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Estado de Minas S�NDROME

'Fui acusada de tentar matar minha m�e at� ser diagnosticada com s�ndrome pr�-menstrual grave'

O caso de Nikki Owen fez hist�ria na Inglaterra como a primeira vez em que a TPM foi usada como fator atenuante em uma condena��o.


23/12/2021 17:17 - atualizado 24/12/2021 10:26

Nikki Owen
Ap�s passar por v�rios especialistas, Nikki foi diagnosticada e submetida a tratamento com progesterona (foto: Nikki Owen)

Aos 18 anos, Nicola (Nikki) Owen colocou fogo na casa da fam�lia quando sua m�e estava l� dentro.

A m�e conseguiu escapar, mas Nikki foi parar no banco dos r�us, acusada de tentar mat�-la, e quase pegou 15 anos de pris�o. Sua defesa: s�ndrome pr�-menstrual, mais conhecida como tens�o pr�-menstrual (TPM).

O caso dela fez hist�ria na Inglaterra por ser a primeira vez que a TPM foi usada como fator atenuante de uma condena��o.


Desde ent�o, a s�ndrome foi usada como atenuante nos tribunais em v�rios casos de assassinato, infantic�dio, homic�dio culposo e muitos outros crimes.

Nikki cresceu no condado de Kent, na Inglaterra, entre as d�cadas de 1960 e 1970.

Ela era apaixonada por dan�a e ganhou algum dinheiro como modelo infantil.

"Dan�ava muito bem e costumava praticar por algumas horas antes de ir para a escola", contou Nikki ao programa de r�dio Outlook da BBC.

"E era muito boa. Ganhei cerca de 40 trof�us e centenas de medalhas."

"Sempre fui muito quieta. Diria que tranquila e sossegada."

"Minha vida era muito boa, �ramos uma fam�lia muito animada e sempre havia gente em casa, minha m�e e meu pai eram pessoas muito soci�veis", lembra ela.

Mas tudo mudou quando Nikki entrou na puberdade. Ela n�o era mais uma crian�a t�mida e bem comportada — a personalidade de Nikki foi mudando a ponto de ficar irreconhec�vel.

E essa transforma��o r�pida e severa aparentemente n�o tinha explica��o.

Ela diz que o relacionamento com os pais era bom, mas admite que come�ou a discutir com a m�e quando virou adolescente.


Nikki e o pai em uma praia na infância
Nikki e o pai na inf�ncia (foto: Nikki Owen)

"Acho que porque minha m�e sempre me viu como muito quieta e bem comportada, e eu sempre fui a boazinha, enquanto minha irm� era a levada."

"Minha m�e ficou um pouco surpresa quando de repente quis ter um ponto de vista, ou fazer algo que talvez ela n�o esperava, ent�o come�amos a discutir um pouco."

"Mas ela era incr�vel", diz ela.

Era a m�e dela quem fazia todas as fantasias das competi��es de dan�a.

Nikki se lembra especialmente de uma: quando ela interpretou a bruxa em Jo�o e Maria.

"Foi uma das dan�as que fiz quando comecei a menstruar, e pude sentir esse tipo de maldade absoluta em mim", diz ela.

"Lembro que meu pai uma vez disse que sentiu calafrios quando me viu atuar, porque era como se sua filhinha tivesse desaparecido e aquele monstro malvado tivesse me possu�do."

Nikki conta que se sentia muito deprimida e isolada naquela �poca.

"Eu queria ficar sozinha e chorava muito no meu quarto. Me sentia muito desconfort�vel com o meu corpo."

Foi neste momento que ela come�ou a comer demais e roubar bebidas alco�licas do arm�rio dos pais.

'O m�dico e o monstro'

Foram anos de autodeprecia��o, automutila��o e tentativas de suic�dio.

"Me lembro de uma noite em que meus pais tinham sa�do e eu estava caminhando para a delegacia de camisola e roup�o porque tinha acabado de tomar um monte de comprimidos que encontrei no arm�rio de rem�dios."

Nikki foi levada para o hospital, onde lhe fizeram uma lavagem estomacal. Seguiram-se outras tentativas de automutila��o. No total, ela foi submetida a 26 lavagens estomacais.

"Eu realmente queria destruir minha apar�ncia, ent�o cortei todo o meu cabelo, que chegava quase na cintura. E, em seguida, raspei minha cabe�a e sobrancelhas, e tirei os c�lios."


