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Estado de Minas LITERATURA

Sai no Brasil uma nova edi��o de 'Kalloca�na'

Romance da sueca Karibn Boye lan�ado em 1940 dialoga com distopias criadas por Margaret Atwood, Aldous Huxley e George Orwell


postado em 02/11/2019 04:00 / atualizado em 01/11/2019 18:19


Tanto fizeram e continuam fazendo, que distopia, a exemplo de policial, guerra, romance, j� se consolidou como um subg�nero liter�rio, com nicho exclusivo em algumas livrarias estrangeiras. Fic��o cient�fica e literatura futurista ou de antecipa��o se tornaram qualificativos demasiado gen�ricos para fantasias ambientadas em sociedades opressivas ou constantemente assombradas por amea�as autorit�rias.

Da obra de Ray Bradbury, por exemplo, s� Fahrenheit 451 divide a mesma prateleira de 1984, de George Orwell; Admir�vel mundo novo, de Aldous Huxley; N�s, de Yevgueni Zami�tin; e O homem do castelo alto, de Philip K. Dick.

Os cl�ssicos dist�picos n�o saem, et pour cause, dos cat�logos das editoras, s�o constantemente retraduzidos e convertidos em filmes e s�ries de TV. Avidamente consumidos por puro deleite ou mesmo por masoquismo e catarse, sobretudo depois da elei��o de Donald Trump, eles ganharam, nos �ltimos tempos, pelo menos uma dedicada praticante de alto n�vel: a canadense Margaret Atwood, premiada com o prestigiad�ssimo Booker Prize pela continua��o de O conto da aia.

Em The testament, Atwood nos devolve, 15 anos depois, � teocracia fundamentalista e militarizada de Gilead, em relato n�o mais conduzido por Offred, mas por tr�s vozes femininas: a instrutora Lydia e duas jovens que n�o conheceram o mundo antes da tirania machista. Era inten��o da autora n�o levar O conto da aia adiante, mas foi convencida do contr�rio pela supress�o da liberdade e a assustadora ascend�ncia de religiosos fan�ticos em diversas democracias laicas, al�m de certas d�vidas levantadas por leitores do romance desde sua publica��o.

A fic��o dist�pica era, at� pouco tempo, um feudo masculino. O protagonismo conquistado por Atwood veio dar continuidade a um ef�mero desvio ocorrido em 1940, com a publica��o de Kalloca�na, da sueca Karin Boye (1900-1941). Poeta mais querida dos suecos, Boye escreveu apenas dois ou tr�s livros de fic��o, nenhum do mesmo vulto e repercuss�o internacional de Kalloca�na – Um romance do s�culo 21, que acaba de ser reeditado pela Carambaia, em nova tradu��o de Fernanda Sarmatz Akesson.

A tradu��o anterior, do ga�cho Janer Cristaldo, saiu pela Editora Americana, em 1974, e at� em sebo � dif�cil encontr�-la. Kalloca�na n�o se traduz por “Caloca�na”, bom nome para rem�dio contra dor e droga ilegal. Deriva de Kall, Leo Kall, seu inventor, fict�cio cientista do totalit�rio Estado Mundial, que atr�s das grades escreveu suas mem�rias da distopia em que teve a desventura de viver. N�o � opioide, mas uma esp�cie de pentotal turbinado, o suprassumo do que vulgarmente chamam de “soro da verdade”. Injetado na corrente sangu�nea do paciente, solta-lhe a l�ngua com mais efic�cia que as promessas de uma dela��o premiada.

SUIC�DIO 

Boye teve uma vida conturbada, confrontando a fam�lia, a cren�a religiosa e a identidade sexual. Livre do casamento infeliz com um colega de ativismo pol�tico de esquerda, assumiu seu lesbianismo, mas a depress�o levou-a ao suic�dio, em abril de 1941, um ano depois do lan�amento de Kalloca�na.

A decep��o que tivera com a Uni�o Sovi�tica em 1938 e o que presenciara nos albores do nazismo, numa estada em Berlim para tratamento psicanal�tico contra a depress�o, foram os detonadores do livro, como tamb�m de 1984, publicado oito anos depois. N�o se sabe se Orwell conhecia o romance de Boye. H� pontos em comum entre Leon Kall e Winston Smith, o anti-her�i de 1984, assim como entre o Estado Mundial de Kalloca�na e o de Admir�vel mundo novo.

Tiranias s�o espelhos umas das outras: o Estado � tudo, o indiv�duo n�o � nada, o amor � um sentimento obsoleto e, acima de tudo, perigoso, subversivo. O livre-arb�trio, um luxo inadmiss�vel. O que importa � a ordem, � a harmonia sob tac�o de for�as armadas e tecnologicamente avan�adas a servi�o de uma elite difusa.

O slogan do Estado Mundial de Huxley – comunidade, identidade e estabilidade – � engodo demag�gico, invalidado pela aus�ncia dos valores b�sicos da liberdade de escolha e express�o, da fraternidade sincera e da igualdade social. Huxley agendou seu “mundo novo” para circa 2545 (ou 632 anos d.F, isto �, depois de Ford, Henry Ford), mas em 1959 admitiu ter subestimado a rapidez com que os novos recursos de manipula��o do comportamento humano avan�aram nas duas d�cadas anteriores.

Huxley inventou o soma, uma esp�cie de “soro da euforia” que induz as pessoas a um estado de otimismo e bem-estar f�sico, de inestim�vel valia para a sustenta��o de qualquer ditadura. � um consolo constatar que nem o soma nem a kalloca�na tenham sido inventados. Talvez porque, a essa altura, desnecess�rios. (Estad�o Conte�do)

KALLOCA�NA
. De Karin Boye
. Tradu��o: Fernanda Sarmatz Akesson
. Carambaia
. 256 p�ginas
. R$ 86,90


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