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Estado de Minas MEDICINA

Teste gen�tico: quando � indicado e quais cuidados voc� deve ter, segundo m�dicos

Cresce no Brasil a oferta de exames que avaliam o DNA e trazem informa��es sobre o risco de desenvolver doen�as, a ancestralidade e supostamente at� a dieta e o tipo de exerc�cio ideais para cada pessoa. Saiba quando esses recursos s�o v�lidos %u2014 e quando os resultados ainda n�o s�o confi�veis.


13/04/2022 09:53 - atualizado 13/04/2022 11:56


Ilustração do DNA
Os testes que avaliam o genoma devem ser feitos em situa��es bem espec�ficas %u2014 e sempre acompanhados do aconselhamento de um profissional da �rea (foto: Getty Images)

Imagina voc� tirar um pouco de sangue ou de saliva e descobrir de onde vieram os seus antepassados, qual o tipo de exerc�cio f�sico indicado para seu corpo, a alimenta��o mais adequada para sua sa�de e o risco de desenvolver milhares de doen�as.

Essa � a promessa das empresas que oferecem os testes gen�ticos, um mercado em franca expans�o no Brasil e no mundo e que oferece pre�os cada vez mais competitivos.

A maior disponibilidade dessas ferramentas est� relacionada a uma enorme evolu��o tecnol�gica. Para ter ideia, o Projeto Genoma Humano, finalizado em 2003, levou 13 anos para ser conclu�do, custou cerca de 3 bilh�es de d�lares e demandou o uso de 240 mil sequenciadores gen�ticos, espalhados por 20 centros de pesquisa em v�rias partes do mundo. Passadas pouco menos de duas d�cadas, hoje em dia � poss�vel fazer a an�lise do DNA por algo em torno de mil a 3 mil reais, em 24 horas e com apenas uma m�quina.

E os avan�os n�o se limitam ao custo, aos equipamentos e ao tempo despendido: a compreens�o das diferentes sequ�ncias gen�ticas e o que elas podem significar na pr�tica evoluiu muito nesses 20 anos.

Mas ser� que todos esses testes funcionam de verdade e podem trazer alguma informa��o relevante? Em que casos eles s�o realmente indicados?

De acordo com geneticistas ouvidos pela BBC News Brasil, algumas dessas op��es fazem realmente a diferen�a. Outros, por�m, ainda n�o trazem informa��es confi�veis e validadas cientificamente, como voc� confere a seguir.

Testes de ancestralidade

Uma das op��es mais populares e acess�veis no mercado, eles t�m a premissa b�sica de dizer de onde vieram os seus antepassados.

Na pr�tica, esse teste compara partes do seu DNA com um banco de dados enorme e tenta encontrar tra�os gen�ticos em comum com alguns grupos t�picos de regi�es espec�ficas do planeta.

Desse modo, o resultado revela com um certo grau de confian�a a sua ancestralidade — dizendo, por exemplo, que seu material gen�tico vem 20% da �frica Central, 15% da �frica Subsaariana, 10% da Pen�nsula Ib�rica e assim por diante.

Embora a qualidade desse tipo de exame tenha melhorado nos �ltimos anos, � importante lembrar que eles n�o s�o 100% precisos. Podem acontecer algumas distor��es nos resultados, especialmente se a sua fam�lia vem de uma regi�o com poucas informa��es gen�ticas naquele banco de dados utilizado para fazer a compara��o.

"Infelizmente, a maior parte dos dados gen�micos s�o gerados em pa�ses desenvolvidos da Am�rica do Norte e da Europa", lamenta o m�dico Roberto Giugliani, professor titular de gen�tica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

"Isso � algo que ainda precisamos avan�ar: ampliar a disponibilidade de sequenciamentos gen�ticos de outras partes do mundo", complementa o especialista, que tamb�m � cofundador da Casa dos Raros, um centro de treinamento e educa��o sobre doen�as raras.

