(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas TEMPO LIVRE

Por que ter muito tempo livre pode ser t�o estressante

Algumas pessoas tentam tornar cada hora de lazer perfeita, enquanto outras odeiam tirar folga - ser� que esquecemos como aproveitar o tempo livre?


01/11/2021 19:47 - atualizado 02/11/2021 10:26

Mulher entediada na praia
(foto: Getty Images)

O lazer � a recompensa, certo? Trabalhamos muito, por isso queremos nos divertir muito; aguardamos ansiosamente nossas folgas, acreditando que quanto mais tempo livre tivermos, melhor ser� a vida.

Aproveitar esses momentos deveria ser algo que acontece naturalmente.

No entanto, pesquisas mostram que tanto ter tempo livre, quanto decidir como aproveit�-lo pode ser muito estressante.


Algumas pessoas sentem uma press�o enorme para aproveitar ao m�ximo as folgas da melhor maneira poss�vel: pesquisando mais, se antecipando e gastando mais dinheiro.

Mas, como os dados provam, essa press�o pode interferir em como aproveitamos o momento de lazer em si.

Al�m disso, algumas pessoas t�m dificuldade de ver o lazer como algo que vale a pena.

Esses indiv�duos — muitas vezes em empregos de alto estresse e alta remunera��o — priorizam a produtividade ao ponto que n�o conseguem desfrutar de tempo livre, muitas vezes em detrimento de sua sa�de mental.

Por mais diferentes que sejam seus problemas com o lazer, os dois grupos t�m dificuldade de aproveitar o tempo livre pelo mesmo motivo: a forma como percebemos e valorizamos o lazer mudou, de forma problem�tica.

Entender essa evolu��o e encontrar maneiras de mudar nossas atitudes pode ser ben�fico para todos — e ajudar as pessoas a come�arem a se divertir de novo.

A mudan�a do conceito de lazer

"O lazer evoluiu dramaticamente ao longo dos s�culos e entre as culturas", diz Brad Aeon, professor da Escola de Ci�ncias da Gest�o da Universidade de Quebec em Montreal, no Canad�.

"Uma coisa consistente sobre o lazer, no entanto, � que ele sempre foi contrastado com o trabalho."

H� 2 mil anos, os conceitos de trabalho e lazer eram associados � servid�o e � liberdade, respectivamente.

Na Gr�cia Antiga, explica Aeon, a maior parte do trabalho era tercerizado para escravos, enquanto as partes mais ricas da sociedade realizavam outras atividades.

"O lazer era um estado mental ativo. Um bom lazer significava praticar esportes, aprender teoria musical, debater com colegas qualificados e fazer filosofia. Lazer n�o era algo f�cil, mas deveria ser gratificante."

Aeon acredita que ocorreu uma mudan�a quando os romanos come�aram a ver o lazer como uma forma de se recuperar para se preparar para mais trabalho, uma transi��o que se acelerou significativamente durante a Revolu��o Industrial.

Por volta de 1800, o tipo de lazer que significava status tamb�m havia mudado: os ricos levavam vidas abertamente ociosas.

Um exemplo popular � a descri��o do fil�sofo Walter Benjamin da moda, por volta de 1893, de caminhar pelas galerias com uma tartaruga na coleira.

Anat Keinan, professora de marketing da Escola de Neg�cios Questrom da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, conduziu uma extensa pesquisa sobre o valor simb�lico do tempo.

Ela explica que hoje estamos vendo mais uma transi��o: a falta de tempo de lazer agora funciona como um poderoso s�mbolo de status.

"No Twitter, as celebridades 'desabafam' com falsa mod�stia sobre 'n�o ter vida' e 'estar precisando desesperadamente de f�rias'", destaca.

No ambiente profissional, fazer parte da cultura de longas jornadas de trabalho ainda � visto por muitos como uma medalha de honra.

Na verdade, aqueles que t�m mais dinheiro para gastar com lazer provavelmente tamb�m est�o trabalhando por mais horas.

"Pessoas com alto n�vel de escolaridade (pense em cirurgi�es, advogados, altos executivos) geralmente buscam empregos bem remunerados que exigem candidatos altamente produtivos dispostos a trabalhar por muitas horas", explica Aeon.

