
O teto solar e as janelas estavam abertas. Eu estava dirigindo na Indian Ocean Drive, algumas horas ao norte de Perth rumo ao Lago Thetis, na Costa dos Corais da Austr�lia.
Como um desenho de Escher, a paisagem se metamorfoseava de planta��es agr�colas em matagais com pedras calc�rias, acompanhada de moinhos de vento que extra�am �gua do Aqu�fero Yarragadee formado durante a era Jur�ssica.
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Havia eucaliptos de troncos brancos e arbustos brotando aos montes, bandos de cacatuas negras al�ando voos estridentes e, infelizmente, dezenas de cangurus que haviam sido atropelados.
Uma viagem de carro ao longo da costa do continente mais antigo do planeta n�o podia deixar de ser repleta de mist�rios. Enquanto eu passava por placas verdes e amarelas na estrada alertando para ficar atenta a cangurus, emas e equidnas, havia outra forma de vida rara que eu estava procurando — uma que remonta ao in�cio dos tempos.
Estromat�litos s�o f�sseis vivos e as formas de vida mais antigas em nosso planeta. O nome deriva do grego, stroma, que significa "colch�o", e lithos, que quer dizer "pedra". Estromat�lito significa literalmente "rocha em camadas".
A exist�ncia dessas rochas antigas corresponde a tr�s quartos do caminho de volta �s origens do Sistema Solar.Do ponto de vista cient�fico amador, os estromat�litos s�o estruturas rochosas constru�das por col�nias de organismos microsc�picos fotossintetizantes chamados cianobact�rias. � medida que sedimentos se acumulam em �guas rasas, as bact�rias crescem sobre eles, se vinculando �s part�culas sedimentares e construindo camadas milim�tricas sobre camadas milim�tricas at� se tornarem montes.
A constru��o deste imp�rio trouxe consigo seu papel mais importante na hist�ria da Terra. Eles faziam fotoss�ntese. Usando o Sol para obter energia, produziam oxig�nio, e aumentaram assim o volume de oxig�nio na atmosfera do planeta para cerca de 20%, permitindo � vida prosperar e evoluir.
Estromat�litos vivos s�o encontrados apenas em algumas lagoas salgadas ou ba�as ao redor do mundo. A Austr�lia � internacionalmente reconhecida por sua variedade de habitats de estromat�litos, tanto vivos quanto fossilizados.
F�sseis dos primeiros estromat�litos conhecidos, com cerca de 3,5 bilh�es de anos, s�o encontrados perto de Marble Bar, na regi�o de Pilbara.
Como a Terra tem uma idade estimada de 4,5 bilh�es de anos, � impressionante perceber que podemos testemunhar como o mundo se parecia no in�cio dos tempos, quando os continentes estavam se formando. Antes das plantas. Antes dos dinossauros. Antes dos seres humanos.
Segui em frente pela Indian Ocean Drive. De vez em quando, em meio ao matagal, eu conseguia ver uma parte da �gua azul turquesa. Em seguida, fragmentos das dunas de areia brancas da cidade de Lancelin.
Este � um litoral de naufr�gios e barracas que vendem lagosta, dos devastadores Roaring Forties (Vendavais da Latitude 40), ventos fortes que a�oitam a zona a 40 e 50 graus de latitude a sul do Equador, e dos ventos Fremantle Doctor, conhecidos pelo al�vio que trazem em uma tarde escaldante de ver�o. � uma costa selvagem encantada.
Eu estava quase em Cervantes, a capital da lagosta na costa norte do Parque Nacional de Nambung. Ap�s alguns quil�metros por uma estrada de terra, cheguei ao Lago Thetis, o lar dos estromat�litos.

O Lago Thetis � pequeno, raso e triangular. Uma trilha de arbustos serpenteava por flores de p�talas azuis e folhas grossas, juncos e salic�rnias vermelhas. De vez em quando, os cangurus locais levantavam a cabe�a para dar uma conferida na gente.
Foi ent�o que eu os avistei. Havia milhares de estromat�litos quase camuflados sob as ondula��es, submersos como tartarugas antigas prendendo a respira��o sob a �gua ligeiramente opaca.
Fiquei de boca aberta. Tirando a �rea perif�rica e imaginando o c�u laranja metano da atividade vulc�nica, � assim que a vida se parecia no in�cio dos tempos.
O Lago Thetis tem pouco mais de 2 metros de profundidade e o dobro da salinidade do mar.
O lago ficou isolado h� cerca de 4,8 mil anos, quando o n�vel do mar caiu durante a �ltima grande era glacial. As �reas costeiras recuaram, e as dunas do litoral retiveram a �gua no interior, criando o lago. Estima-se que esses doadores de oxig�nio pedregosos estejam crescendo h� cerca de 3,5 mil anos.
Uma passarela de metal foi constru�da sobre o lago para que voc� possa ver os estromat�litos abaixo. Na caminhada de 1,5 km que d� a volta no lago, voc� pode olhar, mas n�o tocar, uma vez que muitas dessas rel�quias antigas foram danificadas por pessoas que andaram sobre elas.
Mas h� uma outra parte da fam�lia dos estromat�litos que est� presente neste trecho da costa. O progresso evolutivo h� cerca de 1 bilh�o de anos iniciou um processo de transi��o lento em que os estromat�litos em camadas foram desaparecendo, � medida que outra varia��o emergia. Eram seus primos mais novos: os tromb�litos.
Cerca de uma hora de carro ao sul de Perth, peguei a Old Coast Road no Parque Nacional de Yalgorup at� o Lago Clifton, lar dos maiores tromb�litos que vivem em lagos no hemisf�rio sul.