Os especialistas sugerem, portanto, que os testes gen�ticos de ancestralidade sejam interpretados como algo informativo, recreacional e uma forma de buscar autoconhecimento. Mas os resultados n�o devem ser levados a ferro e fogo.


Cientista opera equipamentos em laboratórios
Os sequenciadores que fazem a an�lise dos genes se tornaram mais r�pidos, potentes e baratos nas �ltimas d�cadas (foto: Getty Images)

Dieta, exerc�cio e pele

Ainda na seara dos testes recreativos, � comum ver laborat�rios oferecendo exames que, supostamente, ajudariam a indicar a alimenta��o ou o tipo de atividade f�sica mais adequados de acordo com os seus genes.

Alguns v�o al�m e disponibilizam uma an�lise da pele do paciente, indicando poss�veis predisposi��es a doen�as e indica��es de tratamentos dermatol�gicos.

Nesse contexto, os m�dicos pedem bastante cautela: ainda n�o conhecemos nosso genoma suficientemente bem para chegar a esse tipo de conclus�o t�o ampla.

"Muitas vezes, esses testes levam em conta um estudo pequeno que foi feito na popula��o do I�men, em que os pesquisadores observaram uma maior propens�o a gostar de br�colis nos indiv�duos com determinadas caracter�sticas gen�ticas", hipotetiza a m�dica Maria Isabel Achatz, coordenadora da Unidade de Oncogen�tica do Hospital S�rio-Liban�s, na capital paulista.

Ainda que investiga��es do tipo sejam v�lidas, n�o � adequado extrapolar os resultados como se fossem verdades absolutas para, literalmente, todo o mundo.

"Algumas empresas constroem pain�is imensos com informa��es desse tipo, e muitas vezes � imposs�vel checar a fonte de todas as conclus�es que aparecem nesses laudos", continua a geneticista.

Por ora, a recomenda��o � n�o encarar essa op��o de teste gen�tico sobre alimenta��o ou atividade f�sica como algo s�rio e que serve de base para mudar h�bitos, comportamentos e o estilo de vida.

At� porque as orienta��es b�sicas de sa�de s�o relativamente iguais para todo mundo: � importante ter uma dieta variada e equilibrada, rica em frutas, verduras e legumes e pobre em alimentos ultraprocessados, e fazer pelo menos 30 minutos de atividade f�sica moderada ou intensa todos os dias.

Doen�as mais comuns

A discuss�o sobre a necessidade de fazer testes gen�ticos se estende a mais um campo da sa�de humana: ser� que vale se submeter a um exame desses para descobrir o risco de desenvolver as enfermidades mais frequentes, como press�o alta, diabetes ou Alzheimer?

Na maioria das vezes, a resposta dos especialistas para essa pergunta ser� um alto e sonoro "n�o".

A m�dica Mayana Zatz, professora titular de gen�tica da Universidade de S�o Paulo (USP), ensina que essas doen�as costumam ter uma heran�a gen�tica complexa e est�o relacionadas a diversas caracter�sticas do DNA.

"Ou seja: falamos de quadros relacionados a diversos genes e para os quais h� uma influ�ncia muito grande de fatores ambientais e do comportamento do pr�prio indiv�duo", acrescenta Zatz, que tamb�m coordena o Centro de Estudos em Genoma Humano e C�lulas-Tronco da USP.

Em termos pr�ticos, um exame desses pode at� estimar, com um alto grau de incerteza, uma propens�o gen�tica maior a press�o alta, por exemplo. Mas o problema tende a n�o aparecer (ou ser mais brando) se a pessoa faz atividade f�sica, n�o fuma e tem uma alimenta��o equilibrada.

"E vamos supor que eu fa�a um teste do tipo e apare�a que tenho risco aumentado de diabetes. Qual vai ser a recomenda��o do m�dico? Comer de forma saud�vel, fazer atividade f�sica, n�o ganhar peso… Veja bem, a receita continua igual para todo mundo", argumenta a geneticista.


