
Dois beijinhos na bochecha como cumprimento, um na testa para mostrar carinho, ou v�rios na boca entre os apaixonados. Desde os tempos antigos, beijar faz parte das tradi��es humanas, com inten��es e efeitos diversos - incluindo os sanit�rios. Uma pesquisa publicada, na edi��o desta semana, da revista Science mostra que os beijos eram praticados muito antes do imaginado e ajudaram na dissemina��o de doen�as ao longo dos s�culos.
O estudo da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca, fez uma revis�o hist�rica do beijo e, entre as conclus�es, sugere que, entre pais e filhos, o beijo � comum desde os tempos ancestrais, nas mais diversas popula��es ao redor do globo. Por outro lado, a pr�tica com conota��o rom�ntico-sexual n�o � considerada culturalmente universal e tende a ocorrer em sociedades espec�ficas.
Apesar de alguns registros sugerirem que a origem do beijo na boca � de 1.500 anos antes de Cristo (a.C.), no sul da �sia, onde, hoje, fica a �ndia, os autores principais do estudo, Troels Arb�ll e Sophie Rasmussen, sublinham evid�ncias que apontam para a exist�ncia da pr�tica no Egito e na Mesopot�mia, onde, agora, ficam o Iraque e o Kuwait, 2.500 anos a.C.
Para os estudiosos, esse comportamento n�o surgiu do nada ou em apenas uma regi�o. A hip�tese � de que a pr�tica era comum em diversas culturas da antiguidade e colaborou para o espalhamento de doen�as transmitidas oralmente. Entre elas, o herpes simples, causado pelo v�rus HSV-1, que foi localizado em amostras de DNA de esqueletos humanos datados entre 73 e 1.700 depois de Cristo.
Os autores descobriram que, na Idade do Bronze (de 1.300 a 700 a.C.), houve uma mudan�a nas linhagens dominantes do HSV-1 devido a uma nova forma de transmiss�o do pat�geno, possivelmente relacionada a transforma��es nas pr�ticas culturais. "O estudo desse v�rus levantou a hip�tese de que sua dissemina��o foi afetada pela introdu��o do beijo rom�ntico-sexual como uma nova a��o cultural na Europa, na Idade do Bronze", detalha Arb�ll.
Segundo o cientista, a a��o tornou est�vel os �ndices de contamina��o pela doen�a na antiguidade. "Em nossa opini�o, o fato de o beijo sexual ter sido praticado em uma grande regi�o geogr�fica indica que seu efeito na transmiss�o de doen�as nesses per�odos foi relativamente constante, e n�o algo que acelerasse repentinamente a dissemina��o de pat�genos", completa.
Genomas
Arb�ll e Rasmussen analisaram DNA antigos, obras de arte e registros m�dicos para provar que a presen�a de doen�as transmitidas pelo beijo pode ser mais antiga e alastrada do que o imaginado. Pesquisas paleogen�micas, baseadas na reconstru��o e avalia��o de informa��es gen�micas, mostram que existiam pat�genos passados pelo beijo em per�odos hist�ricos antigos e at� pr�-hist�ricos. Como o v�rus Epstein-Barr, que causa um tipo de herpes, e o parvov�rus humano B19, desencadeador do eritema infeccioso.
Carolina Alexandre, dentista da cl�nica IGM Odontopediatria, em Bras�lia, lembra que, nos dias atuais, beijar segue transmitindo bact�rias e v�rus e causando complica��es. "Dentre as principais e mais comuns, temos a mononucleose, conhecida como a doen�a do beijo, herpes, HPV, s�filis, gripe e covid", lista. A especialista recomenda bom senso e respeito para a pr�tica. "� preciso ser honesto com o parceiro caso voc� seja diagnosticado com alguma doen�a, al�m de fazer os devidos tratamentos. Tamb�m n�o se deve beijar pessoas que tenham feridas na boca ou sintomas de doen�as, como gripe."
A dentista tamb�m enumera os benef�cios da pr�tica. Entre eles, "a disparada de uma chuva de sinais el�tricos" que promove a libera��o da ocitocina, o horm�nio do amor, ativando no c�rebro �reas respons�veis pelo afeto e pela conex�o emocional. "Al�m disso, o beijo diminui a produ��o do horm�nio do estresse, o cortisol, regulando a press�o sangu�nea", completa Carolina Alexandre. H� ainda benef�cios para a face devido aos exerc�cios da musculatura local.
Da intimidade aos rituais coletivos
O trabalho da equipe dinamarquesa tem como base uma s�rie de fontes escritas sobre as primeiras sociedades da Mesopot�mia, o que, segundo a pesquisa, sustenta a ideia de que o beijo era uma pr�tica bem estabelecida h� 4.500 anos, no Oriente M�dio.
Um dos l�deres do estudo, Troels Pank Arb�ll conta que, nas primeiras culturas humanas existentes nos rios Eufrates e Tigre, as pessoas escreviam em tabuletas de argila, sendo que muitas delas est�o preservadas e s�o estudadas hoje. "Elas cont�m exemplos claros de que o beijo era considerado parte da intimidade rom�ntica nos tempos antigos, assim como fez parte das amizades e das rela��es familiares", afirma, em nota.
Esculturas pr�-hist�ricas sugerem que essa pr�tica tenha come�ado antes da inven��o da escrita. Na Sum�ria, beijos eram descritos como pr�ticas ligadas aos atos er�ticos, possivelmente relacionadas ao p�s-coito. De acordo com os autores, o ato tamb�m foi parte de rituais de diferentes culturas e praticado para mostrar respeito em algumas sociedades.
Um dos trabalhos analisados pelo grupo avaliou a propaga��o do micr�bio oral Methanobrevibacter oralis e levantou a possibilidade de que um neandertal e um humano moderno tenham protagonizado um beijo na boca h� 100 mil anos. "Pesquisas sobre bonobos e chimpanz�s, os parentes vivos mais pr�ximos dos humanos, mostraram que ambas as esp�cies se beijam, o que pode sugerir que essa pr�tica � um comportamento fundamental nos humanos, explicando por que pode ser encontrado em diferentes culturas", ressalta Sophie Rasmussen, que tamb�m coordenou o estudo.
Arb�ll e colegas esperam que novos trabalhos acerca do tema sejam conduzidos, trazendo novos contextos sobre o ato de beijar. "Encorajamos a futura colabora��o entre disciplinas hist�ricas, ci�ncias sociais e ci�ncias naturais e esperamos ver mais discuss�es desse tipo para uma perspectiva hol�stica das pr�ticas culturais."