Livro narra conquistas e deslizes do vice-rei da m�sica brasileira
Biografia aborda a trajet�ria de Nelson Gon�alves, que s� n�o vendeu mais discos do que Roberto Carlos. Ele superou a pobreza, tornou-se rico e famoso, mas enfrentou problemas com drogas e acusa��es de viol�ncia dom�stica
postado em 12/10/2019 04:00 / atualizado em 11/10/2019 23:35
Com 60 anos de carreira, Nelson Gon�alves foi um dos cantores mais carism�ticos do pa�s
(foto: Jorge Audi/O Cruzeiro/Arquivo EM)
Nelson Gon�alves � o segundo maior vendedor de discos da hist�ria do Brasil – bateu 81 milh�es de c�pias e ficou atr�s apenas de Roberto Carlos, com 120 milh�es. Amado por v�rias gera��es, seu maior sucesso foi a can��o A volta do bo�mio, composta por Adelino Moreira, em 1957. No dia 21 de junho completaram-se 100 anos de seu nascimento, mas poucos se lembraram da data.
“Especialmente a imprensa, que outrora o elegeu como o Rei do R�dio. Apesar de midiaticamente esquecido, Nelson, ou Metralha, apelido que ganhou por causa da sua gagueira, permaneceu v�vido no imagin�rio popular. Mais incr�vel ainda � pensar que, at� agora, ele tamb�m n�o ganhou uma biografia � altura de sua obra”, lamenta o escritor e jornalista Cristiano Bastos.
Durante 13 anos, o ga�cho Bastos pesquisou a vida e a obra do conterr�neo Ant�nio Gon�alves Sobral (1919-1998) para escrever Nelson Gon�alves – O rei da boemia, lan�amento da Editora Plus que chegar� em breve �s livrarias. Vasculhou jornais, livros, revistas, documentos, arquivos de emissoras de r�dio e TV. “Muitas de minhas fontes prim�rias conviveram com ele – familiares, artistas, amigos, jornalistas, empres�rios, produtores, esposas, amantes e filhos”, revela o jornalista.
Certa vez, Nelson declarou: “O Brasil � um pa�s sem mem�ria. Algu�m se lembra de Francisco Alves? Quando morrer, quero ser cremado para n�o fazerem xixi na minha tumba”. Cristiano Bastos n�o se conformou com o fato de esse grande artista ser hoje pouco lembrado.
“Contar a hist�ria de Nelson � contar a pr�pria hist�ria do Brasil. S�o 60 anos de carreira em palcos e est�dios de grava��o. � uma hist�ria cheia de dificuldades, sucessos, fracassos, descidas ao inferno, reviravoltas e inimagin�vel popularidade”, afirma.
Nelson com dois de seus filhos. O cantor teve 12
(foto: Jorge Audi/O Cruzeiro/Arquivo EM)
A ideia do livro surgiu em 2008, quando se completaram 10 anos da morte do cantor. “Eu era rep�rter da Rolling Stone e me dei conta de que ningu�m estava fazendo nada a respeito de Nelson. Consegui convencer o pessoal da revista a publicar um perfil dele, embora ela tivesse linha editorial mais jovem. Fizemos um tributo que acabou gerando grande repercuss�o, principalmente entre os antigos f�s.”
Apaixonado pela hist�ria de Nelson Gon�alves, o jornalista prosseguiu com as pesquisas, que agora se tornaram livro. “Encantei-me tanto pelo artista quanto pelo ser humano e o personagem, com suas qualidades, defeitos e sua humanidade, vamos assim dizer. Nascido em Santana do Livramento, antes de se tornar o cantor mais famoso e rico do Brasil nos anos 1940 e 1950, Nelson chegou a trabalhar como engraxate, tamanqueiro, gar�om e at� lutador de boxe. � uma hist�ria fascinante.”
O livro foi um desafio para Cristiano Bastos. “Naquela �poca, s� se sabia que seria muito dif�cil fazer uma biografia sobre um cara como o Nelson, com 10 filhos adotivos e dois biol�gicos. A fam�lia emperraria, devido � tal 'lei das biografias' que o Roberto Carlos, de certa forma, tinha imposto, por causa do fato ocorrido com ele”, comenta. “Na �poca, ningu�m conseguia lan�ar biografia que n�o fosse autorizada.”
''Contar a hist�ria de Nelson � contar a pr�pria hist�ria do Brasil. S�o 60 anos de carreira em palcos e est�dios de grava��o. � uma hist�ria cheia de dificuldades, sucessos, fracassos, descidas ao inferno, reviravoltas e inimagin�vel popularidade''
Cristiano Bastos, jornalista e autor da biografia de Nelson Gon�alves
O rep�rter se refere � proibi��o de Roberto Carlos em detalhes, de Paulo C�sar de Ara�jo, a pedido do cantor, em 2007, sob alega��o de que n�o havia autorizado a publica��o de informa��es sobre sua vida. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou essa proibi��o.