Nikki em 1974
Nikki em 1974 (foto: Nikki Owen)

"Meus pais choravam muito e me diziam: 'Por que, Nicola? Por que voc� est� fazendo isso?'"

Mas Nikki n�o conseguia explicar por qu�.

"A maneira como lidava com isso era pensando que havia duas Nicolas, a Nicola boa, com a qual eu estava acostumada, e essa Nicola do mal que parecia se apoderar da Nicola boa. A Nicola boa aparecia cada vez menos, e a malvada estava assumindo o controle", diz ela.

"Sentia que tinha essa personalidade de Jekyll e Hyde (da obra O m�dico e o monstro). O que era assustador � que eu nunca sabia quando aquele monstro iria aparecer."

Em um desses epis�dios, ela acabou perseguindo a m�e com uma faca pela cozinha.

"Eu fazia essas coisas terr�veis e n�o entendia por que estava fazendo isso, ent�o realmente pensava que havia algo muito errado comigo, e por causa disso eu estava ficando cada vez mais deprimida e me sentindo cada vez mais in�til", conta Nikki.

"Acho que aquelas tentativas de suic�dio anteriores foram gritos de socorro. Eu queria que algu�m me dissesse por que estava agindo dessa maneira."


Nikki com os pais e irmãos em 1969
Nikki com os pais e irm�os em 1969 (foto: Nikki Owen)

'Me sentia como um monstro'

Aos 18 anos, Nikki ateou ent�o fogo na casa, quando sua m�e estava dentro.

A m�e escapou, mas ficou apavorada ao pensar no que teria acontecido se os outros dois filhos estivessem na casa.

"Ela me denunciou ent�o � pol�cia e disse que foi a coisa mais dif�cil que j� fez na vida."

Nikki j� havia incendiado a casa dos pais uma vez antes e ficado na pris�o por algumas semanas por isso, mas ela foi libertada sob fian�a desde que consultasse um psiquiatra, que a colocou em tratamento com inje��es sedativas.

Desta vez, n�o houve fian�a. Nikki foi acusada de tentar matar a m�e e deu entrada na pris�o de Holloway, em Londres.

"Senti que n�o era mais eu mesma, n�o consigo explicar por que fiz isso. Parecia um monstro, agia como um monstro, no que me dizia respeito, era um monstro."

Na pris�o, ela continuou a se comportar de forma violenta e foi colocada em confinamento na solit�ria.

"Me colocaram com um vestido feito de um material indestrut�vel para que eu n�o pudesse me enforcar, e havia um colch�o na cela, n�o uma cama, porque eles pensavam que eu poderia fazer alguma coisa."

O pai queria ir v�-la, e uma das guardas o deixou olhar pela fresta da porta.

"Aquele foi o pior momento da minha vida... meu pai estava tentando ser t�o corajoso, e ele me disse: 'Vamos descobrir o que h� de errado com voc�, minha menina, n�o vou te decepcionar'."

"Eu s� queria que papai resolvesse e me dissesse por qu�."

O pai, desesperado porque n�o conseguia entender por que havia momentos em que Nikki era t�o normal e em outros, se tornava t�o violenta, resolveu chamar oito psiquiatras para ter opini�es diferentes.

"Me descreveram como uma psicopata man�aca irremediavelmente louca e um perigo para a sociedade."


Nikki, fantasiada de bruxa
Nikki, fantasiada de bruxa, em 1973 (foto: Nikki Owen)

A resposta

Quando o pai leu os relat�rios, disse que n�o tinha como aceitar — e que queria ir ao fundo da quest�o.

"Ele foi ver um dos psiquiatras, que disse que ele e minha m�e deveriam concentrar suas vidas no meu irm�o e na minha irm� e me esquecer, porque eu nunca seria livre, e que ele suspeitava que tivesse algo a ver com o sistema end�crino."

"Ele chegou em casa e foi direto para a biblioteca, onde come�ou a fazer pesquisas sobre o sistema end�crino, e encontrou uma liga��o com os horm�nios."

Mais tarde, em uma consulta com sua pr�pria m�dica, quando ela perguntou a ele sobre sua filha Nicola, ele contou a hist�ria.

Ela, surpresa, mencionou um artigo que lera recentemente, escrito por uma mulher, que dizia: "Sua menstrua��o est� deixando voc� louca?"

