
"Nelson Freire constitui uma promessa pian�stica das mais n�tidas... Surpreendeu pela despropor��o do tamanho do garoto e a efici�ncia de sua atua��o ao piano", escreveu Eurico Nogueira Fran�a, em 25 de dezembro de 1953, no di�rio carioca Correio da manh�.
O pianista n�o passava de um garoto de nove anos quando o cr�tico e music�logo carioca o viu executar um prel�dio de Rachmaninoff e uma valsa de Chopin. O coment�rio de Fran�a foi impresso no programa do recital que o menino de Boa Esperan�a apresentou em 11 de julho de 1954, no audit�rio do Instituto de Educa��o, em Belo Horizonte.
A foto do garoto de cal�as curtas e len�o amarrado no pesco�o ilustrava o programa do recital diurno, que incluiu temas de Schumann (Cenas infantis, conjunto de 13 andamentos para piano solo), Chopin (Polonaise em d� sustenido menor, op.26 nº1) e Villa-Lobos (Lenda do caboclo e Polichinelo).
Passados 65 anos, Freire repete esse programa, na semana em que completa 75 anos – seu anivers�rio ser� nesta sexta (18) – e apresenta tr�s recitais em Belo Horizonte. Desta ter�a (15) a quinta (17), Freire toca no Centro Cultural Minas T�nis Clube.
''u o conheci quando era adolescente e ele j� tinha todas as virtudes, os dons do m�sico extraordin�rio que �. Nelson � um dos grandes pianistas de todos os tempos, um mestre. Ouvi-lo � sempre uma alegria''
Berenice Menegale, pianista
Hoje, ele encerra a temporada 2019 da s�rie de Concertos Supergasbras; na quarta, faz uma apresenta��o fechada para convidados; e na quinta, outra em benef�cio da Associa��o Mineira de Reabilita��o (AMR). N�o h� mais ingressos dispon�veis.
Na primeira parte do programa desta semana, Freire vai executar Mozart (Sonata em l� maior K331) e Beethoven (Sonata op. 27 nº2, a Sonata ao luar). Encerrando as apresenta��es, ainda haver� Liszt, com a Morte de amor de Isolda, da �pera Trist�o e Isolda, de Wagner. O repert�rio foi definido pelo pianista em conversas com a tamb�m pianista e professora Celina Szrvinsk, coordenadora da s�rie de concertos no Minas.
"Comecei a trazer Nelson a Belo Horizonte em 2002. Naquela �poca, havia um tempo que ele n�o vinha � cidade para recitais. Ele � um dos artistas mais cotados do cen�rio internacional, est� nas maiores salas, com os grandes regentes. Todos querem o Nelson, e n�s tamb�m. Sempre que h� um espa�o na agenda, ele vem", comenta Celina.
O pianista chega a BH vindo de uma turn� europeia, iniciada no fim de agosto. No teatro do Minas, � a quinta vez em que ele se apresenta, desde a inaugura��o do espa�o cultural, em 2013. Os ingressos sempre se esgotam com anteced�ncia.
''Mor�vamos perto um do outro em Viena, ent�o nos encontr�vamos, um tocava para o outro. Chegamos a tocar a quatro m�os, e ele j� parecia o que � hoje. Tocava um concerto de meia hora de cabo a rabo sem ter estudado. Era inacredit�vel, pois ele tocava uma pe�a que nunca tinha visto como se a conhecesse. Ele tem as m�os adaptadas para o instrumento, um relaxamento natural, toca sem crispa��o, com facilidade''
Eduardo Hazan, pianista
Al�m dos 75 anos de vida, Nelson comemora em 2019 os 70 de carreira – a estreia nos palcos foi aos cinco, em 1949, no Teatro Municipal de S�o Jo�o del-Rei. “L�cia Branco e sua assistente, a pianista Nise Obino, �s quais est� confiada sua educa��o art�stica, nele depositam as maiores esperan�as.” Essa frase, cunhada tamb�m no programa do recital de 1954, cita dois nomes essenciais na forma��o do menino prod�gio.
Naqueles anos, a fam�lia Freire j� havia deixado Boa Esperan�a rumo ao Rio de Janeiro para aprimorar a educa��o do filho ca�ula, que havia descoberto o piano aos tr�s anos e se revelara um talento incomum, embora fosse uma crian�a de sa�de fraca.