Quanto o STF decidiu a quest�o, Bastos se animou a escrever o livro. “Nelson foi um cara muito midi�tico durante toda a vida. Por�m, era muito dif�cil conseguir coisas sobre ele antes de a Biblioteca P�blica Nacional digitalizar todos os jornais”, observa.
V�cio
Na opini�o do bi�grafo, Nelson Gon�alves era dotado de uma voz sem igual no Brasil. “Digo isso no aspecto t�cnico. Poderia citar tamb�m o Orlando Silva, s� que a voz dele durou apenas sete anos. Silva era viciado em morfina, mas n�o por quest�es iguais � do Nelson com a coca�na. Orlando tinha muita dor no p� e por causa disso se viciou, o que acabou com a voz dele. Nelson gravou a primeira m�sica em 1941. Era o maior fen�meno que o Brasil teve. At� pouco tempo antes de morrer, sua voz n�o baixou um tom sequer”, garante.
O jornalista afirma que fatores biol�gicos influenciaram a pot�ncia vocal de Nelson Gon�alves. “Certa vez, o m�dico foi analisar o t�rax dele e ficou impressionado. Disse que havia um 'abismo' ali dentro. Ele tinha como predicado ser m�dio tenor, o que acontece com poucos cantores.”
Nelson Gon�alves se apresenta no Radio City, em Nova York, em 1960
(foto: O Cruzeiro/Arquivo EM)
Artista de personalidade conturbada, ele venceu a pobreza e se tornou rico e famoso. “Era tamb�m um cara com arroubos violentos com as mulheres. No entanto, acabou adotando 10 crian�as. Era tamb�m determinado. Basta lembrar que, depois de decair, recuperou tudo e se tornou ainda mais rico. Em 1972, quando come�a essa guinada, ele voltou para o mercado e Adelino Moreira passou a ser seu empres�rio, al�m de compor para ele. Foi sucesso atr�s de sucesso.”
Nelson deixou as drogas. S�brio, voltou a gravar e fazer shows. “Mas � bom lembrar: o v�cio foi violento. Ele foi o primeiro astro brasileiro exposto como viciado numa �poca em que ningu�m sabia o que era aquilo. Isso em 1966, quando foi preso. O epis�dio ocorreu porque ele n�o tinha dinheiro para pagar o fornecedor, que o denunciou � pol�cia, acusando-o de ser traficante. Os policiais arrombaram sua casa e encontraram um quilo de coca�na, s� que era para uso pr�prio. O resultado disso foram 30 dias de pris�o na Casa de Deten��o de S�o Paulo.”
Disposta a tirar o marido do v�cio, Helo�sa Valente o trancou em casa por alguns meses. O boxeador �der Jofre tamb�m o ajudou. Para mostrar que estava “limpo”, Nelson organizou uma luta com o pr�prio �der, em 1967, um ano depois da pris�o. O campe�o de boxe deixou que o amigo batesse, at� acert�-lo com um direto no queixo. N�o deu outra: nocaute.
“Na realidade, a hist�ria de Nelson Gon�alves � muito parecida com a de grandes astros como Ray Charles, por exemplo. Todos se envolveram com drogas, mulheres e confus�es”, conclui Cristiano Bastos.
TRECHO
Metralha e Lourdinha
“Os anos 1950 despontaram agitados para Metralha. Polemicamente movimentados, seria mais adequado dizer. Um dos assuntos mais comentados do primeiro ano daquela d�cada, merecedor de ampla e insistente cobertura da imprensa nacional, foi seu caso amoroso com a cantora Lourdinha Bittencourt. Segundo os tabloides, o passional gal� apaixonara-se enlouquecidamente pela cantora. Sem sucesso, Nelson tentava a todo custo manter o caso em segredo da voracidade da imprensa, ainda que sua esposa, Elvira Molla, de tudo soubesse. Intrometida, a Revista do R�dio julgou que para aquela situa��o entre Nelson, Lourdinha e Elvira simplesmente n�o havia cabimento. Nelson, em sua defesa, inutilmente bradava: ‘Tudo mentira! Tudo inventado! Mentiras t�m pernas curtas, como diz o ditado!’. O cantor esfor�ava-se para acabar com os falat�rios sem, no entanto, perceber que aqueles esc�ndalos todos mais publicidade lhe traziam. E absurdamente tentava arrumar culpados para suas pr�prias mentiras: “Mas quem foi que inventou essas coisas? N�o sei quem armou essa hist�ria. Chegaram a dizer que eu estava noivo de Lourdinha, logo eu que sou casado, que vivo feliz com minha esposa e adoro meus dois filhos!'”