
Nesta ter�a-feira (20), Cora Coralina completaria 130 anos. A mulher que estudou apenas at� a terceira s�rie do curso prim�rio se tornou o maior nome da literatura goiana e uma das mais admiradas poetisas brasileiras, apesar da estreia tardia na carreira, aos 75. As letras eram um passatempo, ela ganhava a vida como doceira.
Os delicados versos de Cora levaram sua terra natal – a Cidade de Goi�s, tamb�m conhecida como Goi�s Velho – para o mundo. Os poemas falam da vida simples na primeira capital goiana. Ela deixou obra ainda n�o integralmente divulgada. Vic�ncia Br�tas Tahan, a �nica filha viva da autora, guarda in�ditos da m�e. Alguns escritos a l�pis. Esse tesouro � tornado p�blico de tempos em tempos, a conta-gotas.
“Uma mulher al�m do seu tempo. Mesmo enfrentando dificuldades e preconceitos, ela acreditou nos valores humanos, sempre recome�ando. Nossa cidade se alegra neste 20 de agosto, a semente foi lan�ada em terra f�rtil. Celebrar os 130 anos de nascimento de Cora �, acima de tudo, relembrar a import�ncia que ela tem para a sua terra natal. Cora n�o pertence � velha Goi�s, ela � do mundo”, afirma Marlene Velasco, amiga da escritora e diretora do Museu Cora Coralina.
A programa��o desta ter�a ser� aberta com uma cavalgada, que percorrer� o Caminho de Cora – das ru�nas do antigo Arraial de Ouro Fino, um dos primeiros povoados da regi�o, ao museu dedicado � escritora. O governador Ronaldo Caiado (DEM) abrir� o Ano de Cora Coralina e os Correios v�o lan�ar selo comemorativo. Haver� serenata e missa em a��o de gra�as no Santu�rio Nossa Senhora do Ros�rio.
LEGADO Com ruelas de pedra ladeadas pelo casario dos s�culos 18 e 19, Goi�s Velho, munic�pio de 22 mil moradores, conserva muito dos tempos de sua filha mais ilustre. Escrever poesia e fazer doces cristalizados s�o costumes de mulheres de idades e classes sociais variadas. Muitas vendem seus produtos em casa. S�o extrativistas de cajuzinho, murici, cagaita, cajazinho.
Criada em 2016, a associa��o tem o objetivo de trocar experi�ncias, al�m de expandir os neg�cios e a mente. Mulheres Coralinas nasceu para combater a viol�ncia dom�stica. Teve Cora Coralina como inspira��o.
Desde 2017, a associa��o ocupa uma loja no antigo Mercado Central. No pequeno e charmoso espa�o, elas exp�em doces e artesanato – tudo aliado aos versos de Cora.
Cec�lia Souza Santos da Costa, de 74 anos, � uma das coralinas mais ativas. Doceira de m�o cheia, adora declamar os poemas da mulher que a inspirou. Faz quest�o de deixar claro que nem todas ali foram v�timas de viol�ncia. “Casei-me aos 72 anos com um homem carinhoso. Ele me trata como uma princesa”, diz a contabilista aposentada.
Por outro lado, Maria Sebastiana da Silva Santa, de 61, n�o esconde as dificuldades da vida como bordadeira, doceira e escultora de argila. “Sempre trabalhei muito. Com as minhas habilidades, criei a minha fam�lia e constru� a minha casinha”, conta. “Com o Mulheres Coralinas, mudei o meu jeito de pensar. Era uma mulher muito retra�da, n�o tinha opini�o. Hoje, s� fa�o o que quero. Aqui, aprendo e ensino.” (Com Roberta Pinheiro)
Uma vida de obst�culos
Anna Lins dos Guimar�es Peixoto, a Cora Coralina, nasceu na Cidade de Goi�s em 20 de agosto de 1889. Filha de Francisco de Paula Lins dos Guimar�es Peixoto, desembargador nomeado por dom Pedro II, e de Jacinta Lu�sa do Couto Brand�o, dona de casa, cursou apenas at� a terceira s�rie do curso prim�rio.
Em 1908, publicou os primeiros versos, aos 14 anos, no jornal de poesia A rosa, criado com algumas amigas. Em 1910, seu conto Trag�dia na ro�a saiu no Anu�rio Hist�rico e Geogr�fico do Estado de Goi�s, com o pseud�nimo de Cora Coralina. Em 1911, ela fugiu, gr�vida, com o advogado Cant�dio Tolentino Bretas, casado com outra mulher. Os dois se mudaram para o interior de S�o Paulo. A poeta teve seis filhos.
