'Feliz ano velho', o romance da gera��o Coca-Cola, ficou quarent�o
Porta-voz da gera��o Coca-Cola, "Feliz ano velho" chega �s quatro d�cadas. Marcelo Rubens Paiva lan�a edi��o especial nesta quinta (15/12)
Marcelo Rubens Paiva, de 63 anos, iniciou a carreira com "Feliz ano velho" e se tornou um dos escritores mais bem-sucedidos do Brasil (foto: Renato Parada/divulga��o)
Numa noite de dezembro de 1982, Marcelo Rubens Paiva recebia seus amigos para o lan�amento de seu primeiro livro, no Sesc Pompeia, em S�o Paulo. Paiva tinha 23 anos, cursava a Escola de Comunica��es e Artes e era um completo desconhecido.
A data marcava o terceiro anivers�rio do acidente que mudara sua vida em 1979. Ao pular no a�ude de um s�tio � beira da rodovia Bandeirantes, em Campinas, no interior paulista, Paiva quebrou a quinta v�rtebra cervical e comprimiu a medula. Ficou tetrapl�gico. O livro que lan�ava naquela noite, “Feliz ano velho”, come�ava com seu acidente.
“Subi numa pedra e gritei: – A�, Gregor, vou descobrir o tesouro que voc� escondeu aqui embaixo, seu milion�rio disfar�ado. Pulei com a pose do Tio Patinhas, bati a cabe�a no ch�o e foi a� que ouvi a melodia: biiiiiiin. Estava debaixo d'�gua, n�o mexia os bra�os nem as pernas, somente via a �gua barrenta e ouvia: biiiiiiin.”
Mas, ao terminar, a obra fazia muito mais do que contar uma trag�dia. “Feliz ano velho” era, ao contr�rio do que se poderia esperar, uma explos�o de sexo, drogas e rock'n'roll.
"Voc�, Marcelo Rubens Paiva, inaugurou a revolucion�ria categoria do 'escritor pop star'. Porque absolutamente todo mundo te leu! Era voc� e Christiane F., anos 1980 na veia"
Maria Ribeiro, atriz
Gera��o AI-5
Ao descrever sua vida, Paiva falava das rela��es com suas namoradas, da maconha que formava os an�is esfuma�ados de sua mente e das noites alucinantes nos clubes de S�o Paulo. E, assim, “Feliz ano velho” se tornou, al�m de fen�meno de vendas, o romance que representava uma gera��o. Um �cone.
O autor aos 23 anos, quando lan�ou o romance pela editora Brasiliense (foto: Instagram/reprodu��o)
“A miss�o era retratar uma gera��o chamada de alienada, a 'gera��o AI-5', que cresceu durante a reforma educacional da ditadura militar, gera��o que Renato Russo imortalizou como gera��o Coca-Cola, considerada consumista, f�til e apol�tica, numa �poca em que os pais proibiam os filhos de ler gibis”, escreve Paiva no pref�cio da edi��o comemorativa dos 40 anos de “Feliz ano velho”, que sai agora pela Alfaguara.
A obra falava tamb�m, e muito, dos problemas decorrentes do acidente. Paiva mostrava o universo de deficientes f�sicos e do preconceito que sofriam, sempre associados a tristeza e doen�as, “quando na verdade era um grupo muito bagunceiro, maluco, sarc�stico, que conheci em encontros, viagens, congressos e centros de reabilita��o”. “Quis falar abertamente de drogas. Quis falar de dilemas da virgindade. Quis falar do primeiro amor.”
O coquetel molotov criado por Paiva acertou no alvo. Segundo a lista dos mais vendidos da revista Veja, “Feliz ano velho” retirou o primeiro lugar de n�o fic��o das m�os de “Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostitu�da”.
“Voc�, Marcelo Rubens Paiva, inaugurou a revolucion�ria categoria do 'escritor pop star'. Porque absolutamente todo mundo te leu! Era voc� e Christiane F., anos 1980 na veia”, escreveu a amiga e atriz Maria Ribeiro na apresenta��o dessa nova edi��o.
�quela noite de dezembro n�o faltou folclore. Luiz Schwarcz, hoje � frente do grupo editorial que relan�a “Feliz ano velho”, era um dos diretores da Brasiliense que publicava aquela primeira edi��o. Ao chegar � noite de aut�grafos, se deu conta de que os livros n�o estavam l�.
“A biblioteca do Sesc havia comprado alguns t�tulos da Brasiliense e, quando perguntamos se os livros haviam chegado, responderam que sim. Mas estavam se referindo aos outros, n�o aos do Marcelo”, diz ele.
Schwarcz encontrou quem tinha as chaves do dep�sito da editora e conseguiu que os livros chegassem com duas horas de atraso.
“Era um livro importante para a Brasiliense, em especial para o Caio Graco (dono da editora, morto h� 30 anos), que era amigo da fam�lia e visitava Marcelo no hospital”, lembra Schwarcz.
Mais do que isso, foi Graco quem achou que havia um livro na hist�ria de Paiva e pediu para que o rapaz o escrevesse. “Antes de ser publicado, o livro n�o era unanimidade na editora”, afirma o editor.