Naquele momento, ele pensou que poderia haver algo ali. Quando leu o artigo, teve certeza.

"Meu pai contou que, enquanto lia este artigo, sentiu calafrios porque sabia que estava descrevendo o que estava acontecendo comigo", diz Nikki.

Houve outro elemento de grande ajuda. Sua m�e mantinha di�rios detalhados que mostravam um padr�o mensal claro no comportamento da filha.

"Minha m�e tinha todas as datas que mostravam essa natureza c�clica, todo m�s acontecia alguma coisa, durante o mesmo n�mero de dias e desaparecia completamente no primeiro dia da minha menstrua��o."

Depois de anos de questionamento, eles finalmente tiveram uma resposta.


Nikki trabalhando como modelo em 1975
Nikki trabalhando como modelo em 1975 (foto: Nikki Owen)

Assim que perceberam que algo poderia estar errado com a menstrua��o da filha, foram consultar uma especialista em TPM.

Ela disse a eles que Nikki precisava interromper todos os medicamentos e fazer um tratamento com progesterona.

A TPM pode afetar mulheres nos dias que antecedem a menstrua��o. N�o h� uma resposta definitiva sobre o que a causa exatamente, mas pode ter um grave impacto psicol�gico e comportamental.

Quando Nikki come�ou a terapia com progesterona, tudo come�ou a mudar.

"Em cerca de tr�s semanas, me senti incrivelmente diferente, realmente me senti normal, e foi muito impactante."

"Me tiraram do confinamento da solit�ria, e meu pai decidiu ligar para todos os psiquiatras que tinham me visto antes e n�o eram capazes de acreditar na minha mudan�a."

Um caso hist�rico

De repente, Nikki teve uma resposta tamb�m. Seu comportamento estava relacionado a uma TPM grave.

E isso precisava ser usado como parte de sua defesa no julgamento que ainda teria que enfrentar — o que, nos anos 1970 e com um advogado e um juiz do sexo masculino, era bastante radical.


Nikki e a mãe em 2019
Nikki e a m�e em 2019 (foto: Nikki Owen)

A audi�ncia foi marcada para 22 de dezembro de 1978.

"Meu advogado veio me ver e disse que eu tinha que estar preparada para o fato de que o juiz n�o aceitaria a TPM como atenuante. Ele me disse que est�vamos criando um precedente legal e que n�o sab�amos como seria, ent�o tinha que me preparar para uma pena de 10 a 15 anos."

Havia muito tr�nsito naquele dia, e os promotores estavam atrasados, ent�o Nikki voltou para a cela enquanto eles n�o chegavam. Isso deu ao juiz mais tempo para ler todos os relat�rios.

Quando voltou da cela, Nikki n�o se sentou mais no banco dos r�us. O juiz disse que o que estava nos relat�rios era claramente o que havia acontecido com ela.

Ela acabou recebendo uma pena suspensa (ou seja, que pode n�o ser cumprida mediante o cumprimento de alguns requisitos) de 2 anos, com a condi��o de continuar a terapia com progesterona.

Nikki estava livre, mas voltar para casa n�o foi f�cil.

"Minha m�e e meu pai estavam paranoicos", diz ela.

"Eu estava cheia de remorso, cada c�modo da casa era a evid�ncia de algo terr�vel que eu tinha feito."

"Foi um momento muito dif�cil e senti muito estresse, muita ansiedade, tive ataques de p�nico."

Mas Nikki aproveitou esta segunda chance na vida. E criou sua pr�pria organiza��o, a Healing Hub, por meio da qual ajuda outras pessoas a lidar com o estresse e a ansiedade.


Nikki em sua casa
Nikki em sua casa (foto: Nikki Owen)

"Me lembro de quando escrevi para o meu pai da pris�o perguntando a ele 'por que estou passando por isso', e sua resposta permanecer� em meu cora��o para sempre, porque suas palavras foram a raz�o pela qual estou fazendo o trabalho que estou fazendo agora", diz Nikki, emocionada.

"Em sua resposta, ela me disse: 'Um dia voc� vai olhar para tr�s e perceber que tudo o que est� passando est� definindo o legado da mulher que voc� est� destinada a se tornar.'"

O caso dela entrou para a hist�ria na Inglaterra como a primeira vez que a TPM foi usada como um fator atenuante em um processo criminal.

Quarenta anos depois, muito mais pesquisas foram feitas sobre a TPM e como trat�-la.

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