Hortali�as, frutas e legumes ajudam na preven��o da doen�a e devem ser inclu�das na dieta (foto: Nadine Primeau/Uniplast)
H� tempos, cientistas estudam a associa��o entre alimenta��o e c�ncer. Segundo a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), por exemplo, itens ultraprocessados, como salsicha e mortadela, favorecem o desenvolvimento de tumores. Por outro lado, hortali�as, frutas e fibras ajudam na preven��o da doen�a. O que ainda n�o est� muito claro � como, em n�vel celular, os nutrientes influenciam no desenvolvimento das c�lulas cancerosas. Pesquisas recentes sugerem que alguns deles t�m o potencial de acelerar ou de retardar o crescimento tumoral, o que pode levar a novos tratamentos oncol�gicos.
"Existem muitas evid�ncias de que a dieta pode afetar como o c�ncer progride, mas n�o estamos falando de cura", ressalta Matthew Vander Heiden, diretor do Instituto Koch de Pesquisa Integrativa do C�ncer e autor s�nior de um artigo publicado, no m�s passado na revista Nature sobre a rela��o entre gordura e tumor pancre�tico em camundongos. O estudo, que ainda precisa ser replicado e confirmado em humanos, sugere que uma dieta com restri��o cal�rica, ao reduzir a disponibilidade de �cidos graxos �s c�lulas doentes, desacelera o crescimento tumoral.
Heiden, mais uma vez, destaca que n�o est� aconselhando um paciente oncol�gico a reduzir a ingest�o de calorias. Essa descoberta, segundo ele, poder� ajudar cientistas e m�dicos a desenvolverem estrat�gias diet�ticas que, combinadas � terapia habitual, retardam a progress�o do c�ncer. Fazer uma dieta por conta pr�pria � altamente prejudicial para quem est� em tratamento, lembra Andrea Pereira, m�dica nutr�loga do Hospital Israelita Albert Einstein: "As dietas muito restritivas durante o tratamento oncol�gico levam � perda de massa muscular. Essa perda piora o progn�stico, aumenta os efeitos colaterais durante a quimioterapia, o tempo de interna��o e o risco de mortalidade", ensina.
Uma interven��o diet�tica com base cient�fica e prescrita por um profissional pode, contudo, ajudar a desacelerar o crescimento tumoral, acredita Vander Heiden. No estudo, os pesquisadores dividiram os roedores em tr�s grupos: alimenta��o normal, dieta cetog�nica (pobre em carboidratos e rica em gorduras) e com restri��o cal�rica. Nos dois �ltimos casos, uma das consequ�ncias � a redu��o na disponibilidade de a��car, algo importante porque as c�lulas cancerosas consomem uma grande quantidade de glicose. Contudo, apenas no caso do corte de calorias houve efeito sobre o crescimento do tumor, que passou a se desenvolver mais lentamente.
Segundo os pesquisadores, o que aconteceu foi que a redu��o cal�rica, al�m de diminuir a disponibilidade de glicose, resultou em uma escassez de lip�dios. Isso prejudica o crescimento do tumor, porque esse nutriente � essencial para a constru��o das membranas celulares. Quando n�o h� gordura de sobra no tecido, as c�lulas precisam construir as pr�prias pel�culas protetoras. No caso dos animais do grupo de restri��o de calorias, elas n�o conseguiram fazer isso e morreram.
ASSOCIA��O
Em seguida, os pesquisadores contaram com a colabora��o de colegas do Instituto de C�ncer Dana-Farber, um dos mais antigos centros de estudos oncol�gicos das Am�ricas, para comparar o padr�o alimentar de pacientes de c�ncer pancre�tico e a sobrevida dos mesmos. Embora os dados n�o permitam tirar qualquer conclus�o direta, eles descobriram que o tipo de gordura consumida parece ter alguma associa��o com o crescimento tumoral, foco de um estudo ao qual a equipe se dedica agora.
"O objetivo desses estudos n�o �, necessariamente, recomendar uma dieta, mas realmente compreender a biologia subjacente", explica Evan Lien, p�s-doutorando do Instituto Tecnol�gico de Massachusetts e principal autor do artigo publicado na Nature. "Eles fornecem uma no��o dos mecanismos de como essas dietas funcionam, e isso pode levar a ideias racionais sobre como podemos imitar essas situa��es para a terapia do c�ncer."
Ocorr�ncia de met�stase
Tamb�m na revista Nature, pesquisadores espanh�is, financiados pelo Centro Mundial de Pesquisa do C�ncer, publicaram um estudo demonstrando mais uma evid�ncia sobre a influ�ncia da gordura nas c�lulas cancerosas. Nesse caso, eles estudaram a a��o do �cido palm�tico, encontrado no �leo de palma, sobre a met�stase, mecanismo de dissemina��o do c�ncer e principal causa da morte de pacientes oncol�gicos. Ela acontece quando a doen�a se espalha al�m do �rg�o de desenvolvimento prim�rio.
Segundo os pesquisadores espanh�is, a met�stase � impulsionada pelos �cidos graxos consumidos na dieta, mas n�o est� claro como isso funciona e se todos os compostos do tipo contribuem para a dissemina��o da doen�a. Em um modelo de camundongos com carcinoma de boca e c�ncer de pele melanoma, o �cido palm�tico – presente em produtos aliment�cios industrializados – promoveu as met�stases. Outras gorduras– – �mega-9 e �mega-6, encontradas em alimentos como azeite de oliva e sementes de linha�a, n�o mostraram o mesmo efeito. Nenhum dos �cidos graxos testados aumentou o risco de desenvolvimento de c�ncer, observam os autores.
A pesquisa descobriu que, quando o �cido palm�tico foi adicionado � dieta de camundongos, ele n�o s� contribuiu para a met�stase como tamb�m exerceu efeitos de longo prazo no genoma dos animais. As c�lulas cancerosas que foram expostas � subst�ncia na alimenta��o por um curto per�odo de tempo permaneceram altamente metast�ticas, mesmo quando essa gordura foi removida da dieta.
Genes afetados
Os pesquisadores descobriram que essa mem�ria � causada por mudan�as epigen�ticas – altera��o na forma como os genes funcionam. Elas mudam a fun��o das c�lulas cancerosas metast�ticas e permitem que formem uma rede neural ao redor do tumor para se comunicarem com as estruturas pr�ximas e se espalhar mais facilmente. Depois disso, os cientistas descobriram uma forma de bloquear essa a��o e, agora, planejam uma pesquisa com humanos para verificar se o mecanismo poder� interromper a dissemina��o do c�ncer.
"Acho que � muito cedo para determinar que tipo de dieta poderia ser consumida por pacientes com c�ncer metast�tico que retardaria o processo", reconhece Salvador Aznar-Benitah, l�der do grupo e cientista do Instituto de Pesquisa de Barcelona. "Dito isso, com base em nossos resultados, poder�amos pensar que uma dieta pobre em �cido palm�tico poderia ser eficaz em retardar o processo metast�tico, mas muito mais trabalho � necess�rio para determinar isso." Aznar-Benitha esclarece que esse, por�m, n�o � o direcionamento da pesquisa. "Em vez disso, estamos nos concentrando em novos alvos terap�uticos que poder�amos usar para inibir a met�stase e que poderiam ter um benef�cio terap�utico real para o paciente, independentemente de sua dieta."
Alimentos ultraprocessados e industrializados aumentam o risco (foto: Carlos Altman/EM/D.A Press - 21/7/10)
Palavra de especialista
George Poulogiannis
l�der da equipe de Sinaliza��o e Metabolismo do C�ncer do Instituto de Pesquisa do C�ncer de Londres
Natureza multifatorial
"H� evid�ncias crescentes na literatura de que os c�nceres s�o 'viciados' em gordura e de que dietas de baixo �ndice glic�mico podem inibir o crescimento do tumor e aumentar a resposta � terapia. No entanto, em todos os casos, os dados devem ser interpretados com cautela, visto que, dada a natureza multifatorial e multig�nica do c�ncer, os efeitos da restri��o alimentar tamb�m dependem do subtipo de c�ncer individual ou da dieta que est� sendo usada. O artigo do MIT (Influ�ncia da dieta no crescimento do c�ncer pancre�tico em camundongos) � um estudo intrigante com experimentos cuidadosamente selecionados que apoiam a no��o de que interven��es diet�ticas em alguns contextos de tumor podem inibir seu crescimento, alterando a disponibilidade de lip�dios das c�lulas cancerosas."
tr�s perguntas para...
Andrea Pereira
M�dica nutr�loga do Departamento de Oncologia e Hematologia do Hospital Israelita Albert Einsten, presidente e cofundadora da ONG Obesidade Brasil
Estudos recentes encontraram uma associa��o entre c�lulas de gordura e crescimento dos tumores oncol�gicos. Do ponto de vista cl�nico, como essas descobertas poder�o impactar no tratamento do c�ncer?
O excesso de c�lulas de gorduras leva ao aumento da insulina e da leptina, reduz a adiponectina, al�m de alterar a produ��o de horm�nios femininos e masculinos, tudo isso aumenta o risco de c�ncer. Essas descobertas refor�am a import�ncia da mudan�a do estilo de vida, com alimenta��o saud�vel e pr�tica regular de atividade f�sica, tratamento cl�nico e cir�rgico da obesidade, uma vez que essa doen�a cr�nica n�o s� aumenta o risco de c�ncer, como tamb�m piora o progn�stico do paciente oncol�gico. As pessoas com obesidade e c�ncer t�m mais risco de recidiva, maior risco de mortalidade e mais complica��es ap�s as cirurgias.
Existem nutrientes e alimentos que devem ser evitados por pacientes oncol�gicos?
Na preven��o do c�ncer e de recidivas, devemos reduzir a quantidade de a��car, de sal, de alimentos processados e ultraprocessados, e de �lcool. O consumo de carne vermelha n�o deve ultrapassar 500g/semana e deve-se aumentar a quantidade de frutas, hortali�as e fibras. A partir do diagn�stico de c�ncer, a nossa maior preocupa��o � com a perda de peso e de massa muscular. Por�m, � uma oportunidade para mudarmos o estilo de vida e come�ar uma alimenta��o mais saud�vel para prevenir recidiva e um segundo c�ncer.
Em rela��o a pessoas saud�veis, � poss�vel prevenir alguns c�nceres com uma alimenta��o adequada?
A obesidade e a dieta n�o equilibrada, juntas, correspondem a 30% dos fatores de risco preven�veis de c�ncer, a mesma porcentagem do tabagismo. A alimenta��o saud�vel, rica em fibras, verduras, legumes e frutas, pobre em a��car, sal, processados e ultraprocessados e �lcool, e a redu��o de carne vermelha s�o fatores de preven��o ao c�ncer. O sedentarismo tamb�m aumenta o risco – portanto, dentro de uma vida saud�vel, a pr�tica regular de exerc�cios � fundamental. Os h�bitos saud�veis n�o s�o uma garantia de n�o termos c�ncer, mas s�o um fator de redu��o de probabilidade. Reduzem risco n�o apenas de c�ncer, como tamb�m de v�rias doen�as cr�nicas.