente, morta cinco anos depois, revelou ac�mulo de placas e emaranhados de fibras no c�rebro. A apresenta��o, chamada “Um processo peculiar de doen�a grave do c�rtex cerebral”, n�o despertou interesse e, sem receber nenhuma pergunta, o Dr. Alois Alzheimer desceu do palco, sem saber que, 115 anos depois, a doen�a que leva seu nome seria uma das mais estudadas no mundo. E que, passado tanto tempo, a ci�ncia ainda n�o teria uma cura para ela.

O que Alzheimer viu nas amostras de Auguste D. e de outros quatro pacientes estudados por ele � o que, at� hoje, est� sob os microsc�pios dos pesquisadores que buscam freneticamente um tratamento eficaz para a doen�a. As placas se formam quando a prote�na beta amiloide sofre modifica��es moleculares e passa a se acumular pelo c�rebro. “Imagine uma lasca de vidro afiada e pegajosa ao mesmo tempo. Essa subst�ncia se deposita entre as c�lulas, formando placas”, descreve o m�dico geriatra Ot�vio Castello, presidente da regional DF da Associa��o Brasileira de Alzheimer. Isso reduz a comunica��o dos neur�nios, provocando a morte e a disfun��o deles.

J� os emaranhados de fibras acontecem dentro das c�lulas e est�o associados a outra prote�na, a tau. Ela � o esqueleto de uma estrutura do neur�nio chamada microt�bulo – “uma esp�cie de esteira rolante que transporta coisas por dist�ncias longas”, na defini��o de Castello. Na doen�a, uma desorganiza��o da prote�na faz com que o microt�bulo se desfa�a, provocando a morte neuronal.

Juntas, as anomalias na beta amiloide e na tau s�o as caracter�sticas fisiol�gicas mais marcantes da doen�a e, h� 30 anos, os principais focos dos testes de medicamentos que, por�m, t�m decepcionado. Entre m�dicos e pesquisadores h�, hoje, o entendimento de que a pe�a-chave para se chegar � cura da doen�a pode estar em outro lugar.

“Do ponto de vista cl�nico, temos as mesmas medica��es h� praticamente duas d�cadas”, destaca Ma�sa Kairalla, especialista em geriatria pela Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp). “E s�o medica��es que, na verdade, n�o modificam o curso da doen�a. Elas s�o sintom�ticas, acima de tudo para tratamento das altera��es comportamentais, que s�o extremamente comuns durante a evolu��o da doen�a de Alzheimer. N�o h� nada realmente curativo”, diz.

EM ESTUDOS 
Para se ter uma ideia, entre 2002 e 2012, 412 subst�ncias foram testadas e 255 chegaram � fase 3, a �ltima antes da aprova��o de um medicamento. Dessas, nenhuma funcionou. Atualmente, h� 126 agentes em 152 estudos para a enfermidade. Desses, 28 na fase 3; 74, na 2; e 24, na 1. A maioria das drogas nos ensaios foca a biologia por tr�s da doen�a, com a inten��o de modificar seu curso, segundo um artigo da Universidade de Nevada, em Las Vegas. Recentemente, uma decis�o pol�mica do Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, aprovou o primeiro rem�dio com indica��o para tratar a doen�a, e n�o apenas os sintomas. Por�m boa parte da comunidade m�dica ficou insatisfeita devido aos resultados insatisfat�rios que levaram a essa decis�o, e os funcion�rios respons�veis pela aprova��o foram afastados do �rg�o.

Compreens�o das c�lulas da glia

“Os m�dicos hoje est�o estudando os efeitos terap�uticos da amiloide e da tau, mas participei de um estudo no qual o resultado sugere outra participa��o importante: a das c�lulas da glia, que est�o envolvidas em cada etapa do processo. A compreens�o aprimorada das c�lulas da glia e de seus pap�is na neurodegenera��o progressiva pode fornecer novas oportunidades para o tratamento dessa doen�a”, diz Forest White, do Centro de Pesquisa Neurodegenerativa ASU-Banner, nos EUA. Ele � coautor de um estudo recente, publicado na revista Nature Aging, que explora o perfil molecular detalhado de mudan�as em n�veis proteicos e altera��es conhecidas como fosforila��o de prote�na em uma coorte de pacientes com tecido cerebral bem preservado.

