
O anjo Damiel (Bruno Ganz) contemplava Berlim do alto da Coluna da Vit�ria. J� o anjo Cassiel (Otto Sander) desceu � Terra, onde descobriu a experi�ncia humana. Para o professor e cr�tico de cinema Pablo Gon�alo, de 40 anos, a rela��o entre Damiel e Cassiel, os anjos do cultuado longa-metragem Asas do desejo (1987), pode ser comparada � do cineasta Wim Wenders e do escritor, agora Nobel de Literatura, Peter Handke.
O filme � um das muitas parcerias entre Wenders e Handke. O autor austr�aco tem em torno de 80 obras publicadas, entre romances, ensaios, pe�as de teatro e roteiros para cinema. “Sem ele, eu poderia ter me tornado um pintor”, j� afirmou Wenders.
Al�m de Asas do desejo, Handke tamb�m escreveu os roteiros de outros filmes do alem�o, como O medo do goleiro diante do p�nalti (1972, criado a partir do romance hom�nimo) e Movimento em falso (1975). Em Os belos dias de Aranjuez (2016), incurs�o de Wenders em 3D a partir de uma pe�a de Handke, o escritor chega a fazer uma participa��o.
“Wenders procura mais o Handke do que o contr�rio. Al�m do mais, porque o escritor � um recluso. Interpreto a amizade dos dois como a dos anjos de Asas do desejo. Uma amizade focada em olhar a beleza do mundo, estar junto em momentos de sil�ncio, de uma afetividade muito comedida, mas verdadeira”, comenta Gon�alo, autor de O cinema como ref�gio da escrita – Roteiro e paisagens em Peter Handke e Wim Wenders (2017, editora Annablume), resultado de seu doutorado em comunica��o pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Livre de Berlim.
Professor da Universidade de Bras�lia (UnB), Gon�alo se lembra de que, quando come�ou a estudar a obra de Handke, “ningu�m o conhecia no Brasil e ningu�m gostava dele na Alemanha”. “Por seu apoio a Milosevic, ele � muito pol�mico na Alemanha. � um desses escritores com rela��o amb�gua com seu p�blico, mesmo que dialogue com a tradi��o liter�ria alem�.”
Gon�alo se interessou por Handke por causa de Wenders e admite que acabou estudando mais a obra do escritor do que a do cineasta. Para se aprofundar em sua obra, tinha que ter acesso ao arquivo do escritor. Vivendo desde o in�cio dos anos 1990 em Chaville, sub�rbio de Paris, Handke n�o acessa e-mails, por exemplo. Gon�alo lhe enviou uma carta pedindo autoriza��o para pesquisar seu arquivo.
Com alguns t�tulos publicados no Brasil, Gon�alo indica dois para iniciantes na obra do autor austr�aco. “Em Hist�ria de uma inf�ncia (Companhia das Letras), ele apresenta sua experi�ncia como pai solteiro, j� que foi ele quem criou a filha, Anima. J� um dos meus prediletos � A repeti��o (Rocco), em que narra uma viagem pela Eslov�nia. Handke nasceu na fronteira da �ustria com a Eslov�nia (na cidade de Griffen). Ent�o as fronteiras sempre foram um tema para ele.”
Para a Academia Sueca, a obra de Handke � “repleta de ingenuidade lingu�stica que explora a periferia e a singularidade da experi�ncia humana”. Segunda a institui��o, o autor, ao receber o telefonema informando-o sobre o pr�mio (da ordem de 830 mil euros), afirmou estar muito feliz e disse que ir� receb�-lo em 10 de dezembro, em Estocolmo. Handke tamb�m teria ficado surpreso pela decis�o da Academia, que considerou “muito corajosa”, “ap�s todas as pol�micas” provocadas por sua obra.