Tarantino filma o ano em que o sonho acabou em crime em Hollywood

Onde termina a verdade e come�a a mentira? Era uma vez em… Hollywood, nono longa-metragem de Quentin Tarantino, que estreia nesta quinta-feira (15) no Brasil, leva essa quest�o � m�xima pot�ncia. A despeito dos debates que o filme j� suscitou desde sua premi�re, em maio, no Festival de Cannes, o que mais importa � que se trata de uma produ��o de Tarantino em sua ess�ncia.

O longa (2h41min) carrega em seu DNA as marcas que fizeram do cineasta de 56 anos um dos grandes nomes do cinema americano contempor�neo, dos poucos que (ainda) levam o p�blico a correr para as salas de cinema. S� que, desta vez, ele vem acompanhado de Leonardo DiCaprio e Brad Pitt – maiores astros de sua gera��o, ambos j� fizeram outros filmes do diretor, mas aqui atuam juntos pela primeira vez. H� muitos coadjuvantes estelares, muitos deles recorrentes na obra de Tarantino.

Era uma vez em… Hollywood tem os di�logos �cidos e divertidos de Pulp fiction – Tempo de viol�ncia (1994); reinventa a hist�ria, como em Bastardos ingl�rios (2009), e, bem, traz o banho de sangue onipresente na filmografia tarantinesca. � uma com�dia de humor negro com uma boa dose de melancolia. Sucesso e fracasso em Los Angeles, a cidade do faz de conta, um terreno que Tarantino conhece como poucos, dada a sua obsess�o pela Hollywood de outrora.

 

Confira o trailer do filme:

 

 

Em ess�ncia, o que sua c�mera faz � acompanhar dois homens insepar�veis ao longo do ano de 1969. Rick Dalton (DiCaprio) � um ator que fez muito sucesso com uma s�rie western de TV nos anos 1950 e que n�o conseguiu decolar no cinema. Seu insepar�vel companheiro � Cliff Booth (Pitt), dubl� que j� teve dias melhores e hoje � um fiel faz-tudo do ator. Assistindo � meia-idade se aproximar a passos r�pidos, Dalton v� suas chances diminu�rem – o caminho est� fora de Hollywood, mais precisamente na It�lia, onde um agente quer mand�-lo para fazer western-spaghetti.

Dalton vive nas colinas de Hollywood e se descobre vizinho de Roman Polanski (Rafal Zawierucha) e Sharon Tate (Margot Robbie), o casal mais quente da cidade naquele momento. "Decidi que Sharon e Polanski seriam vizinhos de Rick primeiro porque isso me permitiria criar um contexto dram�tico. Sabemos que acontecer� algo nessa rua. Al�m disso, Sharon e Roman representam uma Hollywood inalcan��vel para Rick. Isso � algo frequente (em Los Angeles), ver como sucesso e fracasso, gl�ria e queda convivem. No meu filme, � metaf�rico e literal", explicou Tarantino quando o filme foi lan�ado em Cannes.

Abrindo par�nteses: na madrugada de 9 de agosto de 1969, Sharon Tate, gr�vida de oito meses, foi assassinada com 16 facadas por membros da Fam�lia Manson, a seita criada por Charles Manson. Ao seu lado  ainda morreram tr�s amigos da atriz. Polanski estava viajando quando o crime ocorreu, simbolizando o fim da era paz e amor.

Era uma vez em… Hollywood � o filme mais detalhista de Tarantino, com passagens reais que conseguem se integrar � fic��o que saiu da cabe�a do diretor. � um para�so de refer�ncias de s�ries de TV, filmes, atores, diretores, cenas – imposs�vel identificar todo o caldeir�o de refer�ncias em apenas uma sess�o do filme. Tarantino foi capaz de colocar o personagem de DiCaprio dentro de Fugindo do inferno (1963) apenas para mostrar uma cena em que Dalton fantasia que foi ele, e n�o Steve McQueen, quem fez o filme de John Sturges.

Para al�m do cinema e da TV, o cineasta ainda exibe outras paix�es em cena – carros, avi�es, restaurantes, an�ncios, roupas. S�o longas e diversas as sequ�ncias em que assistimos a di�logos ora importantes, ora banais dentro de um Cadillac ou de um Porsche.

Tarantino pega todos esses elementos para criar uma grande declara��o de amor a Hollywood. S� que � sua maneira. “Eu tinha 6 anos em 1969. Lembro-me de tudo, das transmiss�es de r�dio, das pessoas ouvindo muito alto. As televis�es sempre estavam ligadas. Absorvi como uma esponja esse espet�culo di�rio”, declarou o diretor.

Confira o que � realidade e o que � fic��o na trama de  Era uma vez em… Hollywood

Sharon Tate (Margot Robbie) � casada com Roman Polanski (Rafal Zawierucha), mas seu companheiro insepar�vel � Jay Sebring (Emile Hirsch), um cabeleireiro de celebridades. Como explica o ator Steve McQueen (Damian Lewis) no in�cio do filme, Sharon namorava Jay, mas se apaixonou por Polanski quando foi para a Europa filmar com ele (o longa A dan�a dos vampiros). Ligou para Sebring explicando tudo, e o ex, mesmo tra�do, continuou pr�ximo a ela.

O agente Marvin Schwarz (Al Pacino) diz a Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) que ele deve ir para a It�lia trabalhar com o Sergio, “o segundo melhor diretor de westerns-spaghetti do mundo”. Ele est� se referindo a Sergio Corbucci (1926-1990), cineasta que dirigiu Django (1966), a base para Tarantino filmar Django livre (2012, que DiCaprio estrelou). Se Corbucci � o segundo, o primeiro Sergio � o Leone (1929-1989). O t�tulo Era uma vez em… Hollywood foi inspirado em Era uma vez no Oeste (1968), de Leone.

Bruce Dern interpreta George Spahn, o dono do Spahn Ranch, que alugava suas terras para est�dios e que acabou sendo ocupado pela Fam�lia Manson. Charles Manson (Damon Harriman) colocou uma de suas seguidoras, Lynette “Squeaky” Fromme (Dakota Fanning), como respons�vel pelos afazeres dom�sticos da casa onde vivia George – em troca da moradia para o resto do grupo, ela fazia sexo com o propriet�rio. Foi George Spahn quem deu o apelido de Squeaky � assassina.

Tate e Polanski v�o a uma festa na Mans�o Playboy, onde se encontram com artistas da �poca, como Mama Cass (Rachel Redleaf), do The Mamas and the Papas. O evento � um tanto improv�vel, j� que Hugh Hefner s� adquiriu a mans�o em 1971 – em 1969, s� havia um Playboy Club em Los Angeles.

“Schwarz e n�o Schwartz” corrige Marvin Schwarz (Al Pacino) em seu primeiro encontro com Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), que erra seu sobrenome. O agente de atores � um personagem ficcional. Mas houve realmente um Marvin Schwartz, que produziu filmes nos anos 1960 estrelados por John Wayne e Burt Reynolds.

A onipresente cinefilia de Tarantino tem algumas liberdades. Em um cinema, h� um p�ster de Tora! Tora! Tora!, produ��o Jap�o/EUA sobre o ataque a Pearl Harbor na Segunda Guerra. O longa s� foi lan�ado no segundo semestre de 1970. Outro destaque do filme � para a sala de cinema porn� Pussycat Theatre, na Hollywood Boulevard. O lugar s� foi inaugurado em 1974.