
No longa Quem voc� pensa que sou, de Safy Nebbou, em cartaz em Belo Horizonte, Juliette Binoche interpreta uma mulher que, meio de pirra�a contra o ex-companheiro, cria um perfil falso nas redes sociais. Seu avatar � uma mulher muito mais jovem, e um amigo do marido � a isca.
Ele fica atra�do por Claire – seu nome –, marcam um encontro. O rapaz procura, em v�o, a mulher da foto, e o diretor filma a cena do �ngulo de Claire/Juliette, que se posta diante do cara e, obviamente, ele n�o lhe d� aten��o, pois busca uma outra pessoa.
Por que uma mulher madura se presta a esse jogo? "Eu n�o", Juliette Binoche ri, gostosamente, mas diz que consegue entender a personagem. Como atriz, � sempre seu desafio. Defender a personagem, vivenciar seus dramas e emo��es, sem julgamento. Durante o Festival de Berlim, em fevereiro passado, a atriz concedeu a entrevista a seguir sobre Quem voc� pensa que sou.
Embora n�o seja um estreante, o franc�s Safy Nebbou ainda � um diretor meio desconhecido, com mais curtas do que longas-metragens. Voc� tem filmado com grandes diretores, por que arriscar?
Justamente pelo risco, como voc� diz. As coisas nunca s�o simples de definir. Sim, tive o privil�gio de filmar com Kieslowski, Kiarostami, Naomi Kawase, Bruno Dumont e outros autores que j� imprimiram sua marca no cinema. Alguns j� morreram, mas um convite desses grandes � sempre tentador. Existe tamb�m o roteiro, o tema, a sua predisposi��o a abordar certos universos. N�o sou dependente das redes sociais, mas conhe�o muita gente que �. Tenho meu Twitter, Instagram, Face, mas s�o ferramentas de comunica��o e trabalho. Ocorre que, para muitas pessoas, viraram a pr�pria vida, justamente porque voc� pode fazer como Claire, que cria um avatar muito mais jovem e come�a a brincar de sedu��o. Como eu, ela � uma mulher de 50 anos, fazendo-se passar pela metade de sua idade. Publica a foto de uma jovem bonita. � uma irresponsabilidade, � fake, mas os sentimentos que o filme aborda – amor, o medo do tempo, a solid�o, tudo isso � real. Fiquei tentada a embarcar nessa viagem.
Voc�, Juliette Binoche, criaria um perfil falso?
Na verdade, at� criei, como pesquisa, mas foi algo muito breve e n�o me senti nada bem. Atores, e principalmente atrizes, s�o muito suscet�veis � beleza, � idade, mas n�o conseguiria expressar minhas emo��es atrav�s de uma m�scara. Quer dizer, � um paradoxo, porque, como atriz, � o que fa�o normalmente, mas de forma inversa. Empresto meu rosto, meu corpo, meus sentimentos para expressar as vidas e os sentimentos dos outros. Isso pode ser libertador, sabe, mas tamb�m pode mexer muito com os seus sentimentos. Felizmente, nunca tive muitos problemas para entrar e sair dos personagens. E olhe que tive algumas experi�ncias bem radicais. Quando filmamos Camille Claudel 1915, Bruno (Dumont) me prop�s contracenar com internas de verdade numa institui��o psiqui�trica. Cada dia era uma aventura e tive alguns momentos bem dilacerantes, mas quando Bruno me chamou para outro filme, depois, l� estava eu, decidida a mudar o tom e fazer com�dia com ele.
''Como atriz, estou tendo o privil�gio de interpretar pap�is correspondentes a cada fase da minha vida. J� fui muito jovem na tela, espero ficar velhinha, e com bons pap�is, por que n�o?''
Juliette Binoche, atriz
E no caso da personagem Claire?
O que mais me intrigou nela foi uma coisa que n�o vamos poder abordar, sob risco de criar spoiler, mas � medida em que eu lia o roteiro, me perguntava como aquilo ia terminar. O desfecho me pegou desprevenida, e tive de voltar atr�s para absorver o impacto do twist. Achei muito ousado da parte de Safy.