Mulher com bebê escolher frutas em mercado
No geral, as recomenda��es de sa�de s�o iguais para a maioria das pessoas: fazer exerc�cios regularmente e ter uma dieta equilibrada e variada (foto: Getty Images)

Achatz lembra a hist�ria de um paciente que chegou no consult�rio dela dizendo que havia descoberto, por meio de um teste gen�tico, que tinha 30% de risco de Alzheimer no futuro.

"A pessoa sentou na minha frente com os olhos inchados de tanto chorar. Ela me disse que, quando recebeu a not�cia, teve vontade de morrer", relata a m�dica.

"A minha recomenda��o foi clara: pegue o laudo, rasgue e jogue no lixo."

Um dos grandes problemas nesses casos, apontam os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, � que os resultados sobre a propens�o de desenvolver uma enfermidade ou outra s�o fornecidos pela internet, de forma impessoal e sem nenhum tipo de orienta��o.

O aconselhamento gen�tico, feito por algu�m que se especializou no tema, � fundamental para interpretar aquele mar de informa��es e colocar em perspectiva o que o teste encontrou escrito no DNA.

"Muitas vezes, o indiv�duo v� aqueles 30% de risco de Alzheimer e nem se lembra dos outros 70% de chance de n�o desenvolver a doen�a", completa Achatz.

C�ncer

N�o � exagero dizer que a oncologia � a �rea da medicina que mais se beneficiou da gen�tica at� agora.

"Os testes ajudam, por exemplo, a identificar quem tem um perfil gen�tico que predisp�e a determinados tipos de c�ncer", cita Giugliani, que tamb�m � head de doen�as raras da Dasa.

"Com isso, o monitoramento da doen�a fica muito mais personalizado e ajuda a identificar os casos logo no in�cio, quando h� mais chances de sucesso no tratamento", diz o m�dico. Em algumas situa��es, inclusive, � poss�vel agir at� antes de as c�lulas cancerosas aparecerem.

O exemplo mais famoso aqui � o da Angelina Jolie. Em 2013, a atriz americana anunciou que tinha feito uma cirurgia preventiva para a retirada das mamas, ap�s descobrir que portava muta��es nos genes BRCA 1 e 2, que est�o diretamente relacionadas a tumores nessa parte do corpo.

Que fique claro: um teste desse tipo n�o est� indicado para todas as mulheres e deve passar necessariamente por uma avalia��o m�dica. Jolie mesma s� o fez porque tinha hist�rico de c�ncer de mama na fam�lia, um dos fatores que sugerem a necessidade de vasculhar o DNA atr�s desse tipo de informa��o. A recomenda��o, portanto, varia de caso a caso.

E olha que os avan�os da gen�tica n�o se limitam � detec��o precoce do c�ncer. Hoje em dia, esses exames ajudam a acompanhar toda a fam�lia e permitem determinar o melhor tratamento para cada paciente.

"Ap�s o diagn�stico da doen�a, o resultado de uma an�lise gen�tica, quando h� indica��o para faz�-la, tem o potencial de modificar a estrat�gia terap�utica que ser� adotada", refor�a Achatz.

Vamos supor que os m�dicos encontram uma muta��o X num paciente com c�ncer no pulm�o. Atualmente, existem rem�dios espec�ficos, que s� funcionam quando essa altera��o est� presente no genoma. J� em um segundo caso, que apresenta a muta��o Y, outro medicamento ser� mais adequado.


Angelina Jolie
A atriz Angelina Jolie causou como��o internacional ao anunciar que havia feito uma cirurgia preventiva para evitar c�ncer de mama (foto: BBC)

Doen�as monog�nicas

Por fim, n�o podemos nos esquecer das enfermidades classificadas como monog�nicas ou mendelianas.