Quando Brian Cox, o carism�tico apresentador e professor de f�sica da Universidade de Manchester, no Reino Unido, visitou os tromb�litos para sua s�rie de document�rios Wonders of the Universe ("Maravilhas do Universo"), sua admira��o pelas "estranhas bolhas rochosas nas �guas rasas" inspirou muitos turistas a procurar o Lago Clifton para ver "a primeira forma de vida na Terra".
Os tromb�litos derivam da mesma raiz da "trombose", que significa "co�gulo". Os tromb�litos t�m apar�ncia coagulada, enquanto os estromat�litos s�o em camadas.
De acordo com a falecida pesquisadora Linda Moore, da Universidade da Austr�lia Ocidental, os estromat�litos entraram em decl�nio no momento em que houve uma explos�o de vida marinha mais avan�ada.
O ecossistema deles foi abalado quando a ameba predadora e outros organismos unicelulares chamados foramin�feros usaram suas extens�es semelhantes a dedos para engolfar os estromat�litos, transformando suas estruturas finas de camadas em aglomerados.
Para sobreviver, os estromat�litos precisavam de �gua altamente salina que restringia outras formas de vida marinha concorrentes, enquanto os tromb�litos se adaptaram. Eles sobreviveram e prosperaram em um ambiente menos salgado que o mar, e sua textura coagulada proporcionou um lar onde min�sculos animais poderiam coexistir.
Com uma impressionante ancestralidade linear, estima-se que os tromb�litos do Lago Clifton tenham 2 mil anos.
Aqui, tamb�m, uma passarela passa sobre o lago, onde logo abaixo, os tromb�litos podem ser observados. Olhando cuidadosamente, voc� pode ver min�sculos fios de oxig�nio subindo para a superf�cie da �gua.

Para o povo abor�gene Noongar desta regi�o, a hist�ria do Tempo dos Sonhos (mitos e cren�as mantidas vivas pelos abor�genes australianos h� mais de 40 mil anos) conta a origem dos tromb�litos. Com a terra seca, os Noongars oraram ao mar para que a �gua se tornasse pot�vel.
Seu criador deixou o mar na forma da serpente Woggaal Maadjit. Ela passou pelas dunas de areia, criando uma enseada. Botou seus ovos (os tromb�litos) e enrolou seu corpo para proteg�-los (as dunas de areia protegendo o lago).
Os filhotes de serpente que eclodiram dos ovos esculpiram rios e, quando morreram, abriram t�neis no subsolo formando fontes subterr�neas em seu caminho de volta para o Tempo dos Sonhos. Essas fontes forneceram �gua pot�vel para o povo Noongar.
Do ponto de vista cient�fico, os tromb�litos microbianos usam a luz solar para fazer fotoss�ntese e obter energia e para precipitar o carbonato de c�lcio (calc�rio) das nascentes de �gua doce que borbulham do aqu�fero subjacente.
O fluxo de �gua subterr�nea com baixo teor de salinidade e nutrientes e alto teor de alcalinidade � essencial para seu crescimento e sobreviv�ncia; qualquer altera��o desafia sua exist�ncia.
O Lago Clifton � um ambiente fr�gil. Em 2009, os tromb�litos foram listados como criticamente amea�ados de extin��o e agora est�o protegidos pela Conven��o de Ramsar sobre Zonas �midas de Import�ncia Internacional, colocando esta �rea na mesma categoria que o Parque Nacional Kakadu, Patrim�nio Mundial da Humanidade — o maior parque nacional da Austr�lia, preservando a maior variedade de ecossistemas do continente.

As a��es para conserva��o do Lago Clifton incluem a constru��o da passarela para evitar que esmaguem os tromb�litos; monitoramento da qualidade e n�veis da �gua; prote��o da reserva de vegeta��o nativa que ajuda a filtrar nutrientes e poluentes; monitoramento da sa�de da comunidade de tromb�litos; e articula��o com propriet�rios de terras agr�colas e urbanas para gerenciar e proteger a qualidade da �gua.
Eles precisam de prote��o. A mudan�a no clima est� afetando a salinidade do lago. A crescente urbaniza��o aumentou o fluxo de nutrientes, causando a prolifera��o de algas que bloqueiam a luz solar e sufocam os tromb�litos.
Em pouco mais de cem anos de altera��es induzidas pelo homem no lago, a sobreviv�ncia desses organismos antigos � t�nue. Como a serpente do Tempo dos Sonhos, Woggaal Maadjit, cabe a n�s proteg�-los.
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Travel.
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