AMOR SOBRETUDO
No document�rio Nelson Freire (2003), de Jo�o Moreira Salles, o pr�prio pianista d� os devidos cr�ditos a Nise Obino. Diz, em um dos poucos momentos em que abre o verbo para a c�mera, que, passados dois anos no Rio, os pais, Augusta e Jos� Freire, j� pensavam em retornar ao interior de Minas, pois “o prod�gio estava acabando e depois de ter passado por v�rios professores no Rio, nunca deu certo”.
A virada se deu, segundo ele relatou no document�rio, com a chegada de Nise. “Eu era muito t�mido mas ela, n�o; era uma pessoa exuberante, bonita”. Da varanda do apartamento carioca o menino a viu pela primeira vez, “descendo de um t�xi preto, fumando, desquitada, chegou em casa falando de pol�tica, escandalizando a fam�lia mineira em todos os sentidos”. “Fiquei fascinado, n�o foi s� uma rela��o de aluno e professor, foi uma rela��o de amor, sobretudo”, ele contou.

O encontro foi definitivo para sua carreira, que, a partir de ent�o, decolou. Um marco da primeira fase foi o Concurso Internacional de Piano do Rio de Janeiro, em 1957. Nelson, aos 12, tocou o imponente Concerto nº 5 – Imperador, de Beethoven. N�o venceu a premia��o (o primeiro lugar foi para o austr�aco Alexander Jenner), mas a performance lhe valeu uma bolsa dada pelo ent�o presidente Juscelino Kubitschek para estudar em Viena.
Era um dos mais jovens pianistas brasileiros a estudar na �ustria no final dos anos 1950. E havia algo de diferente nele, notam pianistas que o conheceram naquela �poca, em Viena. “Eu o conheci quando era adolescente e ele j� tinha todas as virtudes, os dons do m�sico extraordin�rio que �”, comenta a pianista e professora Berenice Menegale, de 85. Ela considera Nelson “um dos grandes pianistas de todos os tempos, um mestre” e diz que ouvi-lo � “sempre uma alegria”, ainda mais quando � ao vivo.
''S�o muitos os p�blicos que o Nelson tem. H� aqueles que o conhecem desde crian�a; h� os que querem conhec�-lo e h� o p�blico jovem, principalmente de m�sicos. Como ele n�o consegue se apresentar no Brasil inteiro, v�rios alunos de escolas do interior v�o se deslocar at� aqui. E, se voc� ouvir o mesmo repert�rio, com ele nunca � a mesma coisa''
Celina Szrvinsk, pianista
J� Eduardo Hazan, de 82, lembra-se de um encontro dos dois, quando Nelson tinha n�o mais do que 14 anos. “Mor�vamos perto um do outro em Viena, ent�o nos encontr�vamos, um tocava para o outro. Chegamos a tocar a quatro m�os, e ele j� parecia o que � hoje. Tocava um concerto de meia hora de cabo a rabo sem ter estudado. Era inacredit�vel, pois ele tocava uma pe�a que nunca tinha visto como se a conhecesse. Ele tem as m�os adaptadas para o instrumento, um relaxamento natural, toca sem crispa��o, com facilidade.”
Os pr�mios, as colabora��es com as maiores orquestras e regentes do mundo, as sucessivas grava��es, foram se somando ao longo dessa trajet�ria de sete d�cadas. E mesmo com o avan�o da idade, ele continua.
"S�o muitos os p�blicos que o Nelson tem. H� aqueles que o conhecem desde crian�a; h� os que querem conhec�-lo e h� o p�blico jovem, principalmente de m�sicos. Como ele n�o consegue se apresentar no Brasil inteiro, v�rios alunos de escolas do interior v�o se deslocar at� aqui. E, se voc� ouvir o mesmo repert�rio, com ele nunca � a mesma coisa", diz Celina.
NELSON FREIRE
O pianista encerra a s�rie Concertos Supergasbras nesta ter�a (15), �s 20h30, no teatro do Centro Cultural Minas T�nis Clube, Rua da Bahia, 2.244, Lourdes. Ingressos esgotados.
MARIA JO�O TOCA EM BH
Uma das maiores pianistas da atualidade, a portuguesa Maria Jo�o Pires tem a mesma idade de Nelson Freire e, assim como ele, atingiu os 70 anos de carreira. Ela � o destaque da S�rie Virtuosi – no pr�ximo dia 26, �s 20h30, se apresenta no Pal�cio das Artes. No repert�rio, pe�as de Chopin e Beethoven. Os ingressos custam de R$ 100 a R$ 300 e j� est�o � venda. Mais informa��es podem ser obtidas no site da Funda��o Cl�vis Salgado (www.fcs.mg.gov.br).