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Estado de Minas CI�NCIA

Por que voc� provavelmente est� comendo pl�stico

O micropl�stico j� se infiltrou em todas as partes do planeta. Eles se espalharam totalmente pelo solo e podem at� acabar nos alimentos que ingerimos.


08/02/2023 18:10 - atualizado 09/02/2023 10:45


Plantação de cenouras
Os tub�rculos aparentemente absorvem mais micropl�sticos do que frutas, legumes e verduras (foto: Nailia Schwarz/Alamy)

A polui��o causada pelo pl�stico � uma das consequ�ncias do nosso modo de vida moderno – mas, agora, ela j� est� afetando as frutas, legumes e verduras que fazem parte da nossa alimenta��o.

O micropl�stico j� se infiltrou em todas as partes do planeta.

Ele j� foi encontrado no gelo mar�timo da Ant�rtida, nos intestinos de animais marinhos que habitam as fossas mais profundas dos oceanos e na �gua pot�vel em todo o mundo.

A polui��o causada pelo pl�stico tamb�m foi encontrada em praias de ilhas remotas e desabitadas e aparece em amostras de �gua do mar de todo o planeta.

Um estudo estimou que existem cerca de 24,4 trilh�es de fragmentos de micropl�stico nas camadas superiores de �gua dos oceanos da Terra.

Mas eles n�o s�o onipresentes apenas na �gua. Eles se espalharam totalmente pelo solo e podem at� acabar nos alimentos que ingerimos. Ou seja, a cada garfada das nossas refei��es, podemos estar inadvertidamente consumindo min�sculos fragmentos de pl�stico.

Em 2022, uma an�lise do Environmental Working Group – uma organiza��o ambiental sem fins lucrativos – concluiu que o lodo de esgoto contaminou cerca de 81 mil km² de terras agr�colas nos Estados Unidos com subst�ncias per e polifluoroalquila (PFAS), tamb�m conhecidas como "poluentes org�nicos persistentes".

Estes poluentes s�o frequentemente encontrados em produtos pl�sticos e n�o se decomp�em sob condi��es ambientais normais.

O lodo de esgoto � o subproduto da limpeza da �gua servida dos munic�pios. Como seu descarte � caro e ele � rico em nutrientes, o lodo normalmente � utilizado como fertilizante org�nico nos Estados Unidos e na Europa.

No continente europeu, isso se deve, em parte, �s normas da Uni�o Europeia para promover a economia circular na gest�o de res�duos. Estima-se que 8-10 milh�es de toneladas de lodo de esgoto sejam produzidas na Europa anualmente e cerca de 40% dessa quantidade � aplicada em terras agr�colas.

Esta pr�tica pode ter feito com que as terras agr�colas europeias se tornassem o maior reservat�rio global de micropl�sticos, segundo um estudo de pesquisadores da Universidade de Cardiff, no Reino Unido. Cerca de 31 a 42 mil toneladas de micropl�sticos – correspondentes a 86 a 710 trilh�es de part�culas de micropl�sticos – contaminam as terras agr�colas da Europa todos os anos.

Os pesquisadores conclu�ram que at� 650 milh�es de part�culas de micropl�sticos, medindo de 1 a 5 mm, entram em uma instala��o de tratamento de esgoto no sul do Pa�s de Gales todos os anos.

Essas part�culas acabam no lodo de esgoto, compondo cerca de 1% do seu peso total, em vez de serem liberadas com a �gua limpa.

A quantidade de micropl�sticos que acaba em terras agr�colas “provavelmente � subestimada”, segundo Catherine Wilson, uma das autoras do estudo e vice-diretora do Centro de Pesquisas Hidroambientais da Universidade de Cardiff.

Ela afirma que "os micropl�sticos est�o em toda parte e [muitas vezes] s�o t�o min�sculos que n�o conseguimos v�-los".

E os micropl�sticos tamb�m podem permanecer ali por muito tempo.

Um estudo recente de cientistas do solo da Universidade Philipps de Marburgo, na Alemanha, encontrou micropl�sticos at� 90 cm abaixo da superf�cie em dois campos de produ��o agr�cola onde lodo de esgoto havia sido aplicado 34 anos antes.

E o uso de arado tamb�m fez com que o pl�stico se espalhasse para �reas onde o lodo n�o havia sido aplicado.


Procedimento de aplicação de iodo de esgoto ou biossólidos no campo
A aplica��o de lodo de esgoto ou bioss�lidos aos campos agr�colas � uma pr�tica comum em muitas partes do mundo (foto: RJ Sangosti/The Denver Post/Getty Images)

A concentra��o de micropl�sticos no solo de �reas agr�colas na Europa � similar � quantidade encontrada nas �guas da superf�cie dos oceanos, segundo James Lofty, o principal autor do estudo de Cardiff e estudante de pesquisa em PhD do Centro de Pesquisas Hidroambientais.

O Reino Unido det�m algumas das maiores concentra��es de micropl�sticos da Europa, com 500 a 1 mil part�culas de micropl�stico sendo espalhadas em terras agr�colas todos os anos, segundo a pesquisa de Wilson e Lofty.

Lofty acrescenta que, al�m de criar um grande reservat�rio de micropl�sticos em terra, a pr�tica do uso de lodo de esgoto como fertilizante tamb�m exacerba a crise do pl�stico nos nossos oceanos.

� medida que a chuva carrega a camada superior do solo para os rios ou causa sua infiltra��o no len�ol fre�tico, os micropl�sticos, em algum momento, acabam atingindo os cursos d’�gua.

"A principal fonte de contamina��o [de pl�stico] nos nossos rios e oceanos vem do escoamento [da �gua]", afirma ele.

Outro estudo, de pesquisadores de Ont�rio, no Canad�, concluiu que 99% dos micropl�sticos foram transportados do local onde o lodo foi depositado inicialmente para ambientes aqu�ticos.

Contamina��o ambiental

Antes de serem levados pela �gua, os micropl�sticos podem deixar subst�ncias t�xicas no solo.

Eles s�o feitos de subst�ncias potencialmente prejudiciais que podem ser liberadas para o meio ambiente � medida que se decomp�em e tamb�m podem absorver outras subst�ncias t�xicas, essencialmente permitindo que elas peguem carona para as terras agr�colas, onde podem ser absorvidas pelo solo, segundo Lofty.

Um relat�rio da Ag�ncia Ambiental do Reino Unido, revelado pelo grupo ativista ambiental Greenpeace, concluiu que o lodo de esgoto destinado �s terras agr�colas inglesas estava contaminado com poluentes, incluindo dioxinas e hidrocarbonetos arom�ticos polic�clicos, em "n�veis que podem apresentar risco para a sa�de humana".

Em 2020, outro experimento, realizado pela agr�noma Mary Beth Kirkham, da Universidade de Kansas, nos Estados Unidos, concluiu que o pl�stico serve de vetor para a absor��o de subst�ncias t�xicas pelas plantas, como o c�dmio.

"Nas plantas onde havia c�dmio no solo com o pl�stico, as folhas de trigo apresentaram muito, muito mais c�dmio do que as plantas que cresceram sem pl�stico no solo", afirmou Kirkham na �poca.

Outras pesquisas tamb�m demonstram que os micropl�sticos podem prejudicar o crescimento das minhocas e fazer com que elas percam peso.

Os motivos dessa perda de peso n�o s�o totalmente conhecidos, mas uma teoria � que os micropl�sticos podem obstruir o trato digestivo das minhocas, limitando sua capacidade de absorver nutrientes e, com isso, reduzindo seu crescimento.

Isso tamb�m causa impactos negativos ao meio ambiente, segundo os pesquisadores, j� que as minhocas desempenham um papel fundamental na manuten��o da sa�de do solo.

Os t�neis cavados por elas permitem a aera��o do solo, evitam a eros�o, aumentam a drenagem da �gua e reciclam nutrientes.

Part�culas de pl�stico tamb�m podem contaminar diretamente os produtos aliment�cios. Um estudo de 2020 encontrou micropl�sticos e nanopl�sticos em frutas, legumes e verduras vendidas em supermercados e por vendedores locais em Catania, na It�lia.

Entre as frutas, as ma��s foram as mais contaminadas, enquanto as cenouras apresentaram o maior n�vel de micropl�sticos entre os outros vegetais da amostra.

Segundo as pesquisas de Willie Peijnenburg, professor de toxicologia ambiental e biodiversidade da Universidade de Leiden, na Holanda, os produtos agr�colas absorvem part�culas de nanopl�sticos – fragmentos min�sculos que medem de 1 a 100 nm e s�o cerca de cem a mil vezes menores que um gl�bulo sangu�neo humano – da �gua e do solo ao seu redor, atrav�s de rachaduras min�sculas nas suas ra�zes.