Cora e Cant�dio s� se casaram em 1925, quando ele ficou vi�vo – � �poca n�o havia div�rcio. Quando ele morreu, Cora vendeu lingui�a, banha e livros, fez doces e trabalhou na ro�a para sustentar os filhos. Considerava os cristalizados de caju, ab�bora, figo e laranja melhores do que seus poemas, escritos em folhas de caderno.
Em 1946, ela decidiu voltar para Goi�s, com os filhos j� crescidos. O primeiro livro s� foi publicado em 1965, Poemas dos becos de Goi�s e est�rias mais. O reconhecimento veio aos 75 anos, quando Carlos Drummond de Andrade elogiou publicamente os versos dela em cr�nica publicada no Jornal do Brasil. Cora morreu em Goi�nia, devido �s complica��es de uma pneumonia, em 10 de abril de 1985. (RA)

Tesouro sem fim
Vic�ncia Br�tas Tahan � a guardi� dos escritos de Cora Coralina. A �nica filha viva da poetista diz ter poemas, contos, cartas e discursos para mais cinco ou seis livros da m�e. Sem contar os tr�s j� no prelo da Global. Dois deles – sele��o de poemas para jovens e o infantil Lembran�as de Aninha, com 12 textos j� publicados – est�o previstos para 2020. Um novo lote de in�ditos, que chegou recentemente � editora, est� no processo de sele��o.
Cora Coralina s� publicou tr�s livros em vida – Poemas dos becos de Goi�s e est�rias mais (1965), Meu livro de cordel (1976) e Vint�m de cobre: meias confiss�es de Aninha (1983). Hoje, h� 16 t�tulos nas lojas, incluindo um livro de receita e oito para crian�as.
"Minha m�e come�ou a escrever muito cedo, aos 14 anos, mas naquele tempo ningu�m dava valor � escrita da mulher. Ela foi guardando, guardando. Depois, se casou e meu pai era daquela gera��o bem machista: n�o deixava mostrar os poemas. E ela continuou guardando. At� que, aos 75 anos, j� vi�va, com os filhos criados e casados, voltou a se interessar por publicar e conseguiu", conta Vic�ncia.
Em seu apartamento, na capital paulista, Vic�ncia guarda 15 pastas azuis com textos de Cora. Hist�rias, mesmo, s� os netos ganharam – e delas nasceram alguns livros infantis. "N�o, n�o tinha isso de ela contar historinha. Ela estava trabalhando, cuidando da loja para nos sustentar", comenta.
A poetisa dos versos simples foi m�e exigente. "Ela nunca aceitou que a gente ficasse em cima do muro. Com ela, era assim: ou voc� toma partido ou fica de boca fechada. E, quando tomar partido, fique firme at� ser convencido a mudar de opini�o. Nunca aceitou que algu�m falasse ‘n�o sei’, ‘quem sabe’. A gente tinha que saber."
Uma lembran�a marcante � a de Cora lendo jornal e livros. "� muito importante estar em dia com os acontecimentos. A leitura � uma base extraordin�ria para a gente, para a conviv�ncia, para a prosa, para o conhecimento mesmo. Quem n�o l� est� perdido, ainda mais hoje em dia, quando as coisas acontecem de uma hora para outra. Meu Deus, como est� o mundo, n�o? Se n�o estamos em dia, somos postos de lado", diz Vic�ncia. (Estad�o Conte�do)
Livros
» Poemas dos becos de Goi�s e est�rias mais
Poesia, 1955
» Meu livro de cordel
Poesia, 1976
» Vint�m de cobre: meias confiss�es de Aninha
Poesia, 1983
» Est�rias da casa velha da ponte
Contos, 1985
» Os meninos verdes
Infantil, 1980
» Tesouro da casa velha
Poesia, 1996 (obra p�stuma)
» A moeda de ouro que um pato engoliu
Infantil, 1999 (obra p�stuma)
Infantil, 1999 (obra p�stuma)
» Vila boa de Goi�s
Poesia, 2001 (obra p�stuma)
» O pato azul-pombinho
Infantil, 2001 (obra p�stuma)