A an�lise dos pesquisadores destaca a associa��o entre o ac�mulo das prote�nas t�xicas, a neurodegenera��o e as c�lulas gliais, que sustentam e protegem os neur�nios no c�rebro. Em particular, eles encontraram uma liga��o intrigante entre marcadores de destrui��o neuronal e dois tipos de c�lulas gliais: oligodendr�citos e microglia. Altera��es progressivas nessas c�lulas podem ser a chave para a compreens�o das causas da neurodegenera��o, sustenta White.

“Embora a hip�tese da amiloide e da tau sejam apoiadas por consider�veis estudos gen�ticos e de biomarcadores, os dados de ensaios cl�nicos fracassados sugerem que outros alvos potenciais devem ser explorados”, destaca Jiong Shi, professor da Cl�nica Cleveland, em Nevada, e autor de um artigo publicado na revista British Medical Journal chamado Doen�a de Alzheimer al�m da amiloide: estrat�gias para interven��es futuras. “Precisamos explorar �reas promissoras de pesquisa que visam �s mudan�as patol�gicas associadas � doen�a de Alzheimer e afetam o desempenho cognitivo, como fatores de risco vascular e inflamat�rio. Se isso se correlaciona ou n�o com a deposi��o de biomarcadores � algo que requer uma investiga��o mais aprofundada.”

Tr�s perguntas para...

Ot�vio Castello, m�dico geriatra e presidente da regional DF da Associa��o Brasileira de Alzheimer

Medicamentos focados nos principais biomarcadores da doen�a n�o chegaram a resultados animadores. � poss�vel que uma outra via de desenvolvimento da doen�a n�o tenha sido descoberta ainda?
� importante deixar claro que a causa raiz da doen�a de Alzheimer � desconhecida. O que sabemos s�o mecanismos de como ela destr�i o c�rebro, as placas beta amiloide e os emaranhados neurofibrilares, que acontecem concomitantemente. Os dois s�o marcadores de que a doen�a est� acontecendo e comp�em um modelo te�rico chamado teoria da cascata amiloide. O que ocorre � que as pessoas confundem, achando que isso � a causa da doen�a, mas n�o � a causa, � uma engrenagem. Nos �ltimos anos, todos os rem�dios com que tentaram mexer nessa engrenagem falharam. O fracasso � t�o retumbante que o �ltimo rem�dio aprovado foi a memantina, em 2003. E ela somente ameniza os sintomas. A gente sabe que tanto a beta amiloide quanto a tau est�o envolvidas, mas n�o sabemos tudo.

A aprova��o da droga aducanumabe pelo FDA foi muito criticada no meio cient�fico e m�dico. Por que a pol�mica em torno dessa subst�ncia?
Em setembro de 2016, a publica��o do estudo de fase 2, na capa da revista Nature, foi muito impactante. Houve uma grande expectativa de ele ser o primeiro rem�dio modificador do curso da doen�a. Mas, em 2018, os estudos de fase 3 n�o estavam tendo bons resultados. Em julho de 2019, no maior congresso de doen�a de Alzheimer do mundo, o investigador principal disse que o rem�dio foi sepultado. Depois, a sociedade cient�fica foi surpreendida quando a Biogen (laborat�rio que desenvolveu o rem�dio) foi a p�blico dizer que uma an�lise de um pequeno subgrupo mostrou que este se beneficiava das doses mais altas do rem�dio. Os resultados n�o foram publicados. Fizeram apresenta��o em PowerPoint, mas, at� hoje, n�o fizeram a publica��o. O subgrupo era pequeno e teve um resultado 20% melhor que o placebo. � um resultado muito modesto de um subgrupo muito pequeno.

H� algum estudo promissor?
Tem uma quantidade enorme de drogas em desenvolvimento. E tamb�m outros tratamentos, como terapia magn�tica transcraniana. Existe um tratamento que um grupo espanhol fez, que � a plasmaf�rese, pelo qual voc� tira o sangue, esse sangue passa por um filtro e, depois, � devolvido. Nos estudos de fase 2, se obteve um resultado interessante. Mas, infelizmente, a gente n�o tem, neste momento, um tratamento que seja promissor. A gente acredita que os anticorpos monoclonais ser�o a grande fronteira do tratamento.


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