A editora Nova Fronteira acaba de lan�ar A hist�ria do amor de Fernando e Isaura, primeira empreitada do poeta, dramaturgo, artista pl�stico e professor paraibano Ariano Suassuna (1927-2014), uma das maiores refer�ncias nacionais na �rea da cultura, no campo da prosa de fic��o. Na verdade, o livro est� de volta �s livrarias. Escrito em 1956 e lan�ado pela primeira vez somente em 1994, a obra foi produzida como esp�cie de exerc�cio para a posterior cria��o do Romance d’A Pedra do Reino, uma das obras-primas de Ariano. Publicado em 1971, o livro iria consagr�-lo como um de nossos maiores escritores.
A hist�ria do amor de Fernando e Isaura n�o fica atr�s e n�o perde o brilhantismo e sua import�ncia no cen�rio da boa literatura brasileira. Como ressalta o cr�tico Andr� Seffrin na orelha da edi��o, o livro bebe de fontes semelhantes �s das primeiras pe�as teatrais de Suassuna e se constitui como “m�tica f�bula amorosa de ardente e infinita beleza”. A obra tem como inspira��o a cl�ssica lenda de Trist�o e Isolda. Suassuna conta hist�ria de um amor proibido, com fim tr�gico, ambientado em Alagoas na primeira metade do s�culo 20. Ali, ele coloca todas a refer�ncias do que chamava de romanceiro popular nordestino. Em texto in�dito de apresenta��o, o poeta, ensa�sta e professor Carlos Newton J�nior analisa o romance, comparando-o com a trama de origem celta e com o restante da obra de Ariano.
A publica��o � ilustrada pelo artista pl�stico Manuel Dantas Suassuna. Suas imagens, criadas a partir de um di�logo com desenhos do pr�prio Ariano, fazem refer�ncia aos locais em que a narrativa transcorre. A nova edi��o traz ainda cronologia detalhada da vida do autor.
O corte preciso, o talhe precioso. O fluxo do pensamento de Ariano Suassuna segue um rumo feito de turbilh�o e lucidez. N�o existem limites quando corre um rio de �guas puras e mais que livres. Tomado pelo universo m�tico das melhores f�bulas, Ariano tece a sua hist�ria como quem borda flores, s�is, num tecido liter�rio rico e profundo; a luz do amor e o tr�gico num pano feito de puro sonho.
''Sou um escritor de poucos livros e de poucos leitores. Vivo extraviado em meu tempo por acreditar em valores que a maioria julga ultrapassados. Entre esses, o amor, a honra e a beleza que ilumina os dif�ceis caminhos da retid�o, da superioridade moral, da eleva��o, da delicadeza, e n�o da vulgaridade dos sentimentos''
Ariano Suassuna
Para tanto, como sempre foi do seu feitio, Ariano bebeu e se fartou da mais profunda e genu�na cultura popular brasileira. Dali ele toma impulso e al�a voo. Ariano adorna os inevit�veis conflitos causados pela paix�o com um tipo de literatura linear, no sentido que este termo empresta �quilo que � superior e est� bem acima do ordin�rio que nos cerca, em todos os sentidos, em todas as �reas, em todas as inst�ncias.
Ariano �, antes de tudo, um grande contador de hist�rias. Ele nos apresenta personagens ricos, misteriosos, repletos de nuances complexas. Somos bons e maus, feios e bonitos, enormes e pequeninos. Fernando, com personalidade “ardente e escura”, Isaura, com seu “temperamento e sua beleza situados acima das dimens�es humanas”. Ariano fala belamente sobre a for�a que tem o destino, que ao mesmo tempo une e desata, que apazigua as tempestades e acorda outros tantos perigos.
A dimens�o do alcance da escrita de Ariano atinge lonjuras, amplia em n�s um sentido profundo de brasilidade, no que isso guarda e aponta para a grandeza de um povo, de uma terra, de um sert�o profundamente rico, solid�rio e l�rico. Ariano ilumina e amplia os contrastes e os paradoxos de um Brasil que, talvez, num futuro distante, ainda vai dar as caras. Escreve com a sagacidade de um cangaceiro, valendo-se de alegrias. Como disse o escritor Valter Hugo M�e, “� urgente vivermos encantados”.
Existem for�as capazes de transpor os maiores obst�culos. A literatura de Ariano � uma dessas luzes. E escolhe pela intelig�ncia e escreve com o cora��o. Uma literatura que tem um porqu�, que tem um para quem. Tudo em liames. Todas as coisas boas. Tudo isso, quase t�o profundo como o mist�rio; ou talvez mais que o m�gico.
Mais que um professor, Ariano � uma esp�cie de feiticeiro, uma esp�cie de paj� de todas as tribos. Certamente, sabia pelo canto o nome do todos os p�ssaros. Essencialmente, simplesmente humanamente simples. Trata-se de uma literatura feita de d�divas. Ariano � dono de uma natureza, de um car�ter gentil e amoroso, e isso transparece em cada passagem, em cada verso, em cada cena de sua grande obra. E n�o poderia ser diferente em A hist�ria do amor de Fernando e Isaura. O Brasil � cheio de coisas sagradas. Ariano nos faz um convite para enxergarmos o mundo atrav�s de uma esp�cie de filtro feito de delicadeza e sonho.
Ariano � uma esp�cie de pedra preciosa, � um presente nosso para o mundo. Mais que isso, � um segredo muito nosso, com sua poesia, sua dic��o �nica e sua imensa compaix�o. O escritor mostra que “as mil humanidades” que existem dentro de n�s ganham relev�ncia quando s�o capitaneadas pelo amor, uma esp�cie de encantamento que sempre reorganiza e desconcerta.
* Andr� di Bernardi � jornalista e poeta
TRECHO DO LIVRO
“E ficaram mudos uma por��o de tempo, cerrados ambos em sua ang�stia, como dois mendigos que, naquele instante, tivessem nascido, j� adultos, mas cegos. Ou como se, apesar de t�o mo�os, tivessem recebido, de repente, uma revela��o sobre a natureza da vida, tecida de gl�ria, � verdade, mas tamb�m de irris�o, emboscada e embuste. (…) A tudo isso, vinha se juntar um fato que iria toldar ainda mais a sorte dos dois amantes: � que o amor humano, qualquer que seja ele, desata o cora��o dos que amam e, mesmo por vias tortas, aproxima-os de Deus. Era o que estava come�ando a acontecer a Fernando e Isaura, sem que, no entanto, eles soubessem discernir claramente o que se passava, em segredo, no �ntimo um do outro."
A HIST�RIA DO AMOR DE FERNANDO E ISAURA
• De Ariano Suassuna
• Nova Fronteira
• 256 p�ginas
• R$ 49,90