"Isso significa que aqueles que mais reclamam de n�o ter tempo livre suficiente s�o ricos e instru�dos."

Isso alimenta a ideia de que devemos maximizar a "utilidade hed�nica" do lazer, ou o valor do prazer, quando realmente temos algum tempo de folga — e fazer valer cada segundo.

Os maximizadores do lazer


Homem fazendo selfie em montanha coberta de neve
Para algumas pessoas, o lazer passou a representar experi�ncias colecion�veis %u200B%u200Bque transmitem status, muitas vezes nas redes sociais (foto: Getty Images)

Os economistas chamam a ideia de que devemos maximizar nosso tempo livre de intensifica��o do valor do tempo de lazer.

No livro Spending time: The most valuable resource ("Gastando o Tempo: o recurso mais valioso", em tradu��o livre), o economista americano Daniel Hamermesh explica que "nossa capacidade de comprar e desfrutar de bens e servi�os aumentou muito mais r�pido do que a quantidade de tempo dispon�vel para apreci�-los".

Essa press�o se manifesta em nossas decis�es. "Sentimos que queremos ter o melhor retorno para nosso dinheiro e tempo", explica Aeon.

"Ent�o investimos mais dinheiro em lazer. Melhores hot�is, melhores experi�ncias de cinema — como IMAX ou Netflix em 4K."

Tudo isso pode levar a horas de an�lise sobre avalia��es, planejando cuidadosamente as atividades de lazer.

Isso pode n�o ser algo necessariamente ruim, descobriram os pesquisadores, uma vez que a prepara��o antes da viagem contribui em grande parte para a felicidade dos turistas.

Mas muita expectativa tamb�m pode ser uma armadilha.

Uma nova pesquisa mostra que julgamos os eventos futuros positivos como mais distantes e mais curtos do que os negativos ou neutros, nos levando a sentir que as f�rias acabam assim que come�am.

Da mesma forma, a maneira como buscamos experi�ncias de lazer de alto n�vel tornou a recrea��o mais estressante do que nunca.

Altas expectativas podem entrar em conflito com a realidade vivenciada, tornando-a um anticl�max; enquanto tentar planejar as melhores f�rias ou experi�ncias de lazer de todos os tempos pode alimentar a performatividade.

Em seu artigo de pesquisa de 2011, Keinan primeiro prop�s que alguns consumidores trabalham para adquirir experi�ncias colecion�veis %u200B%u200Bque s�o incomuns, novas ou extremas porque ajudam a enquadrar nosso lazer como sendo produtivo.

Ao focar no nosso "checklist" de experi�ncias em vez de buscar simplesmente aproveitar o momento, ela escreve, constru�mos nosso "curr�culo de experi�ncias".

E, assim como um curr�culo tradicional, onde mostramos o que temos de melhor, este curr�culo de experi�ncias pode se tornar um terreno f�rtil para a competi��o.

Keinan acredita que as redes sociais exacerbam nosso foco no lazer produtivo.

Fazendo refer�ncia a um artigo de pesquisa de 2021, ela sugere que as pessoas passaram a sinalizar seus status e conquistas em dom�nios alternativos — neste caso, no uso de seu tempo livre.

"Os usu�rios postam apresenta��es de si mesmos cuidadosamente selecionadas, cruzando as linhas de chegada de maratonas e subindo Machu Picchu. O consumo ostensivo costumava ser uma forma de as pessoas exibirem seu dinheiro por meio de bens de luxo escassos. Agora, elas ostentam como gastam seu valioso tempo apenas em atividades que s�o verdadeiramente significativas, produtivas ou espetaculares", diz ela.

As pessoas que odeiam lazer

Alguns indiv�duos t�m dificuldade de aproveitar o lazer. Alguns tentam "hackear" o lazer aplicando t�cnicas de produtividade, diz Aeon, como ouvir um podcast enquanto correm ou assistir a s�ries do Netflix com o dobro da velocidade normal.

Outros podem nem sequer tirar folga.