"Elas s�o causadas por muta��es em um �nico gene, que faz a pessoa desenvolver aquela condi��o", ensina Zatz.

Estima-se que 6 mil doen�as se encaixam nessa descri��o, como � o caso de anemia falciforme, fibrose c�stica e distrofia muscular de Duchenne.

E mesmo nesses casos, em que os testes s�o bem confi�veis e fecham o diagn�stico de uma enfermidade, a indica��o para faz�-los � restrita.

"Geralmente, s� recomendamos a realiza��o de exames do tipo quando a pessoa sabe que h� hist�rico dessas doen�as na fam�lia", sugere Zatz.

Nesses casos, uma an�lise do DNA seria bastante ben�fica. Um casal que est� pensando em conceber um filho e tem hist�rico de doen�as monog�nicas em parentes pr�ximos, por exemplo, pode fazer exames para analisar a presen�a de determinadas muta��es, que t�m probabilidade de passar para as gera��es futuras.

Caso essas muta��es sejam realmente detectadas, o casal pode optar por uma insemina��o artificial e pela an�lise gen�tica dos embri�es.

Assim, s� ser�o implantados no �tero da mulher aqueles embri�es que n�o apresentam as muta��es. Isso descarta completamente o risco de que o futuro beb� tenha a determinada doen�a monog�nica relativamente comum naquela fam�lia.

"Esse tipo de teste ainda � bem caro, mas precisamos considerar o impacto de sa�de, emocional e financeiro que uma doen�a dessas tem na vida de uma crian�a e de todos ao redor", analisa Zatz.

"Para ter ideia, existe um grupo de doen�as chamadas de Atrofia Muscular Espinhal, ou AME. Hoje, s� o tratamento desse quadro custa 2 milh�es de d�lares. Imagina prevenir o nascimento de uma crian�a com essa condi��o?", questiona a geneticista.

Isso, ali�s, nos leva a uma outra discuss�o: ser� que vale a pena saber que voc� tem uma enfermidade grave, para a qual ainda n�o existe nenhuma terapia?

"Muitas vezes, o diagn�stico encerra a busca por uma explica��o para os sintomas que a pessoa apresenta h� anos. Por mais dif�cil que seja receber uma not�cia dessas, saber da doen�a pode ajudar o indiv�duo a virar a p�gina e seguir em frente", opina Giugliani.

"E precisamos lembrar que sempre existe algo que pode ser feito. A medicina n�o trata a doen�a, mas, sim, o paciente", complementa o m�dico.


Kit de coleta do DNA
Muitas empresas enviam o kit de coleta do DNA na casa do cliente e, depois, remetem os resultados por e-mail. Especialistas indicam que os resultados sejam interpretados com o aux�lio de um profissional da sa�de (foto: Getty Images)

Mas e quando o sujeito ainda n�o apresenta uma doen�a grave e sem rem�dios dispon�veis, mas carrega as muta��es que levar�o ao desenvolvimento do quadro mais pra frente, a partir dos 50 ou 60 anos de vida?

"O consenso � n�o testar crian�as para doen�as que s� v�o aparecer na fase adulta e para as quais n�o h� tratamento", pensa Zatz.

"Quando esse teste � feito ainda na inf�ncia, tiramos o direito de o indiv�duo decidir se quer saber ou n�o daquilo quando for adulto", diz.

A geneticista avalia que, na maioria das vezes, as pessoas preferem n�o conhecer aquela informa��o, que pode ser fonte de afli��o constante.

"Outro dia estava dando aula na Faculdade de Medicina da USP e perguntei quantos dos jovens alunos gostariam de saber se tinham um risco gen�tico aumentado de desenvolver um quadro debilitante no final da vida. Metade da turma levantou a m�o", conta.

"Na sequ�ncia, falei que todos aqueles que toparam estavam convidados a comparecer no meu laborat�rio para fazer esse teste."

"At� agora, nenhum deles apareceu por l�", finaliza a geneticista.

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