An�lises revelaram que a maioria dos pl�sticos acumula-se nas ra�zes das plantas e apenas uma quantidade muito pequena viaja at� os brotos. "A concentra��o nas folhas est� bem abaixo de 1%", segundo Peijnenburg.


Análise de fragmentos
Min�sculos fragmentos de pl�sticos das roupas, cosm�ticos ou de pl�sticos maiores que se decomp�em podem chegar facilmente ao solo e aos cursos d'�gua (foto: Aris Messinis/AFP/Getty Images)

Nas verduras, como alface e repolho, a concentra��o de pl�stico provavelmente ser� relativamente baixa, mas o professor alerta que, para ra�zes, como cenouras, nabos e rabanetes, o risco de consumir micropl�sticos ser� maior.

Outro estudo de Peijnenburg e seus colegas concluiu que, na alface e no trigo, a concentra��o de micropl�sticos era 10 vezes menor do que no solo � sua volta.

"Descobrimos que somente as part�culas menores s�o absorvidas pelas plantas e as grandes, n�o", afirma ele.

Para Peijnenburg, isso � tranquilizador. Mas ele acrescenta que muitos micropl�sticos ir�o se degradar, decompondo-se em nanopart�culas que ser�o uma "boa fonte para absor��o pela planta".

A absor��o das part�culas de pl�stico n�o parece prejudicar o crescimento das plantas, segundo as pesquisas de Peijnenburg. Mas o efeito desse ac�mulo de pl�stico na nossa alimenta��o sobre a sa�de humana n�o � t�o claro.

� preciso ter mais pesquisas para compreender este ponto, segundo Peijnenburg, especialmente porque o problema s� ir� aumentar.

"Levar� d�cadas para que os pl�sticos sejam totalmente removidos do meio ambiente", afirma ele.

"Mesmo se o risco atual n�o for muito alto, n�o � uma boa ideia ter subst�ncias persistentes [em terras agr�colas]. Elas ir�o se acumular e podem representar risco no futuro."

Impactos � sa�de

O impacto da ingest�o de pl�stico sobre a sa�de humana ainda n�o � totalmente compreendido, mas j� existem algumas pesquisas indicando que ela pode ser prejudicial.

Estudos demonstram que as subst�ncias acrescentadas durante a produ��o de pl�stico podem prejudicar o sistema end�crino e os horm�nios que regulam o nosso crescimento e desenvolvimento.

As subst�ncias encontradas no pl�stico est�o relacionadas a uma s�rie de outros problemas de sa�de, que incluem c�ncer, doen�as card�acas e falhas no desenvolvimento fetal.

Altos n�veis de ingest�o de micropl�sticos podem tamb�m causar les�es celulares, que poder�o gerar inflama��es e rea��es al�rgicas, segundo an�lise dos pesquisadores da Universidade de Hull, no Reino Unido.

Os pesquisadores analisaram 17 estudos anteriores, que observaram o impacto toxicol�gico do micropl�stico sobre as c�lulas humanas.

A an�lise comparou a quantidade de micropl�sticos que causam les�es celulares em exames de laborat�rio com os n�veis ingeridos pelas pessoas na �gua pot�vel, sal e frutos do mar.

Concluiu-se que as quantidades ingeridas aproximavam-se das que podem causar morte celular, mas podem tamb�m causar rea��es imunol�gicas, incluindo rea��es al�rgicas, les�es das paredes celulares e estresse oxidativo.

"Nossas pesquisas demonstram que estamos ingerindo micropl�sticos em n�veis consistentes com os efeitos prejudiciais �s c�lulas, que, em muitos casos, s�o o evento inicial de efeitos sobre a sa�de", segundo Evangelos Danopoulos, principal autor do estudo e pesquisador da Faculdade de Medicina Hull York, no Reino Unido.

"Sabemos que os micropl�sticos podem romper as barreiras celulares e tamb�m decomp�-las. Sabemos que eles podem tamb�m causar estresse oxidativo das c�lulas, que � o in�cio das les�es dos tecidos", afirma o pesquisador.


Plantação de cebolas
Fragmentos pl�sticos aparentemente se acumulam mais nas ra�zes das plantas, o que � particularmente problem�tico para os bulbos e tub�rculos (foto: Yuji Sakai/Getty Images)

Existem duas teorias sobre como os micropl�sticos causam a decomposi��o celular, segundo Danopoulos.