Voc� sabe, n�o preciso lhe dizer que � uma das mulheres mais belas do mundo...
N�o sei n�o, voc� � que est� dizendo (risos).
Pois bem, ent�o estou dizendo, mas a minha pergunta �: como atriz, como voc� lida com o passar do tempo?
Com o envelhecimento? Vamos dar nome. Como atriz, estou tendo o privil�gio de interpretar pap�is correspondentes a cada fase da minha vida. J� fui muito jovem na tela, espero ficar velhinha, e com bons pap�is, por que n�o? Catherine Deneuve est� neste festival (a Berlinale de 2019) com um de nossos autores preferidos – Andr� Techin� – e fazendo uma av� em Adeus � noite (tamb�m em cartaz em Belo Horizonte). Eu ainda chego l�, mas, por enquanto, estou vivendo meus 54 anos (fez 55 em mar�o).
Voc� tem tido sucesso trabalhando com autores que tentam colocar na tela o invis�vel e o indiz�vel. Como � entrar nesses universos t�o secretos, t�o �ntimos?
� sempre uma quest�o de reciprocidade e confian�a. Nenhum diretor me pediu nunca algo que achasse que eu n�o poderia dar. O que � preciso, sempre, � achar um tom. Saber das inten��es, conscientizar-me delas. J� trabalhei com diretores que n�o gostam muito de repetir os planos e outros que repetem � exaust�o. Gosto de tentar chegar ao ponto, de cara, mas n�o tenho problemas em repetir. O importante � se esquecer de quem voc� � e entrar na filmagem como se fosse um jogo. Esse trabalho pode ser extenuante, mas tamb�m � divertido. Depende de a gente fazer de cada filme uma experi�ncia enriquecedora, n�o s� para n�s, que o fazemos, mas para o p�blico tamb�m.
Voc� � uma estrela internacional, a mais bem paga atriz do cinema franc�s...
Quem lhe contou isso?
N�o � segredo nenhum, basta entrar no Google e fazer uma pesquisa com seu nome. Mas a verdade � que, apesar do renome, voc� � muito reservada. Tem um casal de filhos, Raphael e Hanna, mas quase n�o se sabe nada de sua vida privada. N�o estou querendo ser indiscreto, mas como � Juliette Binoche na intimidade?
Sou filha de artistas. Meu pai, um escultor, minha m�e, roteirista e atriz. A arte sempre fez parte da minha vida, mesmo quando se separaram muito cedo e minha irm� e eu fomos para o internato. Sou naturalmente reservada. Voc� n�o vai conseguir nenhuma indiscri��o de minha parte. Entendo a curiosidade das pessoas, mas o fato de ter uma vida p�blica n�o vai me impedir de manter a privacidade. Mas vou lhe dizer que entre um filme e outro gosto de me recolher. Essa rotina de festivais, de tapetes vermelhos pode ser extenuante. J� tem exposi��o que chegue. N�o vejo problema nenhum em ficar comigo, com meus filhos, meu marido, um bom livro, uma boa ta�a de vinho. Alguns dos maiores prazeres da vida est�o em coisas muito simples.
Voc� talvez seja a atriz mais premiada de sua gera��o. Ganhou o Oscar (de atriz coadjuvante, por O paciente ingl�s), o C�sar, o Oscar franc�s (por A liberdade � azul) e o pr�mio de melhor atriz em Cannes (por C�pia fiel). O que ainda lhe falta, Juliette?
Certamente n�o s�o os pr�mios, mas, por mais lisonjeiros que sejam, seria absurdo encarar essa fun��o de olho nos pr�mios. Voc� citou tr�s filmes de diretores que j� morreram – Anthony Minghella, Krzysztof Kieslowski e Abbas Kiarostami. De alguma forma, sinto falta deles, porque cada um deles me abriu os olhos para a vida e a minha atividade como atriz. Kieslowski amava a conten��o, o sil�ncio. Constru�a uma tens�o na imobilidade do corpo da gente. Mas tamb�m conseguia descontrair um set com uma risada inesperada. S�o momentos que guardo pela vida.