Por exemplo, apenas 14% dos americanos tiram f�rias por duas semanas seguidas, uma descoberta alinhada � cultura do excesso de trabalho.


Mesa de jantar com pessoas entediadas e digitando no celular
A vis�o de que o lazer � um desperd�cio pode estar profundamente arraigada %u2014 o que significa que algumas pessoas realmente t�m dificuldade de aproveitar o tempo livre (foto: Getty Images)

O mesmo estudo mostra que, em 2017, 54% dos trabalhadores americanos n�o utilizaram o tempo todo de f�rias, deixando 662 milh�es de dias reservados para o lazer sem uso.

Parte do problema, revela uma nova pesquisa, � como internalizamos de forma abrangente a mensagem de que o lazer � um desperd�cio.

Selin Malkoc, professora de marketing da Escola de Neg�cios Fisher da Universidade do Estado de Ohio, nos Estados Unidos, e coautora do estudo, diz que certas pessoas consideram o lazer sem valor, mesmo quando n�o interfere na busca de seus objetivos.

Essas cren�as negativas sobre o lazer est�o associadas a um n�vel mais baixo de felicidade e mais alto de depress�o, ansiedade e estresse.

Malkoc descreve dois tipos de lazer: "lazer com finalidade", em que a atividade e o objetivo se "fundem", como participar de uma festa de Halloween apenas por divers�o, � imediatamente gratificante e um objetivo em si; e "lazer instrumental", como levar uma crian�a para pegar doces e, assim, cumprir o dever de pai, que � um meio para um fim e alimenta um objetivo de longo prazo.

A capacidade de desfrutar do lazer com finalidade � um indicador mais forte de bem-estar do que o prazer do lazer instrumental, mostrou o estudo.

Em um dos experimentos da pesquisa, Malkoc e seus colegas queriam ver se conseguiam manipular as cren�as dos participantes sobre o lazer e lev�-los a aproveit�-lo mais.

Cada grupo recebeu uma vers�o diferente de um artigo que abordava o entendimento do lazer, seja como um desperd�cio em termos de cumprimento de metas, improdutivo ou como uma forma produtiva de gerenciar o estresse.

Os participantes foram ent�o convidados a avaliar o qu�o bem escrito o artigo havia sido.

Mas os pesquisadores estavam mais interessados %u200B%u200Bno que viria depois.

Eles ofereceram aos participantes um intervalo e deram a eles um v�deo engra�ado para assistir para ver o quanto eles se divertiam.

Infelizmente, influenciar nossas cren�as sobre o lazer s� funciona em uma dire��o, descobriram os pesquisadores — na dire��o errada.

Aqueles que leram os artigos que consideravam o lazer um desperd�cio curtiram de 11% a 14% menos a experi�ncia do que o grupo de controle, que leu sobre cafeteiras, enquanto os que foram instru�dos a acreditar que o lazer � produtivo n�o tiveram seus n�veis de prazer aumentados.

Em outras palavras, tentar estimular a receptividade dos participantes no sentido de desfrutar mais do lazer foi t�o eficaz quanto faz�-los ler sobre o caf�, sugerindo que nossas atitudes est�o profundamente arraigadas.

� uma descoberta preocupante.

"Tivemos um grupo de alunos de gradua��o no laborat�rio fazendo uma s�rie de estudos chatos e entediantes — n�o havia nada agrad�vel nisso", diz Malkoc.

"E ent�o, oferecemos a eles um intervalo mental para assistirem a um v�deo divertido. O fato de que, mesmo sem poder usar aqueles breves momentos para algo melhor, eles ainda n�o conseguiram se divertir... atesta a for�a de sua cren�a."

Malkoc tamb�m comparou amostras de diferentes pa�ses.

Participantes da �ndia e dos Estados Unidos, ambas na��es com culturas de excesso de trabalho, endossaram a cren�a de que o lazer � um desperd�cio com mais for�a do que os participantes da Fran�a, que tem normas sociais "menos restritivas para aproveitar a vida e se divertir".

Na verdade, enquanto Malkoc estima que cerca de 30% da popula��o em m�dia partilha da cren�a de que o "lazer � um desperd�cio", isso varia muito entre as culturas, chegando a 55% na amostra indiana e a 15% na amostra francesa.

H� esperan�a para ambos os lados

Felizmente, h� maneiras de ajudar os dois grupos. A primeira � relaxar a mentalidade de produtividade.

Para aqueles que buscam intensificar o lazer, Aeon recomenda o uso da regra de pico-fim, um vi�s cognitivo que influencia a maneira como nos lembramos dos eventos.

Keinan diz que uma maneira de fazer isso � "adotando uma perspectiva mais ampla da vida e antecipando seus arrependimentos de longo prazo, pois isso permite que as pessoas aproveitem mais o presente".

Por exemplo, segundo ele, no consult�rio do dentista, nos lembramos do pico (quando a dor foi pior) e do fim (os doces que receb�amos ao sair); a soma m�dia dessas experi�ncias ajusta a intensidade emocional.

Ent�o, no caso das f�rias, ele recomenda fazer algo que � "completamente insano" no meio, como saltar de bungee jump, e algo igualmente grandioso no final (por exemplo, um dia de spa ou uma refei��o indulgente) para elevar toda a experi�ncia e maximizar a utilidade hed�nica em geral.

Ele recomenda usar a aten��o plena ( mindfulness ) para ajudar a aproveitar as experi�ncias de lazer.

"Isso expande sua percep��o subjetiva do tempo (ou seja, voc� sente que tem mais tempo) e melhora a forma��o da mem�ria, o que significa que voc� n�o apenas sentir� que suas f�rias duraram mais, mas se lembrar� delas muito melhor."

E, em sintonia com a pesquisa sobre expectativa, ter v�rias f�rias menores pelas quais esperar, em vez de uma grande, tamb�m pode maximizar nosso valor do prazer.

Para aqueles que acham dif�cil tirar folga, Keinan sugere o uso de um �libi funcional — uma desculpa pr�tica para se divertir.

"Ter um '�libi funcional' que articula um prop�sito para uma atividade (como os benef�cios para a sa�de e produtividade de tirar f�rias) permite que muitos consumidores relaxem sem se sentirem culpados", diz ela.

Combater a mentalidade de que "lazer � um desperd�cio" tamb�m pode significar enfatizar o valor de uma atividade alinhando-a com outro objetivo utilit�rio, em vez de tentar reformular o lazer como um conceito.

"As f�rias s�o destinadas a ser (um lazer) 'com finalidade', mas podemos ter diferentes objetivos embutidos nelas", diz Malkoc.

Uma viagem � Disney, por exemplo, pode ter valor de finalidade para os filhos e oferecer lazer instrumental para os pais.

"Faz�-los entender que esta � uma maneira de se tornar produtivo ou alimentar outro prop�sito pode ajud�-los a baixar a guarda e aproveitar um pouco mais."

Aproveitar o lazer pode at� ser resultado de um aprendizado, semelhante � maneira como aumentamos a resist�ncia gradualmente na academia.

F�rias menores — uma escapada de 30 horas em um hotel — podem ser curtas o suficiente para essas pessoas deixarem as responsabilidades para tr�s.

Para viagens mais longas, Malkoc sugere que permitir que indiv�duos motivados trabalhem durante uma breve janela uma vez por dia pode, na verdade, ser menos estressante do que pedir que se desliguem completamente.

Para ambos os grupos — e at� mesmo aqueles que se encontram em algum lugar no meio — o medo persistente de que n�o estamos usando nosso tempo da forma "certa", seja por n�o ser uma experi�ncia extravagantemente "colecion�vel" ou apenas por ser superprodutivo, pode inviabilizar o pr�prio prop�sito do lazer.

Porque a �nica maneira "certa" de usufruir do lazer � relaxar, baixar a guarda, guardar boas lembran�as e confiar que as pe�as v�o se encaixar.

"Se voc� aborda as f�rias com uma mentalidade de 'dever', voc� pode estar estragando tudo", adverte Malkoc.

"N�o deixe a cren�a de que voc� 'precisa tirar o melhor proveito disso' tirar o melhor de voc�."

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Work Life .

J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube ? Inscreva-se no nosso canal!


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)