Suas extremidades pontiagudas podem romper a parede celular ou as subst�ncias contidas nos micropl�sticos podem prejudicar as c�lulas.

O estudo concluiu que os micropl�sticos com formato irregular s�o os mais propensos a causar a morte celular.

"O que precisamos entender agora � como muitos micropl�sticos permanecem no nosso corpo e qual tipo de tamanho e formato � capaz de cruzar a barreira celular", explica Danopoulos.

Se os pl�sticos se acumularem at� os n�veis que podem se tornar prejudiciais ao longo de um per�odo de tempo, eles podem representar um risco ainda maior � sa�de humana.

Mas, mesmo sem essas respostas, Danopoulos questiona se � preciso tomar mais cuidado para que os micropl�sticos n�o entrem na cadeia aliment�cia.

"Se soubermos que o lodo est� contaminado com micropl�sticos e as plantas t�m a capacidade de extra�-los do solo, devemos utiliz�-lo como fertilizante?", pergunta ele.

Devemos proibir o lodo de esgoto?

Espalhar lodo sobre terras agr�colas � proibido na Holanda desde 1995. No princ�pio, o pa�s incinerava o material, mas passou a export�-lo para o Reino Unido, onde era usado como fertilizante na agricultura, depois de enfrentar problemas em um incinerador na capital holandesa, Amsterd�.

A Su��a proibiu o uso de lodo de esgoto como fertilizante em 2003, porque ele "compreende toda uma s�rie de subst�ncias prejudicais e organismos patog�nicos produzidos pelas ind�strias e por resid�ncias particulares".

J� o Estado americano do Maine tamb�m proibiu a pr�tica em abril de 2022, depois que autoridades ambientais encontraram altos n�veis de PFAS no solo usado para agricultura, em produtos agr�colas e na �gua.

Altos n�veis de PFAS tamb�m foram encontrados no sangue de agricultores e a contamina��o disseminada levou diversas fazendas a encerrar suas atividades.

A nova legisla��o do Maine pro�be a aplica��o, venda e distribui��o de composto que contenha lodo de esgoto, mas permite sua exporta��o.

A proibi��o total do uso do lodo de esgoto como fertilizante n�o � necessariamente a melhor solu��o, segundo Catherine Wilson, da Universidade de Cardiff.

Segundo ela, a proibi��o poder� incentivar os agricultores a usar mais fertilizantes de nitrog�nio sint�ticos.

"[Com lodo de esgoto], estamos usando um produto residual de forma eficiente, em vez de produzir fertilizantes de combust�vel f�ssil infinitamente", afirma Wilson.

Ela tamb�m ressalta que o res�duo org�nico no lodo tamb�m ajuda a devolver carbono para o solo e o enriquece com nutrientes, como f�sforo e nitrog�nio, que evitam a degrada��o do solo.

Para Wilson, "precisamos quantificar os micropl�sticos no lodo de esgoto, de forma a poder [determinar] onde est�o os problemas e come�ar a administr�-los".

Ela sugere que, em lugares com alto n�vel de micropl�sticos, o lodo de esgoto pode ser incinerado para gerar energia, em vez de ser usado como fertilizante.

Uma forma de evitar a contamina��o das terras agr�colas � recuperar as gorduras, �leos e graxas (que cont�m alto n�vel de micropl�sticos) nas instala��es de tratamento de esgoto e usar essa "espuma superficial" como biocombust�vel, em vez de mistur�-la ao lodo, segundo afirmam Wilson e seus colegas.

Os pesquisadores indicam que alguns pa�ses europeus, como a It�lia e a Gr�cia, descartam o lodo de esgoto em aterros, mas eles advertem que existe o risco de que os micropl�sticos escapem desses locais para o meio ambiente, contaminando terrenos e corpos d’�gua vizinhos.

Wilson e Danopoulos concordam que � preciso ter muito mais pesquisas para determinar a quantidade de micropl�sticos nas terras agr�colas e seus poss�veis impactos � sa�de e ao meio ambiente.

"O micropl�stico est� agora a ponto de deixar de ser um contaminante para se tornar um poluente", segundo Danopoulos.

"Um contaminante � algo que � encontrado onde n�o deveria estar. Os micropl�sticos n�o deveriam estar na nossa �gua e no solo. Se comprovarmos que [eles t�m] efeitos prejudiciais � sa�de, isso os tornaria um poluente e ter�amos que criar legisla��o e regulamentos."

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.


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