“Para quem n�o conhecia o Marcelo – e eu n�o o conhecia –, n�o imagin�vamos que ele pudesse escrever um livro que representasse uma gera��o, estando naquela situa��o ap�s o acidente. N�s n�o bot�vamos f�”, resume. “Mas foi uma grande sacada num momento hist�rico, uma obra-chave para a literatura brasileira. O Caio foi vision�rio e, ap�s o lan�amento, eu me dediquei muito ao livro. E fico muito feliz de agora estar lan�ando essa edi��o de 40 anos.”
Em seu pref�cio, Paiva diz que o dia mais importante de sua vida n�o foi o dia da morte de seu pai, Rubens Beyrodt Paiva, nos por�es da ditadura, quando ele tinha 12 anos. Nem o do acidente, quando tinha 20. Mas o dia em que Graco disse a ele “por que voc� n�o escreve sobre isso que est� acontecendo?”.
"O livro do Marcelo, que estoura de vender, vira pe�a de teatro, vira filme. Uma gera��o se forma lendo esse livro"
Matinas Suzuki J�nior, jornalista
Literatura para jovens
Na �poca, a Brasiliense j� era um fen�meno no Brasil. Ap�s Graco assumir a dire��o da editora, em 1975, ele passou a lan�ar cole��es de livretos que marcaram �poca, como a “Primeiros passos”, em 1980, a “Tudo � hist�ria”, em 1982, e, finalmente, no mesmo ano, a “Cantadas liter�rias”, pela qual saiu o livro de Paiva.
Essas cole��es falavam com o p�blico jovem, o que em si j� era uma esp�cie de revolu��o. “Ningu�m pensava em livros para jovens naquela �poca”, diz o jornalista Matinas Suzuki J�nior, editor da Companhia das Letras.
Malu Mader e Marcos Breda no filme "Feliz ano velho", lan�ado em 1987
(foto: Tatu Filmes/reprodu��o)
Suzuki tra�a panorama que insere “Feliz ano velho” em um contexto pol�tico e cultural mais abrangente. Para ele, o livro de Paiva representa parte do bra�o liter�rio de um movimento geral dos anos 1980 que p�s a cidade de S�o Paulo em evid�ncia nunca antes vista na hist�ria do Brasil.
“S�o Paulo entra de um jeito na ditadura militar e sai de outro na volta da democracia. S�o Paulo j� era rica, mas era provinciana. As grandes coisas vinham do Rio de Janeiro, ou da Bahia, que foi muito efervescente nos anos 1960. Politicamente, � em S�o Paulo que se gestam os dois partidos que dividiriam o poder nas pr�ximas d�cadas, o PT e o PSDB. Tamb�m acontece no final dos anos 1970 a cria��o de uma nova gera��o do movimento estudantil que seria muito importante”, diz ele.
“Come�am a aparecer sinais de todos os lados na vida cultural. A pr�pria Brasiliense, que se torna a editora quente dos anos 1980, faz essa invers�o com o Rio, de onde vinha a Civiliza��o Brasileira, a Record, a Jos� Olympio e muitas outras. Na literatura, h� um movimento de poesia ligado ao surrealismo, com Roberto Piva e Claudio Willer. Tamb�m um novo renascimento da poesia concreta, com a publica��o de 'P�s-Tudo', de Augusto de Campos. E, � claro, o livro do Marcelo, que estoura de vender, vira pe�a de teatro, vira filme. Uma gera��o se forma lendo esse livro.”
O pr�prio Sesc Pompeia, onde Paiva lan�ou o livro em 1982, havia sido inaugurado naquele ano e fora palco, dias antes, do festival punk O Come�o do Fim do Mundo, organizado pelo dramaturgo Antonio Bivar.
Marcia Brasil, Andr� Frateschi, Claudio Fontana e Maria Ribeiro, atores da pe�a "Feliz ano velho", que estreou em 2001 (foto: Silvio Pozzato/divulga��o)
Nos tempos do Radar Tant�
As danceterias dominavam a noite paulistana, com casas como Radar Tant� e Madame Sat� se tornando refer�ncia para o pa�s. No rock, bandas como Fellini e Akira S & As Garotas que Erraram se destacavam na cena independente, enquanto Ultraje a Rigor, Tit�s e Ira! se tornavam conhecidos nacionalmente.
“Feliz ano velho” � uma das maiores marcas desses anos 1980 paulistanos. � estimado que tenha vendido 10 mil exemplares a cada m�s de 1983. Mas os n�meros aumentaram, conforme foi passando por outras editoras, como Siciliano e C�rculo do Livro. Segundo c�lculo informal recente feito por Paiva e Schwarcz, a obra pode ter vendido 1,2 milh�o de c�pias.
Quarenta anos depois, Marcelo Rubens Paiva retorna ao Sesc Pompeia, nesta quinta-feira (15/12), para o lan�amento da edi��o comemorativa, que traz ainda um caderno de fotos com fac-s�miles dos originais rabiscados, al�m de fotografias e reportagens da �poca.
Desta vez, � quase certo – a editora n�o vai se esquecer de mandar os livros para a noite de aut�grafos.
(foto: Alfaguara/reprodu��o)
“FELIZ ANO VELHO – EDI��O COMEMORATIVA DE 40 ANOS”
.De Marcelo Rubens Paiva
.Alfaguara
.312 p�gs.
.R$ 79,90
.R$ 39,90 (ebook)
receba nossa newsletter
Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor